Esta semana tive uma conversa com a minha filha de 15 anos sobre o movimento #metoo. Diálogo difícil sobre temas como o consentimento, o desejo, o corpo, a sexualidade e o feminino. Foi a conversa mais recente de várias que tivemos ao longo dos anos sobre ser mulher.

A primeira surgiu por volta dos seis anos. O tema era a vida de Rose Parks - a rapariga negra que se recusou a abandonar o seu lugar no autocarro para o ceder a um homem branco - e o papel das mulheres no movimento dos direitos civis americanos. Acho que sempre desejei plantar uma semente de feminismo em cada uma das minhas filhas.

Escrever sobre o papel do pai e da mãe na disciplina dos filhos é assumir uma opção ideológica sobre o lugar da mulher e do homem, mais do que afirmar uma posição de psicólogo ou terapeuta familiar. Por isso, permitam-me que escreva sem pudor na primeira pessoa.

Talvez no imaginário de alguns persista a figura do pai como mais distante, reservado e autoritário, complemento da mãe, mais próxima, cúmplice e condescendente. Os grandes temas ficariam para o pai, as pequenas questões associadas à rotina diária, responsabilidade da mãe. Uma divisão do mundo em assuntos grandes e sérios, e em temas pequenos e rotineiros.

Divisão que replica a ideologia que entrega aos homens as grandes questões da sociedade, e às mulheres a gestão do lar. Crescer nesta disciplina é aprender que o papel do homem está guardado para os grandes feitos, e o da mulher reservado às coisas domésticas e à gestão diária das crianças.

Não é preciso saber muito de psicologia e de educação, para concluir que as crianças que crescem emersas numa ideologia clivada ao nível do papel de género têm mais propensão para perpetuarem um modelo que reserva às mulheres um papel secundário na esfera pública e política.

Nas últimas décadas temos observado uma mudança considerável do papel do homem na educação dos filhos. Os pais estão cada vez mais presentes nos primeiros momentos: no nascimento, no primeiro banho, nos primeiros passos, nas primeiras palavras. Os pais cada vez mais mudam as fraldas e passaram a conseguir sobreviver aos piores odores. Estão lado a lado com as mulheres na missão de educar e, quando o divórcio bate à porta, constroem soluções de partilha de residência.

O papel da mulher na educação dos filhos também tem evoluído. A mãe cada vez mais reparte o seu tempo entre o trabalho e a família. A mulher com ambições fora do espaço familiar vê na sua autonomia um bem inegociável. As mulheres de hoje transmitem cada vez mais uma imagem que é construída e valorizada não só no espaço familiar como fora de casa.

Então e a disciplina? Há mesmo uma grande diferença entre a disciplina da mãe e a do pai? Resposta rápida: cada vez menos. A nossa experiência como terapeutas tem mostrado que a disciplina de pai e de mãe se tem aproximado. Cada vez mais sensível, feita de afetos e vontade de compreender os comportamentos dos filhos. Uma disciplina que tenta encontrar um balanço entre compreensão, limites, autonomia e apoio na socialização.

Os pais e mães que conhecemos lutam para que os seus filhos ganhem as competências necessárias para gerir, com sucesso, os desafios criados nos diferentes contextos de vida, em particular na escola, onde passam grande parte do dia.

É por isso com muita estranheza que continuamos a ler ensaios de colegas que colocam a hipótese do Défice de Atenção e Hiperatividade ou outras Perturbações Emocionais e do Comportamento serem a expressão da parentalidade dos dias de hoje, sugerindo, de forma subtil, que a diluição da diferenciação de papéis homem/ mulher, a perda do contexto de triangulação edipiana, resulta num adoecer psíquico.

Parece existir, em muitos dos discursos sobre a educação e a disciplina, um desejo de regresso à autoridade do pai castrador, gerador de um censor interno que limite o agir e mantenha a moralidade. Este discurso conservador sobre educação condena os pais que têm filhos com perturbações do neurodesenvolvimento, e vê refletido no comportamento infantil desadequado a ausência da família tradicional, com um pai que preside e uma mãe recolhida à vida doméstica.

Trata-se de um discurso que fere a dignidade do homem e da mulher, e que nega o suporte terapêutico adequado à criança que sofre de uma disfunção de quem ninguém é culpado.

Pedro Vaz Santos/PIN - Progresso Infantil