Entre os mitos e lendas que rodeiam o tema do sono, muitos não têm qualquer fundamento científico, mas como parecem ter alguma lógica, são fáceis de disseminar. Principalmente entre pais exaustos.

Neste artigo vamos desmistificar 12 mitos sobre o sono dos bebés que são francamente prejudiciais para o descanso de toda a família.

1) Dormir a noite toda

Conseguir que o bebé durma a noite toda é um dos principais desejos e foco dos pais. No entanto, o conceito em si é inerentemente falacioso. Na verdade, ninguém dorme a noite toda, pelo que ter esta meta como propósito é condenar-se ao falhanço logo à partida.

Quando adormecemos, progredimos entre diferentes fases de sono. Um ciclo de sono compreende a passagem completa pelas diferentes fases de sono e, em adultos, dura entre 90 a 120 minutos. Durante uma noite passamos por vários ciclos de sono, entre os quais despertamos brevemente. “Ninguém dorme a noite toda”.

Todos nós, adultos e crianças, despertamos várias vezes ao longo de uma noite. Para os adultos, estes despertares passam geralmente despercebidos. Podemos mudar de posição ou ajeitar os cobertores, mas, por norma, no dia seguinte nem temos memória destes episódios.

Os bebés pequeninos têm ciclos de sono mais curtos e ritmos circadianos imaturos. Enquanto não aprenderem a adormecer sozinhos, entre cada ciclo de sono para transitarem novamente para um sono mais profundo, vão precisar das mesmas condições que tinham quando adormeceram originalmente. Ora, se adormeceram a mamar, a ser embalados, ao colo ou na cama dos pais e acordam entre ciclos de sono sozinhos no berço, naturalmente vão exigir que sejam repostos os elementos que associam ao sono.

Porque é isto importante? Porque o foco dos pais deve ser ensinar os seus filhos a adormecer independentemente deles, para que os pequenos saibam fazê-lo nos vários momentos em que irão seguramente despertar. Só assim toda a família poderá “dormir a noite toda”.

A capacidade de adormecer independentemente não é inata. Tem que ser aprendida e pode perfeitamente ser ensinada a bebés bastante jovens, a partir dos 3 ou 4 meses.

Foque-se em ensinar o seu filhote a adormecer independentemente e ele irá presenteá-lo com noites de sono sem interrupções mais cedo do que imagina.

2) Os bebés acordam durante a noite porque têm fome

Um bebé com fome seguramente não irá dormir, pois a nutrição é o primeiro pilar do sono dos bebés. Isto não quer dizer que sempre que um bebé acorda durante a noite seja por que tem fome. Como vimos em cima, todos acordamos entre ciclos de sono. O seu bebé pode chamar por si porque tem fome, claro, mas também porque está de alguma forma desconfortável, ou simplesmente porque não sabe como voltar a adormecer sem a sua ajuda.

Nas primeiras semanas de vida os bebés de termo precisam de comer regularmente de 2 em 2 ou 3 em 3 horas (por favor aconselhe-lhe com o seu pediatra). Depois, a maioria dos bebés começa rapidamente a espaçar os intervalos entre refeições. Se o seu bebé tem mais de 3 meses e acorda muito frequentemente durante a noite (a cada 1 ou 2 horas), e você o alimenta a cada despertar, pode inadvertidamente estar a habituá-lo a ingerir a maior parte das calorias necessárias durante a noite, em vez de o fazer durante o dia. O que é precisamente o oposto do que queremos!

Quando o seu filhote acordar durante a noite, primeiro dê-lhe um minuto. Respire fundo, encoste-se para trás e veja se ele volta a adormecer sozinho. Caso isso não aconteça, veja quanto tempo passou desde a sua última refeição. Se puder descartar fome como causa, porque o bebé comeu há duas horas quando durante o dia ele já está a fazer intervalos de 4 em 4 horas, então veja que outros fatores podem estar a contribuir para os despertares.

