Milhares de alunos estão desde 16 de março em casa, depois de o Governo ter encerrado todas as escolas devido à pandemia da covid-19, e desde esse dia o ensino mudou-se das salas de aula para espaços ‘online’, mas nem todos os estudantes têm acesso aos meios digitais para acompanhar as atividades.

Esta situação tem sido denunciada por pais, professores e diretores escolares ao longo das últimas semanas e numa altura em que se discute o 3.º período letivo e a possibilidade de prolongar o ensino à distância além da Páscoa, o Governo já está a preparar uma solução assente na Televisão Digital Terrestre (TDT).

Os tempos são outros e as circunstâncias distintas, mas a possibilidade de transmitir conteúdos educativos através da televisão para reduzir as desigualdades entre alunos trouxe à memória de muitos a antiga Telescola, que nas décadas de 70, 80 e 90 colocou por todo o país alunos do 2.º ciclo em frente à televisão.

Uma televisão por sala e dois professores que ajudavam a acompanhar as lições transmitidas em direto na RTP2 e, mais tarde, através de cassetes. Eram assim as aulas da Telescola, contou à Lusa Fernanda Asseiceira, 58 anos, que começou a carreira de professora com uma turma da Telescola.

A dinâmica era simples, mas muito bem organizada: os alunos assistiam a aulas curtas através da televisão, dedicadas a uma das diferentes disciplinas, e no final tiravam dúvidas com os professores que os acompanhavam presencialmente e realizavam as fichas de atividades referentes a cada aula.

“Os manuais estavam muito bem estruturados e os conteúdos que passavam na televisão eram bastante elucidativos, não eram aulas extensas e eram muito focadas”, recorda Fernanda Asseiceira, explicando que o seu papel era sobretudo garantir a atenção dos alunos durante a transmissão e aprofundar depois a matéria.

Foi assim que Ângela Ferreira, 44 anos, completou os atuais 5.º e 6.º anos, na escola de uma pequena aldeia em Penafiel, onde as duas turmas, uma para cada ano, tinham aulas pela televisão e eram acompanhados por apenas dois professores, um que ajudava nas disciplinas de ciências e matemática, e outro para as línguas, história e geografia.

Célia Silva, 59 anos, também foi uma aluna da Telescola, ainda no tempo em que as aulas eram transmitidas pela RTP2, e recorda como a transmissão em direto implicava que tudo estivesse bem definido e organizado.

As fichas de atividades chegavam às escolas em envelopes selados e eram diariamente entregues, no início de cada lição, aos alunos que depois as juntavam num dossiê individual. Os testes, em modelo americano e acompanhados de uma grelha de correção para poderem ser logo avaliados, eram realizados em simultâneo por todos os alunos da Telescola e à hora marcada um professor anunciava a prova na televisão.

Ângela Ferreira, enquanto aluna, e Fernanda Asseiceira, enquanto professora, já são do tempo da Telescola em cassete, mas nem nessa altura a calendarização deixava de ser rigorosa. As aulas eram numeradas e o momento da sua transmissão previamente definido. As fichas de trabalho já não eram entregues diariamente e estavam disponíveis em manuais que os alunos compravam no início do ano letivo, mas os testes continuavam a ser enviados às escolas e realizados em simultâneo em todo o país.

Se atualmente se discute a transmissão televisiva de conteúdos educativos para reduzir as desigualdades entre alunos no acesso aos materiais digitais que os professores utilizam em tempo de ensino à distância, a Telescola do final do século XX facilitava o acesso à educação sobretudo nas localidades pequenas.

“Hoje em dia o ensino está mais democratizado, mas na altura muitos alunos tinham ficado só com o primeiro ciclo”, considera a professora Fernanda Asseiceira, contando que a Telescola era a única forma de fazer chegar o 2.º ciclo à escola onde lecionava em Viegas, uma pequena localidade em Santarém.

Ângela Ferreira e Célia Silva provavelmente teriam continuado a estudar sem a Telescola, mas admitem que este modelo de ensino lhes permitiu frequentar o antigo ciclo preparatório perto de casa.

“Eu ainda estive matriculada no ciclo (preparatório) em Seia”, conta Célia Silva, recordando que a sua foi a primeira turma de Telescola na antiga freguesia de Tourais, e entre os colegas havia algumas pessoas com quase 30 anos que aproveitaram a nova escola para voltar a estudar.

Fernanda Asseiceira acompanhou, mais tarde, o percurso de alguns dos seus alunos da altura e recorda com satisfação que muitos foram sempre bons estudantes, frequentaram o ensino superior e acabaram por se tornar muito bons profissionais, mostrando que não era por terem aulas através da televisão que tiveram pior preparação para o 3.º ciclo, uma opinião partilhada por Ângela Ferreira.

“Quando ingressámos no 7.º ano estávamos tão capazes como os outros alunos, a única diferença era que não estávamos habituados a ter tantos professores”, afirma.

A experiência de Célia Silva não foi tão positiva e a antiga aluna da Telescola reconhece que os alunos que frequentaram o antigo ciclo preparatório na escola da cidade, em Seia, estavam mais bem preparados para o ensino secundário (o atual 3.º ciclo).

Aquilo que está atualmente em discussão não é um regresso à Telescola e o primeiro-ministro reconheceu esta semana que o modelo das décadas de 70, 80 e 90 não pode ser replicado no contexto atual, desde logo pelo maior número de disciplinas, que dificulta a organização das grelhas de programação.

Ângela Ferreira desempenha agora o papel de mãe e encarregada de educação, e é com expectativa que aguarda a decisão do Governo. As aulas na televisão são uma boa opção, considera, mas ressalva que continua a ser importante salvaguardar o papel dos professores.