Só se chega lá de carro e, porque está literalmente in the middle of nowhere, como dizem os britânicos, é preciso a ajuda do Google Maps para indicar e acompanhar o nosso percurso. Não deixam os automóveis dos visitantes ir até à entrada e avisam no site que é necessário subir a pé cerca de um quilómetro «por um mau caminho», como fazem questão de sublinhar, até ao portão do jardim. Não aconselham a visita de crianças e proíbem a dos animais de quatro patas. Só estão abertos entre maio e outubro devido às rigorosíssimas condições climatéricas, e, nesta curta janela anual, só se pode visitar o jardim três vezes por semana e apenas entre as 14h30 e as 17 horas.

Com tanta limitação e, apesar da minha deslocação anual à Escócia, demorou algum tempo até que eu conseguisse visitar Little Sparta, o jardim que Ian Hamilton Finlay criou, perto de Dunsyre, não muito longe dos borders da Escócia.  John Dixon Hunt dedicou-lhe um livro e é mencionado em todos os manuais de arquitetura paisagística, como um dos grandes jardins do séc. XX. Mas será que é apenas um jardim ? Little Sparta é a criação de um poeta e artista e consiste na fusão da poesia e escultura com a paisagem natural. Há 275 obras de arte espalhadas pela propriedade, em variadíssimos materiais que vão da pedra ao metal.

E, em muitas delas, há inscrições gravadas, o que faz com que o visitante seja constantemente desafiado a descodificar o seu significado. A história passa-nos diante dos olhos com referências constantes à antiguidade clássica e a temas caros a Hamilton Finlay como a revolução francesa e a segunda guerra mundial. Little Sparta é um jardim com mensagem que deixa o visitante intrigado e mistificado, mas que encanta pela beleza do percurso e pela sucessão de recantos absolutamente perfeitos no seu equilíbrio estético.

O respeito pela passagem do tempo como regra fundamental

O genius loci é integralmente compreendido e respeitado, e a manutenção de todo o jardim obedece a uma regra imposta pelo seu autor, o respeito pela passagem do tempo. Hamilton Finlay estabeleceu-se na propriedade, juntamente com a mulher, em 1966 e, ao longo dos 35 anos que lá viveram, foi estabelecendo uma espécie de santuário intelectual, que, sem recurso a um plano de arquitetura paisagística mas, antes, desenvolvendo-se de forma natural, resultou numa composição extraordinariamente original. Agorafóbico, Hamilton Finlay criou por toda a área espaços fechados, espécie de jardins em compartimentos, que dão a intimidade necessária à leitura das mensagens que contém, sendo que fora dos seus limites não se deixa de admirar a paisagem envolvente.

Little Sparta não nos dá descanso intelectual nem físico. Ao longo de dois hectares, percorremos pequenos caminhos, saltitamos por stepping stones, sem que a nossa curiosidade esmoreça um só minuto na tentativa de descodificação das enigmáticas mensagens deixadas pelo autor. Num livrinho que se compra à entrada, temos um auxiliar indispensável para ler e perceber a intenção de todas as inscrições, algumas delas já esbatidas pelo tempo. Passada a ansiedade do desafio da compreensão, o visitante pode entregar-se ao prazer simples de usufruir do espaço, das suas plantas, dos seus cheiros, da sua beleza cénica, e chegar à conclusão que todo aquele aparato de conhecimento é secundário perante aquilo que Finlay criou, um maravilhoso jardim.

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A importância dos arquitetónicos e escultóricos que compõem Little Sparta

Tive a sorte de visitar Little Sparta pela mão sabedora do seu head gardener, que se apresenta como George e que se passeia por todo o local dissertando sobre história, literatura e pintura, chamando-nos a atenção para uma obra de arte menos visível ou um ponto particularmente caro a Hamilton Finlay, que conheceu pessoalmente. Se a ideia e as obras de arte do jardim são devidas à imaginação e criatividade do mentor inicial, o resultado final deve-se ao conhecimento botânico de Sue Swan, sua mulher, mas também à perícia de cerca de 30 artesãos que deram corpo aos vários elementos arquitetónicos e escultóricos que compõem Little Sparta.

Desde a morte de Hamilton Finlay, em 2006, que toda a propriedade foi transferida para um fundo, The Little Sparta Trust, que luta pela obtenção de meios que garantam a sobrevivência do jardim. Uma associação de amigos e patronos que incluem alguns dos nomes mais influentes da Escócia têm largamente contribuído para isso. Little Sparta não é um jardim convencional. Antes de mais, é uma experiência estética, comovente, intrigante, poética, provocante e melancólica que merece uma visita atenta e demorada.

Texto: Vera Nobre da Costa