3) Os bebés têm medo do escuro

Este mito é hilariante, pois não tem qualquer fundamento. Durante os 9 meses que o bebé passou dentro da barriga da mãe, o ambiente não era propriamente luminoso. Tal como os restantes mamíferos, os bebés sentem conforto e segurança no escuro. Para além disso, a exposição à luz inibe a produção da hormona do sono, o que faz com que pequenotes com ritmos circadianos imaturos demorem mais tempo a distinguir o dia da noite.

Por volta dos dois anos as crianças começam a desenvolver a imaginação e embrenham-se no “faz de conta”. Só a partir desta altura é que podem começar a surgir os medos, pois nesta fase ainda não dominam completamente a diferença entre realidade e imaginário. Mesmo assim, geralmente o medo do escuro é uma fase transitória que passa em poucas semanas.

O ambiente ideal para um bebé dormir é na escuridão completa. Luzes de presença e outros objetos luminosos podem despertar a curiosidade inata dos bebés e impedi-los de dormir mais tempo. Isto aplica-se também às sestas. A ideia que os bebés devem dormir com luz durante o dia para aprenderem a distinguir dia de noite não tem fundamento científico.

4) Os bebés devem dormir no silêncio

Quando estão na barriga da mãe, os bebés estão expostos ao som do fluxo de sangue na aorta dorsal, o coração a bater, os barulhos digestivos, entre outros. Estes ruídos altos e ritmados chegam a atingir os 90 decibéis! 90 decibéis é sensivelmente o som de um secador de cabelo. Não é propriamente silencioso.

Ora, após 9 meses num ambiente de barulho grave, constante e ritmado, o silêncio para um bebé pequenino deve ser ensurdecedor.

Para dormir, reproduza tanto quanto possível o ambiente a que o bebé está acostumado. Utilize ruído branco (white noise), com um volume equivalente ao som de um duche (50-70 decibéis), nas sestas e durante toda a noite.

Não é difícil encontrar fontes e faixas de ruído branco no youtube, em bases de dados de música ou mesmo optando por comprar uma máquina geradora de ruído branco. Assegure-se apenas que o som é constante, grave e que se mantém a tocar ininterruptamente por toda a duração do sono.

Use este código QR para aceder a uma frequência de ruído branco ideal para promover um sono profundo e duradouro:

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5) Manter o bebé acordado durante o dia ajuda a que durma melhor à noite.

Esta é uma crença muito comum e prejudicial. Surge com inúmeras variações, tais como: um bebé cansado dorme melhor, um bebé que faz boas sestas dorme mal à noite, entre outras.

Vamos explorar esta questão sem entrar em muito detalhe sobre a ciência subjacente. Os bebés têm necessidade de dormir um determinado número de horas durante as 24 horas do dia. As necessidades de sono variam consoante a idade. O nosso objetivo é conseguir que uma boa parte destas horas de sono aconteçam durante a noite. No entanto, manter um bebé acordado durante o dia para além do que ele é fisiologicamente capaz é receita para o desastre. Um bebé excessivamente cansado produz níveis mais elevados de Cortisol (a hormona do stress), o que resulta em sobre estimulação, maior dificuldade em adormecer e em manter-se a dormir.

A fórmula para um bebé bem descansado, feliz e que dorme bem à noite é acertar na duração dos períodos de atividade entre sestas, de forma a encontrar o equilíbrio certo no qual o bebé está pronto para dormir sem estar excessivamente cansado.

6) Nunca acorde um bebé a dormir

Depois de tanto trabalho para adormecer o bebé, a última coisa que os pais querem fazer é acordá-lo. É simplesmente contraintuitivo e por isso, um mito difícil de desmascarar.

No entanto, como vimos no ponto anterior há uma relação entre tempo de sono diurno e noturno. Temos que olhar para a duração total de sono no período das 24 horas. O equilíbrio certo entre sestas e tempo acordado durante o dia, assim como uma boa rotina antes de deitar e uma hora fixa para acordar todos os dias de manhã, são elementos fundamentais para uma boa noite de sono.

Os bebés devem ter boas sestas durante o dia para que possam chegar à noite tranquilos e prontos para a cama. No entanto, alguns bebés ficariam muito satisfeitos por dormir todo o dia e brincar toda a noite, principalmente enquanto não consolidam bem o seu ritmo circadiano.

