'Vadio', o novo filme de Simão Cayatte, já estreou nos cinemas. Joana Santos é uma das protagonistas da longa metragem, cujo elenco é composto por nomes como Rúben Simões, Carlos Afonso, Luísa Cruz, Nuno Nunes, Bruno Simão e Lia Carvalho.

Estivemos à conversa com a atriz que nos falou sobre este projeto e a personagem a que dá vida: Sandra, uma mãe solteira que luta para se reerguer enquanto ajuda André (Rúben Simões), um adolescente que se viu perdido após ser abandonado pelo pai.

O que é que nos pode dizer acerca deste filme?

Fala do abandono, não só das pessoas, mas também de um país, o abandono de uma região que é o Alentejo, uma zona quase desertificada que não tem grandes apoios, do abandono do André, que o pai desaparece, e da Sandra, que sofre o abandono da sociedade, da própria mãe, é uma mulher que carrega um bocado o peso do mundo às costas.

É mãe solteira e é professora numa altura em que estávamos a passar por uma grande crise e os professores são convidados a sair do país porque não há condições. A Sandra é um bocadinho o espelho disso: mulher, mãe solteira e professora que luta todos os dias para sobreviver e que, de repente, comete um erro e é completamente julgada por esse erro, em vez de ser ajudada e tentar ser compreendida.

Entretanto aparece este rapaz que lhe atrasa um bocadinho a vida, mas ela sente pena dele e não consegue deixá-lo para trás e é aí que as duas histórias começam a viajar juntas.

Siga o link

Neste filme menos é mais, realmente. Não é preciso exagerar no drama para que o espectador consiga sentir aquilo que nós estamos a sentir

Foi difícil preparar-se para esta personagem?

O Simão começou a escrever esta história por volta de 2016 e filmámos em 2019. Quando ele me convidou para fazer esta personagem, primeiro foi [lidar com] a responsabilidade que ela carrega por ser baseada em pessoas reais, apesar da história ser de ficção. Tinha um peso muito grande e trabalhei bastante com o Simão e com o Rúben. O Simão ajuda-nos muito, lima-nos muito. Neste filme menos é mais, realmente. Não é preciso exagerar no drama para que o espectador consiga sentir aquilo que nós estamos a sentir.

Como é que foi trabalhar com o Rúben Simões? Foi fácil criar essa dinâmica?

Foi fácil porque o Rúben estava muito predisposto e disponível a aprender. Era extrovertido, mas também tímido e aí identifico-me um bocadinho com ele. Acabámos por criar uma grande cumplicidade, estávamos sempre juntos. Foi fácil trabalhar com ele porque ele transmite-te muito só com o olhar, tem um olhar muito forte. Às vezes nem precisava de abrir a boca.

Joana Santos em contracena com Rúben Simões© Reprodução - Vadio

Desde há muitos anos que nos habituámos a consumir tudo o que é internacional e pouco do que é nosso. É uma questão de criar novos hábitos e podemos começar com uma nova geração

Pensa que ainda existe um certo estigma em relação ao cinema português?

Desde há muitos anos que nos habituámos a consumir tudo o que é internacional e pouco do que é nosso. É uma questão de criar novos hábitos e podemos começar com uma nova geração.

Lá fora, seja nos filmes, com os próprios atores, técnicos, somos reconhecidos. Felizmente, da crítica que tenho visto - acho que ainda estou um bocadinho a sonhar - têm acolhido muito bem o filme. Convido mesmo as pessoas a irem ao cinema porque faz-se coisas boas em Portugal. A pandemia também não veio ajudar, agarrou-nos em casa, ao sofá, ao streaming. Claro que se andam a fazer boas séries, mas esta coisa de sair de casa e ir ao cinema é tão importante para não nos fecharmos numa bolha...

O que é que gostaria que as pessoas levassem da Sandra?

A Sandra é mãe e sempre [houve a ideia de que] as mães não podem cometer erros, têm de ser perfeitas. Os pais podem cometer os erros que quiserem que não faz mal e as mães não, não podem cometer um deslize que são logo condenadas.

