Marcos Caruso e Eliane Giardini estão de digressão por Portugal com a peça 'Intimidade Indecente', que retrata a vida de um casal que se separa e volta a reencontrar-se ao longo de quatro décadas.

Para Eliane Giardini, o regresso da peça a Portugal marca a sua estreia no nosso país. Para Marcos Caruso, a oportunidade de regressar a terras e costumes que tanto admira.

Não perdemos a oportunidade de estar à conversa com os artistas brasileiros, com uma carreira de peso no 'país irmão', sobre o amor, as relações com os seus ex-companheiros e a serenidade portuguesa que tanto os atrai.

'Intimidade Indecente' esteve em cena no Brasil durante cinco anos e teve duas temporadas em Portugal. Está agora de regresso. Qual o segredo do seu sucesso?

MC: Fiz a primeira temporada há 20 anos, que esteve cinco anos no Brasil, e fiz a segunda temporada, uma produção portuguesa, há dois anos. Nessa altura, a produção portuguesa convidou-me e também convidou a Eliane Giardini, era para ela estava aqui, mas por compromissos profissionais, não pôde. Viemos com a grande Vera Holtz. A Eliana estreia-se agora em Lisboa. Porque é que volta? Tudo o que é clássico tem de ser revisto. É um tema clássico universal, intemporal: a busca do amor, o encontro, o desencontro, a relação afetiva entre dois seres humanos é falada de uma forma muito poética, engraçada e emocionante. É uma peça que tanto pode ser feita em Portugal como na Austrália, no Japão ou no Brasil. Não pertence a nenhuma cultura porque fala de emoção. Não depende de idades também, as novas gerações têm agora oportunidade de esta peça.

Ao contrário das histórias românticas que terminam no casamento, a da peça começa com a separação

Marcos Caruso disse que “nunca pensa em refazer trabalhos, está sempre à procura do novo”. O que vos levou a aceitar fazer uma nova temporada?

MC: Aceitei porque achei que este era um momento importante, de pós-pandemia, para voltarmos a falar de relações humanas.

EG: Eu estreei agora, não estou a refazer a peça. Fico deliciada com os comentários das pessoas porque a peça passa de amantes a pais e de pais a avós. Isso abrange um espectro gigantesco, todas as pessoas se identificam porque são quatro décadas na vida deste casal. Ao contrário das histórias românticas que terminam no casamento, a nossa [da peça] começa com a separação e acontecem os reencontros, as tentativas que não deram certo. Durante quatro décadas estas duas pessoas não se perdem uma da outra, eles seguem juntos como grandes companheiros de viagem e refletindo sobre todos os momentos que passam. Há muita proximidade com as faixas etárias na plateia também e diferentes reações: os mais velhos riem porque já viveram tudo aquilo e acham engraçado, os mais novos emocionam-se muito porque imaginam que vão passar por tudo aquilo e projetam os seus pais e avós naquelas duas pessoas.

Esta peça aborda a vida de um casal que se separa e volta a reencontrar-se ao longo da vida. É um espetáculo sobretudo sobre o amor?

EG: É sobretudo sobre o amor, sim. No outro dia li uma coisa muito bonita: ‘A vida é uma escola e existe uma única disciplina, o amor, e nós voltamos, voltamos, voltamos até aprender’. Achei muito bom.

MC: Lembrei-me do comentário de uma menina, ela chorava, abraçou-me… E eu emocionado com aquela criatura agarrada a mim depois do espetáculo. Dizia-me que estava muito emocionada e eu perguntei quantos anos tinha. Ela disse 19 e aí eu emocionei-me. Disse-me: ‘Estou a pensar quem será o amor que eu ainda irei conhecer e que ficará comigo até ao fim da minha vida’. A peça proporciona essa projeção nos jovens para um futuro que ainda é incerto em relação aos amores.

EG: É uma sorte acontecer isso [um amor para toda a vida], é meio raro. Normalmente as relações são três, quatro anos, separam-se e nunca mais se vêem, há muita mágoa e rancor. Mas neste casal da peça] há muita afinidade, é exemplar.

Tive três casamentos e tenho três ex-mulheres com quem me dou muito bem

O que é que cada um de vocês têm em comum com as personagens?

