Vítor Rodrigues, psicólogo clínico, doutorado em psicologia pela Universidade de Lisboa e psicoterapeuta desde 1985, aceitou o repto da Prevenir para dar voz ao Pai Natal. Ex-presidente da Associação Transpessoal Europeia (EUROTAS) e da Associação Luso-Brasileira Transpessoal, este profissional foi também coordenador do European Committee for Certification and Accreditation da EUROTAS.

É autor de vários livros, entre os quais «Constrói a tua Felicidade – da Depressão ao Bem-estar», publicado por A Esfera dos Livros. Especialista em áreas como psicologia da consciência, gestão do stresse e das emoções, colocou-se na pele do Pai Natal e, inspirado nas descobertas da psicologia, debruça-se sobre questões cujas respostas nos relembram o que nunca devíamos esquecer.

O que não mudou em si desde o tempo em que era criança? 

Ainda gosto de surpresas, de chocolates, de mimo, de calor e de segurança, de luzes cintilantes, de histórias douradas, de longas refeições com gente bem-disposta, de estrelas cadentes, de luar e de passeios, de ursos polares e de gnomos travessos. Cresci só o suficiente para ter carta de trenó voador e pilotagem de renas e um certificado de produtor de brinquedos poéticos.

Qual é a melhor parte do seu trabalho?

Ajudar as crianças a sonharem com dias bons e a desenvolverem a arte de fazer os olhos cintilar. Isso e selecionar os brinquedos que fazem rir o coração…

E do que menos gosta?

Quando recebo cartas de crianças a pedirem brinquedos que possam exibir ou quando elas competem por brinquedos ou ficam invejosas do que outras recebem. Isso quer dizer que não percebem que os melhores brinquedos são os que recebem com o coração e tornam especiais.

Quem sabe apreciar as prendas que recebe está a caminho de saber valorizar prendas supremas como estar vivo, ter consciência e vontade própria, discernimento e apreciação da beleza…

O que de melhor lhe trouxe o exercício da generosidade?

Trouxe-me uma enorme prenda que consiste em vibrar por dentro com a alegria dos outros. É como se o meu coração estivesse um bocadinho espalhado por aí e se alegrasse com cada sorriso e cada olho cintilante. A generosidade enriquece-nos a alma e faz-nos dançar com o bem-estar de todos.

As pessoas generosas tendem a ser mais felizes e, aprendi num livro de psicologia, que aquela hormona que segregam mais quando trabalham pelo bem de outras, a oxitocina, protege a saúde face aos malefícios do stresse.

O que ensina aos seus duendes que todos devíamos aprender?

Pergunto-lhes se já repararam que, quando se sentem felizes só por estarem a fazer brinquedos para oferecer, conseguem sentir um bem-estar que não precisa de mais nada. Isso acontece porque a alegria de dar é pura, grátis e sem volta na ponta.

Digo-lhes que as pessoas agarradas ao que têm vivem no medo de perder isso mesmo. As pessoas que gostam de dar são mais livres e corajosas. A capacidade de amar é a suprema riqueza.

Como reage quando um deles lhe diz que está farto de ser generoso?

Peço-lhe que recorde a última vez em que sentiu ternura e que comece a respirar essa ternura, sentindo-a no coração ao inspirar, que lhe dê cor e a deixe expandir-se no corpo todo a cada expiração, imaginando-a a crescer tanto que chega a fazer cócegas no cérebro.

Em que outros valores do Natal deveríamos estar mais focados?

Justiça, verdade, compaixão, beleza… Ajudam-nos a todos a voar, ao elevar-nos o coração e as ideias.

Como decide que uma criança merece receber presentes?

Não gosto da ideia de oferecer prendas às crianças a troco de se portarem bem. Isso pode torná-las interesseiras. Gosto de lhes dar sempre uma prenda, mesmo quando se portaram mal porque isso ensina-lhes o valor da dádiva e do amor incondicional. Uma prenda deve ser um gesto de amor, não um pagamento.

Quais os melhores presentes que os pais podem dar aos filhos?

Amor e atenção privilegiada. Não importa a sofisticação nem o preço. Muitas vezes, a melhor prenda vem depois, quando os pais brincam com os filhos, usando as prendas como pretexto para lhes darem muita atenção e mostrarem que gostam deles tal como são.

Gosto muito de ver alguns pais proporem aos filhos o uso de um brinquedo de cada vez, a ideia de brincarem com eles usando esse brinquedo em cada dia… Ajudar as crianças a valorizar cada prenda, a perceber quem a ofereceu, a agradecer uma a uma ajuda a torná-las mais atentas e humanas.

Do que se esqueceram os adultos para não serem capazes de viver o Natal como quando eram crianças?

Muitos vivem o Natal como época de tensão, stresse, competição… Na minha oficina, se os gnomos não cantam enquanto fabricam presentes e se as renas não se sentem contentes ao estudarem os mapas de voo, procuro logo alguma maneira de animá-los.

Voar com prendas é um símbolo da leveza do amor e não deve ser confundido com o peso do stresse. Os adultos deveriam transformar o Natal numa festa de renascimento interior, procurando que neles renasça o que têm de melhor para ir ao encontro dos outros. Aprender a dar de graça liberta-nos.

Como seria o mundo sem si?

Depende. Andam por aí falsos pais natais que só servem para tentar fazer as pessoas gastar dinheiro e que passam a ideia de tudo se resume a comércio. Isso inclui os que dizem que só devemos dar prendas às crianças que se portam bem, como se portar-se bem fosse mais uma coisa para comprar.

Passamos bem sem esses impostores que se fazem passar por mim. Mas o mundo sem o verdadeiro Pai Natal ficaria empobrecido, mais feio e menos mágico. Trago comigo muita beleza, fantasia e generosidade.

O que mais deseja para 2018?

Que todos aprendam a ter um trenó voador no coração e a usá-lo para darem prendas de afeto, respeitando a humanidade em cada um, honrando a diversidade e desenvolvendo a capacidade de sentir os outros e agir com solidariedade.

Colaboração em vez de competição, sensibilidade em vez de egoísmo, paz interior em vez de agitação… O ódio é obscuro, tal como o medo. Ora, o Natal é uma festa de luzes, como toda a gente sabe.

Texto: Nazaré Tocha