Isto significa que sim, deve acordar o seu bebé de sestas muito longas para evitar que ele suprima as suas necessidades de sono durante o dia. Acordar o bebé das sestas permite-lhe controlar quanto sono acontece durante o dia, assegurando que este consegue dormir bem à noite.

7) A diversificação alimentar ajuda a dormir melhor

Quem nunca ouviu a velha lenda de que quando o bebé iniciar a diversificação alimentar e começar a comer sólidos vai dormir melhor?

Parece fazer sentido: comida mais sólida = barriguinha cheia = melhor sono!

Efetivamente a nutrição é um pilar do sono dos bebés. Mas vamos lá pensar um bocadinho nesta ideia de que comida mais sólida significa um bebé mais saciado.

Quando iniciamos a diversificação alimentar, para muitos por volta dos 4 meses, evitamos o Glúten e oferecemos aos bebés umas belas sopinhas de legumes. Ora, 100 mililitros de leite contêm cerca de 66 quilocalorias, enquanto que o mesmo volume de uma sopa de cenoura (por exemplo) contem apenas 23.

Para além disso, os bebés quando iniciam a diversificação alimentar não conseguem facilmente consumir a mesma quantidade de sopa que ingerem de leite. Nesta idade, o seu sistema digestivo ainda é muito imaturo, o que torna difícil a digestão de proteínas e fibras. Por outro lado, como vimos anteriormente, a fome não é sempre a causa de despertares de um bebé, principalmente se não tiver passado muito tempo desde a sua última refeição.

Ou seja, a diversificação alimentar é um processo gradual que começa não para saciar mais os bebés mas para introduzir nutrientes que estão pouco presentes no leite, em particular proteínas, fibras e ferro. Não espere que a diversificação alimentar ajude imediatamente o sono do seu filho, pelo contrário até pode piorar um pouco se forem introduzidos alimentos difíceis de digerir perto da hora da cama.

8) Alguns bebés odeiam ser embrulhados em Swaddles

É muito comum ouvirmos pais dizer: “o meu filho nunca gostou de estar embrulhado, isso das swaddles nunca funcionou para nós”. A ideia de dormir enrolado num pano ou envolta sem conseguir mexer os braços é aterradora para qualquer adulto. Os pais frequentemente projetam nos seus bebés aquilo que eles próprios sentem, pelo que enrolar um bebé numa swaddle pode parecer o equivalente a pô-lo num colete de forças. Esta ideia é reforçada quando os pais tentam embrulhar o bebé e este apresenta resistência ou chora no processo.

Temos que ganhar alguma perspetiva sobre isto. Tendo em conta que os bebés passam 9 meses num ambiente barulhento, escuro e confinado, são estas sensações que lhes transmitem calma. Mesmo que para si seja impensável dormir sem poder mexer bem os braços, essa é a realidade que o seu bebé conheceu ao longo de toda a sua vida intrauterina.

Muitos estudos científicos, assim como séculos de evidência empírica, demonstram que bebés enrolados em envoltas, ou swaddles, choram menos e dormem melhor. Para além de oferecer aos bebés a contenção que eles precisam para se sentir seguros, enrolar os bebés em envoltas para dormir, inibe o reflexo de Moro, no qual o bebé instintivamente levanta os braços em resposta a estímulos ambientais súbitos. Este “sobressalto” dá origem a despertares frequentes e evitáveis.

A evidência mostra que a prática de Swaddling para dormir é segura e eficaz em bebés até aos 4-6 meses, desde que sejam deitados de costas e ainda não se consigam virar de barriga para baixo (Veja este artigo sobre envoltas (swaddles) e a morte súbita infantil).

Se o seu bebé chorar ou parecer lutar contra ser envolvido, não assuma imediatamente que ele não gosta de estar preso. Insista com confiança e consistência e verá que todos na família irão beneficiar desta super-arma do sono infantil (Veja este guia para um sono seguro).

9) As chupetas são uma maldição para o sono

Quando se fala de chupetas, as opiniões tendem a ser muito polarizadas. Há quem as venere e quem as deteste, com medo que os miúdos cheguem à faculdade de chucha na boca.