EG: Tenho bastante. A minha relação com o meu ex-marido é parecida. Fomos casados 24 anos, já estamos separados há mais de 20, não somos mais um casal mas somos como dois grandes irmãos, grandes amigos. Moramos ao lado um do outro, temos filhas, temos netos, sabemos que vamos partilhar a nossa vida. Somos muito diferentes na forma de entender a vida, ele gosta de ouvir o que eu penso e eu gosto de ouvir o que ele pensa. Somos complementares. Estou bastante orgulhosa desta relação que consegui desenvolver com o Paulo [Betti]. Tudo isso me atraiu muito nesta peça.

MC: Comigo aconteceu a mesma coisa. Tive três casamentos e tenho três ex-mulheres com quem me dou muito bem. Ligo a pedir conselhos, receitas, apoio, sou um bom ouvinte, também. Temos uma relação maravilhosa e acho que isso ajuda também. Mas principalmente a relação entre nós os dois [Marcos e Eliane]. Temos uma proximidade muito grande, de amizade, de coleguinhas no trabalho, de pensamento. Rimos das mesmas coisas, temos o mesmo tipo de humor, gostamos das mesmas coisas, temos o mesmo pensamento político, temos uma grande afinidade que facilita este encontro em cena aqui.

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Marcos Caruso e Eliane Giardini© Naughty Boys

Como foi a estreia?

EG: Foi uma emoção absurda. No dia seguinte, estava completamente plena. Foi maravilhosa. Foi exatamente tudo o que nós podíamos imaginar. Aconteceu tudo muito bem, não houve nenhum deslize. Ficámos até às duas ou três da manhã com as pessoas a comentar sobre as suas sensações. Foi muito lindo.

MC: A estreia da Eliane Giardini foi uma estreia internacional, foi a primeira fora do país e foi aplaudidíssima. O espetáculo foi aplaudidíssimo. Sentimos muito as gargalhadas e a emoção do público. Num aplauso apoteótico a plateia levantou-se e gritava, isso também nos emocionou muito.

Não me parece que os portugueses sejam mais fechados. São absolutamente calorosos e expansivos

Sentem que o público português, no que toca a questões ligadas ao coração, expressa-se menos do que o brasileiro ou essa diferença está cada vez menos notória?

EG: Não me parece que os portugueses sejam mais fechados. Pelo menos, pela reação da plateia, são absolutamente calorosos e expansivos, de um acolhimento gigantesco. Mas não sei, não tive nenhuma relação com um português…

MC: É próprio do nosso país ser um país de calor, grande, tropical, que tem todas as raças do mundo. Então somos muito calorosos a receber pessoas por tradição. Esse calor brasileiro que vem dos Trópicos e essa amplitude do país é um pouco diferente, realmente. O Brasil difere de Portugal não só climaticamente como historicamente. Portugal tem o dobro da idade do Brasil. Mas não vejo os portugueses fechados. Através do riso conseguem colocar para fora [as emoções].

EG: Sinto muito isso nos Estados Unidos, essa frieza, há uma barreira entre as pessoas. Aqui em Portugal não sinto isso. Acho que somos todos latinos.

Nas relações das minhas filhas há muitos dramas que para mim são engraçados

Com o passar dos anos, falar sobre amor torna-se mais simples ou mais complexo?

EG: Falar de amor nunca é fácil porque ele surpreende-nos sempre. Quando achamos que dominamos uma questão, de repente surge outra história que nos coloca em confronto com os nossos medos. A maturidade ajuda num certo sentido, obviamente, a pesar melhor as coisas, ver o que vale realmente a pena. Por exemplo, nas relações das minhas filhas há muitos dramas que para mim são engraçados, não têm a dimensão trágica que elas veem. Apercebemo-nos que as décadas que separam dão essa dimensão dos pesos e das medidas das coisas, mas acho que é sempre surpreendente.

MC: Imaginar que a tua experiência te vai dar uma base sólida é um engano. Quanto menos se souber, melhor. A experiência às vezes pode ser um tiro pela culatra. Tem de se estar disponível, o lindo do amor é viver o agora. Não se pode ser o amante do futuro…

EG: Nem do passado. Não se pode deixar que as experiências do passado interfiram na pessoa que está a entrar porque não estarás a ver essa nova pessoa.

Acho que Portugal é o Brasil que deu certo. As instituições funcionam em Portugal, independentemente de ter no Governo uma pessoa de esquerda ou de direita

Quando souberam que vinham em digressão para Portugal, qual foi a primeira coisa que pensaram?