Basicamente é isto que acontece com a Sandra. Ela comete um erro, sabe disso e vive com essa culpa. Ela tenta remediar a situação, mas se lhe tiram o chão, o emprego, a guarda da filha, como é que ela vai recuperar alguma coisa? É uma coisa que se tem que mudar.

Joana Santos no papel de Sandra© Reprodução

Neste aspeto é muito difícil. Quereres ser bem sucedida no trabalho, ser uma boa mãe, ser uma boa mulher... mas é isto que a sociedade te incute: tens de ser boa em tudo. E às vezes não consegues, não é?

A Joana sente essa pressão de ser a mãe 'perfeita'?

No meu primeiro filho sentia muito essa pressão sobre mim mesma, não da parte dos outros. Mas de querer ser a mãe leoa e tomar conta de tudo e de nem sequer pedir ajuda. Com o segundo filho já foi diferente [ri-se]. 'Ajudem-me, por favor!'.

Na novela 'Amor Amor' fui trabalhar com a minha filha quando ela tinha cinco meses. Fui porque quis. No meu primeiro filho fiz questão de estar um ano em casa com ele e com ela já senti necessidade de ir trabalhar. Deram-me a possibilidade de poder levar a minha filha para o trabalho, de continuar a amamentá-la e não ter de abdicar disto, que é o que a maior parte das mães tem de fazer.

Neste aspeto é muito difícil. Quereres ser bem sucedida no trabalho, ser uma boa mãe, ser uma boa mulher... mas é isto que a sociedade te incute: tens de ser boa em tudo. E às vezes não consegues, não é? E ao mesmo tempo é: porque é que os homens podem ser pais e trabalharem ao mesmo tempo? Eu também posso fazer isso. Mas acho que ainda temos um longo caminho pela frente.

Agora encontra-se a dar vida a Caetana, uma vilã na novela 'Flor Sem Tempo'. Como é que tem sido?

Não acho que ela seja uma vilã. Pode ser uma miúda mimada, sim, mas acho que ela acabou por sofrer tanto com esta mágoa que ela tem com o avô de não ser a escolhida - porque há ali uma preferência pelo neto - e ela acaba por não conseguir aceitar isso. Mas já assistimos a várias coisas que mostram que ela tem coração.

Nesta Caetana quis dar os dois lados: ela também comete erros, também é mazinha, mas não tem nada a ver com a Diana, ela era uma verdadeira psicopata

Quando estreou a novela havia uma grande expectativa porque ficou marcada pela vilã Diana, em 'Laços de Sangue'. É difícil descolar-se de um papel assim quando se dá vida a uma personagem tão marcante como esta?

Pode haver aqui esta coisa de que como os 'Laços de Sangue' correram tão bem, podem-me dar mais coisas no papel de vilã mas... eu sou muito mais coisas [ri-se]. Por isso é que nesta Caetana quis dar os dois lados: ela também comete erros, também é mazinha, mas não tem nada a ver com a Diana, ela era uma verdadeira psicopata.

A internacionalização está nos seus planos?

Sim. Durante algum tempo acho que inconscientemente tentei fugir a isso com algum medo do desconhecido, mas hoje em dia também gostava muito e luto por isso, sim. Temos em Portugal um evento que se chama 'Passaporte', proporcionado pela Academia de Cinema em que vêm vários diretores de casting para verem os atores portugueses e isso é uma mais valia para nos darem a conhecer. Vou fazer este ano, espero ser escolhida. Acho que é importante abrirmos horizontes e vermos outras maneiras de fazermos os personagens e numa outra língua.

Há algum tipo de série que gostasse de fazer?

Gostava de fazer uma série de época. O inglês é o que me sinto mais à vontade, mas adorava fazer uma série italiana [começa a rir-se às gargalhadas]. Não sou bilingue, mas sou atriz e se me derem tempo para trabalhar a personagem, assim o farei.