Em declarações à Lusa, Henrique Barros, membro do grupo de trabalho ‘Euro-Peristat’ e responsável do ISPUP pela recolha de dados portugueses, explicou que “as estatísticas europeias só contabilizam os nados-mortos a partir das 28 semanas [limite gestacional da Organização Mundial de Saúde (OMS)]”, no entanto, “há bebés que podem nascer em diferentes idades da vida intrauterina, como às 21, 25 ou até às 35 semanas”.

“Hoje em dia, o feto se nascer com 26, 27 ou 28 semanas é prematuro, mas pode sobreviver. Se apenas contabilizarmos os nados-mortos a partir das 28 semanas, como faz a OMS, estamos a retirar à realidade dos acontecimentos um número razoável de gravidezes que não contam para as estatísticas”, frisou.

O estudo, divulgado esta sexta-feira na revista The Lancet, é resultado do trabalho de vários cientistas europeus da área da epidemiologia e pediatria, que analisaram, desde as 22 semanas de gestação, o número de nados-mortos em 19 países europeus, tendo em conta três períodos diferentes: 2004, 2010 e 2015.

“Este estudo permitiu-nos concluir que cerca de um terço das mortes não são contabilizadas pelas estatísticas comparativas europeias, assim como mostra que estamos a perder muita informação que nos permite avaliar a qualidade de resposta dos nossos sistemas de saúde”, afirmou.

Segundo o estudo, em 2015, mais de nove mil bebés eram nados-mortos, em cerca de 2,5 milhões de nascimentos na Europa. Contudo, desses nove mil, 6.294 foram mortes que ocorreram entre as 22 e 28 semanas de gestação.

Além disso, há ainda diferenças de limites gestacionais entre os países europeus, como é o caso de Portugal, cujo limiar se fixa nas 24 semanas gestacionais.

“Em Portugal, contamos os nascimentos e as mortes a partir das 24 semanas. Portanto, alguém que nasça às 23 semanas, se sobreviver conta como um sucesso, mas se morrer não conta como um insucesso”, revelou.

De acordo com o estudo, em Portugal, entre as 22 e 24 semanas de gestação, há registo de 16 nados-mortos em 2004, 19 em 2010 e 36 em 2015. Contudo, estes são números que, segundo Henrique Barros, não são contabilizados para as estatísticas nacionais.

Já entre as 24 e 28 semanas gestacionais, em Portugal, os dados analisados pelo grupo de trabalho dão conta de 377 nados-mortos em 2004, 307 em 2010 e 254 em 2015, números que também não entram para as estatísticas comparativas europeias.

Para Henrique Barros, os resultados levantam ainda “algumas questões”, tendo em conta que, em Portugal, apenas são contabilizados os nados-mortos que tiveram um funeral, visto que “se tal não acontecer, a morte conta como um abortamento”.

“A lei portuguesa e os apoios sociais não cobrem os enterros precoces, portanto, é um esforço económico da família que nem sempre tem meios para tal. E, quando não os têm, o bebé não conta como um nado-morto, mas sim como um aborto”, salientou o professor do ISPUP.

Henrique Barros acredita que o artigo divulgado esta sexta-feira pode vir a ser “uma pedra fundamental para mudar o limiar do registo da OMS”.

“É necessário que os sistemas, a análise e a recolha de informação não permaneçam estáticos e que acompanhem os avanços que os cuidados de saúde permitem fazer”, acrescentou.

No estudo, designado “True burden of stillbirths in Europe vastly underestimated”, para além do ISPUP participaram também o Inserm (Institut National de la Santé el de la Recherche Médicale), o Department of Health Sciences, University of Leicester e o Department of Epidemiology and Biostatistics, National Research Institute of Mother and Child, da Varsóvia, na Polónia.