EG: Na comida. Realmente o bacalhau daqui é espetacular. Podia beber vinho ao pequeno-almoço, bebo vinho em todas as refeições como se fosse água. As tascas e os restaurantes são maravilhosos.

MC: Já vim algumas vezes a Portugal. Acho que Portugal é o Brasil que deu certo. Acho que o Brasil dá certo em muitas coisas, mas existem algumas coisas básicas em que nos ressentimos muito de não tê-las ainda. Coisas simples como andar pelas ruas descansado, tranquilo, sem pensar que vem alguém assaltar-me. Vivemos uma violência muito grande no nosso país. Aqui vejo as construções serem preservadas como haviam sido construídas há 900 anos, no meu país vejo tantas demolições que não me permitem ter uma memória. Essas pequenas coisas de respeito. Nós somos um povo respeitoso, delicado, amoroso, mas…

EG: Há muita desigualdade no nosso país, é dos países mais desiguais do planeta. Isso traz todos os problemas que temos: toda a violência, toda a miséria é por conta dessa desigualdade.

MC: As instituições funcionam em Portugal, independentemente de ter no Governo uma pessoa de esquerda ou de direita. É uma coisa consolidada, funciona. É o PS que está no poder, mas se for o PSD ou outro a saúde funciona, os transportes, a educação, a segurança, enfim… No Brasil funciona quando alguém está no poder, quando está o outro funciona menos. As instituições vivem a reboque de quem está no poder. Essa é uma lição que já podíamos ter aprendido com Portugal. Portugal já nos ensinou tanto. Quando venho para cá, a expectativa é encontrar o Brasil que deu certo.

Vem com saudades desta calma?

MC: Sim, vocês têm outro tempo. Nós somos muito apressados, muito imediatistas, muito consumistas, descartamos as coisas com muita facilidade, somos muito americanos. Temos uma relação forte com a cultura que veio pelos Estados Unidos e isso não é bom, temos de ser mais europeus nesse sentido. Esse tempo, essa serenidade, é delicioso poder viver isso.

Hoje Portugal está na moda. Encareceu tudo, pensar em comprar ou arrendar é complicado

Várias figuras brasileiras decidiram mudar-se para Portugal ou passar cá longas temporadas. Alguma vez ponderaram essa mudança?

EG: Aqui é maravilhoso, o problema é a questão do trabalho, é mais complicado. Mas eu adoraria passar cá uma temporada, fazer como muitos colegas meus fazem. Mas teria de trazer toda a minha família porque não aguento estar longe.

MC: Há muitos brasileiros a vir para cá, mas há muitos portugueses a irem para o Brasil, muitos atores e profissionais de outras áreas. O ideal seria termos duas casas, termos duas pátrias, mas está a ficar cada vez mais caro ter alguma coisa aqui em Portugal. Vocês cresceram de uma forma maravilhosamente grande nos últimos dez, cinco anos. Portugal tornou-se num destino turístico e de interesse imobiliário incrível na Europa. Hoje Portugal está na moda. Encareceu tudo, pensar em comprar ou arrendar é complicado, mas dá para dividir. Mas como dizia a Eliane, temos de trabalhar aqui e para isso só podemos fazer o brasileiro da novela, do teatro ou do cinema, então reduz muito o campo de trabalho.

Quero entrar no Portugal mais íntimo onde possa encontrar pessoas e locais de raiz. Entender melhor o povo

Vão estar em cena até março, em várias cidades do país, o que vão aproveitar para fazer?

EG: Ficamos em Lisboa até dia 20 de fevereiro e depois começamos a percorrer o país - Faro, Porto, Braga, Funchal, Póvoa de Varzim -, o que eu acho uma delícia. Vou ter uma noção bem clara, vou poder dizer que conheço Portugal. Sempre adorei viajar a trabalhar. É um privilégio estes dois meses que vamos passar em Portugal.

MC: Eu pretendo acabar com o GPS, não quero saber para onde vou, gosto de me perder. Portugal é um país que conheço relativamente, conheço todas as regiões. Quero viajar, quero enfiar-me em buracos e estradas que não conheço. Sair das autoestradas e entrar nas nacionais. Gosto de me perder e pensar: onde é que estou? O lindo é isso. Quero entrar nesse Portugal mais íntimo onde possa encontrar pessoas e locais de raiz. Entender melhor o povo.

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