A vida insiste em pregar-lhe a partida de a fazer andar de um lado para o outro. Nasceu em Aveiro mas cresceu em Macau. Tirou o curso de direito mas foi como jornalista na SIC que Filipa Veiga iniciou a carreira. Há cinco anos, pediu uma licença sem vencimento e foi para Bali, na Indonésia, onde viveu durante quase quatro anos e onde regressa regularmente por causa de projetos ligados ao ioga que por lá mantém, em paralelo com os que vai tendo por cá.

Autora do blogue Yoga-me e do livro «Yoga-me – A arte de abrir o coração», publicado pela editora Nascente, é uma das embaixadoras do Wanderlust 108, o primeiro triatlo mindful do mundo, que se realiza no próximo dia 8 de outubro de 2017 no Campus da Fundação EDP/MAAT, em Belém, em Lisboa. Em entrevista ao Modern Life/SAPO Lifestyle, media partner desta iniciativa, fala do seu processo de mudança e antecipa o evento.

Tirou o curso de direito, foi jornalista e hoje é professora de ioga e bloguer. Como é que isso aconteceu?

Eu nasci em Aveiro. A minha família é do norte e, aos quatro anos, em 1980, fomos todos para Macau. Foi lá que cresci, estudei e vivi toda a minha vida. O ioga veio um bocadinho por toda essa influência, meio oriental. Saí de lá com 18 anos, estudei na Faculdade de Direito de Lisboa e tirei o curso de direito.

Fiz o curso mas nunca foi a minha praia. O que eu gostava mesmo era de ser jornalista. Quando acabei o curso, inscrevi-me no CENJOR [Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas], acumulando com o estágio de advocacia. No dia a seguir a acabar esse estágio, entrei para o da SIC. Entrei para a redação da SIC Notícias, que tinha na altura cerca de um ano. E fiquei!

Comecei na cultura. Fiz o [programa] «Cartaz», o «Sociedade das Belas Artes» com a Bárbara Guimarães, o «Páginas soltas»… Fiz muita coisa relacionada com cultura e depois, lentamente, fui incorporando a redação. O meu percurso profissional foi na SIC. É a minha casa!

Mas vê-se a voltar a fazer jornalismo?

Não, hoje em dia era incapaz. Já não me identifico…

 Há quanto tempo saiu da SIC?

Estive lá até 2012. Saí no ano em que fui viver para Bali. Na altura, tirei uma licença sem vencimento. Na redação e na direção, disseram-me logo que já não voltaria. Ao fim de dois meses, escrevi-lhes a dizer que, de facto, a minha vida era em Bali e que era por lá que eu ia ficar.

E é aí que entra o ioga?

O ioga já fazia parte da minha vida desde que eu dançava. Sempre dancei, desde pequenina. Comecei no Conservatório e houve uma altura em que achei que a dança já não fazia sentido na minha vida. Estava na Faculdade de Direito de Lisboa e alguma coisa me fez perceber que eu queria o ioga. Lembro-me de ter esta fixação.

Andei à procura em Lisboa. Na altura, havia muito pouca coisa. E encontrei a Casa Vinyasa - Ashtanga Yoga Shala, onde comecei a praticar e a perceber o que era este mundo. O ioga passou a ser a minha ferramenta. Passou a ser a minha atividade física e emocional.

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Quando descobriu o ioga, já estava a trabalhar?

Estava na Faculdade de Direito de Lisboa mas já muito no fim. Na altura, nem dizia que o praticava. Naquele tempo já me achavam um bocadinho diferente da generalidade das que lá estudavam. Diziam que era hippie. Então, eu não dizia que fazia ioga para não me fazerem ainda mais diferente do que aquilo que já diziam que eu era.

Mas, de facto, o ioga conquistou-me completamente nessa altura. Comecei a dar aulas por acaso, substituindo alguns professores, mas nunca pensei em vir, efetivamente, a dar aulas. Nunca tive aquela coisa de um dia querer ser professora de ioga. Nunca tive isso em mente mas o facto de ter ido para Bali e para Ubud, a meca do ioga e de todas as atividades curativas, foi decisiva.

Ubud é um laboratório. Foi lá que me convidaram para dar aulas nuns estúdios fantásticos e foi assim que adquiri uma outra dimensão do que era dar aulas de ioga. De repente, dava aulas de ioga a 30, 40 e 50 pessoas, uma coisa que aqui em Portugal não acontece ainda. Dei, de facto, aulas em sítios maravilhosos.

A ida para Bali já foi com o ioga em mente ou foi uma coincidência?

O meu marido trabalhava na Indonésia e eu já há muito que sonhava voltar a sair do país e regressar à Ásia. Gostava de dar essa experiência às minhas filhas. Por isso, foi sendo uma coisa construída. Inicialmente, íamos para Jacarta, que é uma cidade super pesada. Então Bali, começou a surgir como o destino. Acabámos em Ubud.

Eu prefiro estar ao pé do mar e Ubud é muito longe do oceano mas tinha essa vertente do ioga e, então, foi por lá que decidimos ficar. Eu teria o ioga em Ubud e as minhas filhas estavam perto da Green School [um importante estabelecimento de ensino local nos arredores da cidade]. Em termos de ioga, dei um salto que demoraria 20 anos a dar em Portugal.