Os bebés têm uma necessidade inata de chuchar. As chupetas oferecem sucção não nutritiva, que liberta endorfinas no cérebro, promove relaxamento, conforto, segurança e pode ser uma ótima ferramenta para ajudar o seu bebé a dormir. Para além disto, está demonstrado que oferecer uma chupeta ao deitar reduz significativamente o risco de morte súbita, mesmo que a chupeta acabe por cair durante a noite.

No que diz respeito ao sono do bebé, receia-se que um bebé habituado a dormir com chupeta, sempre que esta cair durante a noite e ele ainda não for capaz de a repor sozinho, vai chamar pelos pais. Este risco é real, alguns bebés (seguramente não todos) tornam-se tão dependentes da chupeta que forçam os pais a assumir o papel de oficial noturno de substituição de chupeta. Se este for o caso, então pode estar na altura de fazer alguma coisa e são várias as estratégias que pode aplicar.

No entanto, utilizar a chupeta até aos 4-6 meses tem muitos benefícios em relação ao sono e proteção contra a morte súbita. Uma opção é retirar a chupeta por volta desta idade, enquanto o seu bebé ainda não tem como ficar dependente dela. A alternativa, é ensinar assim que possível o seu bebé a repor a chupeta sozinha, coisa que a maioria dos bebés são capazes de fazer por volta dos 7 meses.

10) O nascer dos dentes perturba o sono

Os dentes parecem ser justificação para muitas das indisposições e rabugices dos bebés, nomeadamente a falta de sono.

No entanto, apesar da baba copiosa e da forma espalhafatosa com que os bebés mordem tudo e mais alguma coisa, a dentição é um processo relativamente indolor, sendo que os bebés apenas ficam incomodados naquele um ou dois dias em que se dá a erupção do dente.

Se o nascer dos dentes fosse causa de insónia, ninguém dormiria nos primeiros dois anos de vida em que os pequenos estão continuamente a desenvolver a dentição.

Que o nascer dos dentes naqueles dias críticos possa perturbar uma ou outra sesta, tudo bem. Mas se o seu filho acorda várias vezes durante a noite, muito provavelmente o problema não são os dentes.

11) É normal os bebés não dormirem. Isso vai passar!

Não, não é normal. E não, não vai passar se não fizer alguma coisa.

Dormir é uma função absolutamente essencial para a sua saúde, bem-estar e desenvolvimento cognitivo dos bebés.

Muitas fontes que defendem o “treino do sono” argumentam que dormir é uma competência adquirida. Isto não é bem assim; dormir é uma função essencial e inata. O que tem que ser aprendido é a capacidade de adormecer independentemente dos pais ou de qualquer associação de sono negativa ou insustentável.

Se para si adormecer o seu filho todos os dias ou que ele durma exclusivamente na sua cama durante os próximos 10 anos não é um problema, fantástico! Não precisa mudar nada. Afinal, são poucos os adolescentes que ainda dormem diariamente na cama dos pais ou que são embalados à hora de deitar, pelo que podemos supor que todos acabam por aprender.

No entanto, a maioria dos pais preferia que os seus filhos soubessem dormir independentemente para não terem que passar anos de noites interrompidas e privação de sono.

Suportar a exaustão não é um requisito da parentalidade. Muito pelo contrário, pais descansados respondem melhor às necessidades dos seus filhos. Se se identifica com esta afirmação, então não vale a pena esperar muito. Terá que considerar algum tipo de intervenção para ensinar ao seu filho esta competência tão essencial para uma boa higiene de sono.

Claro que existem casos de bebés unicórnios muito autossuficientes que aprendem sozinhos a dormir sem precisar dos pais. Assumindo que esses bebés são a exceção, então está nas suas mãos assegurar que todos na família dormem noites descansadas.

Saber que pode ter algum controlo num dos momentos mais caóticos da sua vida pode ser reconfortante. Assuma que isto é um processo que implica o seu envolvimento ativo, tal como comer sozinho ou deixar as fraldas, e deixe para trás a dúvida de se voltará alguma vez a dormir a noite toda. Não espere, faça por isso!