Há histórias que nos sensibilizam, comovem, ensinam e desafiam a querer fazer mais e melhor. As histórias das famílias com crianças e jovens com Tricotilomania despertam essa mistura de reflexões. Há necessidade de sensibilizar para a identificação precoce de sinais e para a procura de ajuda especializada, pois frequentemente essas histórias têm um caminho desafiante em comum relacionado com a necessidade de saber quando procurar ajuda e que tipo de ajuda a ser procurada.

Não é raro a procura de ajuda psicológica estar associada ao estigma da saúde mental, a mitos e a estereótipos. No entanto, na Tricotilomania existe o obstáculo do desconhecimento, até do que a própria palavra significa.

Quando penso na sensibilização da Tricotilomania, imagino um puzzle com diferentes peças, uma das que se destaca é o acesso à informação, quase como se de um inimigo invisível se tratasse ao processo de intervenção. O desconhecimento dos pais, educadores e professores e, por vezes, de profissionais de saúde contrasta com a capacidade incrível de resiliência destas crianças e jovens para lidar com os seus desafios diários.

Esse desconhecimento, infelizmente, leva a que a procura de ajuda tarde e que os pais tragam as crianças e jovens quando apresentam outras dificuldades relacionadas com ansiedade, problemas de autoestima, dificuldades de atenção, recusa escolar, dificuldades sociais, sintomas depressivos, outros comportamentos ritualizados e preocupações persistentes e episódios de bullying. Em alguns casos, não tão raros assim, a procura de ajuda chega apenas na idade adulta com a presença de outras perturbações associadas.

O nome parece ainda soar estranho, é uma palavra complicada até de se dizer, e pouco comum para a maior parte das pessoas. Observo muitas vezes, quando o digo, alguma confusão e estranheza no olhar. Frequentemente também um brilho de esperança por encontrar uma resposta e um caminho a ser percorrido, mesmo que essa resposta possa trazer uma mistura de alívio, angústia e preocupação.

Se pensarmos neste momento, quantas pessoas terão carregado neste artigo conhecendo o que significa uma Perturbação do Espetro Obsessivo-Compulsivo, a Tricotilomania?

Afinal o que significa Tricotilomania?

Trata-se de uma perturbação de neurodesenvolvimento do espetro obsessivo-compulsivo que se carateriza pelo ato de arrancar recorrentemente um tipo ou vários tipos de cabelo e/ou pelo, com perda capilar significativa, com tentativas repetidas de parar o comportamento, sem causas dermatológicas associadas.

Poderá existir a perceção de alívio ou diminuição de tensão após o ato de arrancar, porém nem sempre se verifica, não se assumindo como critério para diagnosticar ou excluir esta perturbação, sobretudo em populações pediátricas, pela presença de comportamentos mais automáticos e menos conscientes e focalizados.

Será uma Perturbação Rara? Será necessária intervenção?

Um dos mitos associados ao desconhecido da perturbação é ser considerada uma perturbação rara! Contraditoriamente ao que se esperaria trata-se de uma perturbação com a prevalência de 2% a 5% na população em geral. Poderá surgir na infância e adolescência, sendo pouco frequente surgir apenas na idade adulta.

Sabe-se ainda atualmente que ao não ser alvo de intervenção precoce poderá tornar-se crónico e com impacto significativo ao longo do ciclo de vida da pessoa.

Quando poderão surgir os primeiros sinais?

De modo descomplicado será importante estar alerta a pequenos sinais na primeira infância, idade escolar e do início da puberdade à adolescência. Os primeiros sinais poderão surgir na primeira infância (anterior aos 5 anos de idade). Existem casos diagnosticados desde os 2 anos de idade!

Quais os sinais a observar no comportamento do meu filho?

Um dos primeiros sinais mais visíveis são peladas e/ou ausência de pelos e/ou cabelos irregulares. As crianças e jovens tendem a arrancar pelos ou cabelos sozinhos e a esconder as evidências com vergonha do seu próprio comportamento, sentimento de culpa e receio de serem castigados e/ou criticados pelos pais e amigos pelo seu comportamento atípico.

Outros sinais indiretos serão notarem zonas do couro cabeludo e/ou sobrancelhas/pestanas com comprimentos diversos, com muitos cabelos/pelos em diferentes fases de crescimento, não resultantes de um ato estético e a descoberta de cabelos e/ou pelos excessivos na almofada ou no local onde são realizadas atividades sedentárias e menos ativas (i.e., ver televisão/visualização de vídeos, leitura, aulas à distância, esperar/aguardar, pensar e refletir – “sonhar acordado”, viagem de carro), na procura de conforto (i.e., ao adormecer) ou de relaxamento em momentos de maior ansiedade e stresse.

Nas proximidades dos locais mencionados poderão ser encontrados cabelos ou pelos escondidos pela criança e jovem, ou mesmo a camuflagem do seu comportamento, com acessórios, maquilhagem e novos penteados, que escondam as peladas significativas, ou o evitamento de situações sociais e maior isolamento social.

O principal sinal de alarme é a observação do ato de arrancar cabelo e pelos do corpo. A Tricotilomania geralmente encontra-se restringida a um ou dois locais do corpo, podendo alterar-se ao longo do tempo. As crianças na primeira infância tendem a arrancar sobretudo no couro cabeludo, na idade escolar e adolescência o local mais frequente são os cabelos, pestanas e sobrancelhas. Nos rapazes são também típicos na adolescência os pelos da barba. Os pelos das pernas, dos braços e das zonas púbicas são menos frequentes.

Na primeira infância será importante a compreensão de que a estimulação táctil (i.e., sentir a textura do cabelo nos dedos), oral (i.e., chupar o cabelo) e o contacto com a própria pele (i.e., esfregar o cabelo ao longo da bochecha, nariz ou lábio) poderão ainda ser enquadrados num desenvolvimento normativo nesta etapa de desenvolvimento. À medida que a criança aprende a explorar o mundo através dos seus sentidos, descobre novas texturas e o seu próprio corpo.

No entanto, também podem ser considerados sinais de alarme, se a criança realizar em simultâneo o ato repetitivo de arrancar cabelos. Os comportamentos de estimulação sensorial descritos fazem parte de alguns dos rituais específicos associados à Tricotilomania, assim como em alguns casos surge como sinal de alerta a ingestão de cabelos/pelos.

Há sinais de alarme mais indiretos, podendo ser identificados no seu perfil comportamental e emocional, dificuldades em gerir mudanças, lidar com o erro e com situações desconhecidas, traços perfecionistas e de criticismo elevado, reduzida flexibilidade cognitiva, alterações sensoriais (i.e., procura táctil no autoconforto, alterações na tolerância e sensibilidade à dor), dificuldades em tomar decisões e dificuldades na regulação emocional (gerir o aborrecimento, o desconforto e ansiedade).

Como num puzzle, várias peças são necessárias, a deteção precoce dos sinais é uma delas, uma outra é a compreensão de que a tricotilomania não deverá ser encarada como um comportamento transitório pelos pais e agentes educativos.

O silêncio e a espera poderão ser vistos como fatores protetores, mas não trarão benefícios a longo prazo, apenas a agudização do comportamento e o impacto no bem-estar da criança e do jovem.

Texto: Catarina Carreto, Psicóloga Clínica