Então porquê o regresso a Portugal ao fim de quatro anos?

Eu estou cá mas Bali faz parte da minha vida diária. É um lugar muito especial e muito diferente de todos os outros. É quase uma coisa energética. Muitos diziam-me que iria trazer Bali para Portugal e eu, na altura, não entendia o que queriam dizer. Mas aquilo que eu posso fazer cá, dando aulas de ioga às pessoas, é muito mais do que aquilo que posso fazer lá.

E foi também por causa das minhas filhas porque, a partir de dada altura, ou se continua lá e se faz a Green School ou tem de se mudar de escola. O meu marido também acabou o projeto que tinha lá ao fim dos quatro anos. Foi uma série de conjunturas mas é, de facto, engraçado que Bali continua muito presente na minha vida.

Mais até, se calhar, agora do que quando estava lá. E eu não saí de Bali. Volto lá para dar aulas regularmente. Estive lá em 2016. Ainda vou voltar em 2017. Faço retiros lá. Bali está muito presente e estará sempre, só não é o lugar da escola das milhas filhas.

Veja na página seguinte: O convite que surpreendeu Filipa Veiga

Neste momento, está em Portugal e é um dos rostos do ioga nacional e uma das embaixadoras do Wanderlust 108. O convite surpreendeu-a?

Foi uma coisa muito linda porque eu já conheço o Wanderlust há muitos anos. Sempre o vi como um festival lindo, conheço a sua história e conheço pessoas que são próximas dos fundadores. Quando vi que vinha para Portugal, achei fantástico que estivesse-mos no mapa destes festivais.

Quando eles me contataram, lá está, é Bali outra vez. Quando a pessoa está no sítio certo, onde é suposto estar, parece que os sítios se completam diariamente e, então, é uma honra representar Portugal neste festival. É um sonho que nem sequer pensei ser possível.

Pelo facto de estar perante um público diferente ou, pelo menos, mais abrangente, vai fazer coisas diferentes? O que é que tem planeado?

Já tenho dado aulas noutros festivais e não se dão aulas para pessoas em níveis muito avançados. Dão-se aulas para pessoas que estão a começar ou que estão interessadas nestas coisas. Para mim, não é muito diferente. Aqui em Portugal, sinto que as pessoas estão a querer entender um bocadinho mais o que é que é isto do ioga.

Compreenderam que precisam de uma ferramenta para as ajudar no dia a dia da vida, porque a vida não pode ser só stresse, não pode ser só esta correria, e estão a experimentar. Estes métodos servem exatamente para isso, para nos ajudar. As pessoas que lá vão estar são pessoas que, de alguma forma, já entraram nesse processo.

Já querem saber mais qualquer coisa. São pessoas que estão sempre de coração aberto e é, sobretudo, para essas que eu dou as aulas. São pessoas que querem conhecer melhor o que é o universo do ioga. Não as vejo como um público muito diferente daqueles a que estou habituada a lidar no meu dia a dia.

E sente que as pessoas, os portugueses de um modo em geral, estão mais despertos para a prática do ioga?

Sinto imenso. Quando comecei a praticar, como já referi, nem dizia que fazia ioga e agora todos os dias recebo mensagens de pessoas a perguntarem-me como é que devem fazer, como é que hão de começar. Tento responder às mensagens. Às vezes, nem tenho tempo, mas sinto que há uma necessidade.

As pessoas estão naquele ponto em que sentem que precisam de mudar qualquer coisa e entendem que, às vezes, nem é preciso mudar a vida mas continuar onde se está tendo alguma coisa que nos suporte. É quase como surfar a vida.

Fazer ioga é como ter uma prancha que nos permite sermos nós e estarmos bem connosco para enfrentar a vida do dia a dia. As mesmas dificuldades surgem a toda a gente. A forma como as encaramos é que muda. O ioga traz positividade à nossa vida e as pessoas estão a precisar disso.

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As suas filhas também já fazem ioga?

Sim, fizeram logo desde pequeninas na Green School. E eu já fazia ioga antes delas nascerem. Mas fazemos na brincadeira porque elas ainda não têm idade para uma prática regular nem eu lhes quero impingir uma prática regular, porque quero que elas façam ioga um dia mais tarde. Mas elas já sabem muita coisa…

O que diria às pessoas que, depois de ler esta entrevista, ficam tentadas a ir ao Wanderlust 108? 

Aconselho-as a vir experimentar. Venham ao festival fazer uma aula ou duas para sentirem um bocadinho a energia. O ioga não escolhe idades, não escolhe géneros, não escolhe opções políticas ou religiosas… Não escolhe nada! É uma ferramenta para todos. É feita para nós!

Tem milhares de anos e está mais do que comprovado que funciona. Aprender a respirar é aprender a viver e aprender a sentir o nosso corpo. Se sente alguma afinidade com alguma coisa que tenha ouvido ou lido acerca desta iniciativa, venha experimentar, sem medos na cabeça.

Esses medos são os obstáculos que nos criaram desde pequeninos. Temos de acabar com esses obstáculos, que já não nos servem de nada. Se sentem que precisam de um novo impulso na vossa vida, venham experimentar. Isso é o que eu mais gostaria de dizer às pessoas. Gostava que percebessem que o ioga é uma coisa para todos.

Texto: Luis Batista Gonçalves com Francisco Evangelista (fotografia)