Com quase 200 mil seguidores na sua conta de Instagram, Inês Mocho é uma das influenciadoras digitais (ou digital influencers, em inglês) com mais sucesso em Portugal. Para lá do seu canal de YouTube, a maquilhadora profissional abriu também uma academia repleta de glamour, onde além de formar futuras profissionais na área, presta serviços no âmbito da beleza.

Divertida, descontraída e muito bem-disposta: foi assim que Inês nos recebeu no seu espaço em Lisboa dedicado à beleza, no qual tudo foi pensado ao pormenor.

Inês é ainda mãe de Leonor, a sua "gordinha", fruto do relacionamento com Miguel Domingues.

Entre connosco no mundo de Inês Mocho!

Quais as suas primeiras memórias?

As primeiras memórias que tenho são com maquilhagem. Lembro-me de ver a minha mãe a arranjar-se num simples dia e de ficar fascinada a vê-la. Via as unhas dela sempre compridas, impecáveis e cor-de-rosa. Ao mesmo tempo olhava para ela e via que era uma pessoa extremamente trabalhadora, tinha a sua profissão, era autora de livros, fazia muita coisa. Sempre foi um grande exemplo para mim.

Era daquelas meninas que roubava a maquilhagem à mãe?

Ah, completamente. Era tão pequenina que um dia queria chegar aos perfumes e parti tudo, porque a prateleira era em vidro. Queria ir maquilhada para a escola e a minha mãe não me deixava, obviamente, porque estamos a falar de infantário. Então, facilmente consegui arranjar um plano B. Pedia pintarolas e descobri que se as molhasse conseguia tirar pigmento e maquilhava-me. Uma pintarola vermelha tanto podia ser batom, como um bocadinho de blush. Isto para não falar que quando não tinha pintarolas ia mesmo a canetas de filtro.

Muito feminina, portanto, nessa época...

Feminina no sentido de produzir, sim, nisso era muito feminina. Mas se calhar se olhassem para mim numa turma eu não era a mais 'princesa' no sentido tradicional. Tudo aquilo que fosse diferente adorava. A minha mãe deixava-me escolher as minhas roupas, para meu mal muitas vezes. Uma vez disse que queria ir com umas calças, que eram de pijama, conjugadas com uma camisola amarela e ela deixou. Escusado será dizer que nesse dia fui super gozada.

A sua formação foi em artes, correto?

Sim. No secundário foi ensino normal e depois segui artes.

Quando saiu da escola como é que começou a ver o futuro?

Sou uma pessoa muito de ideias fixas e desde miúda que sou daquelas que aponta no meio de uma montra e sabe logo o bolo que quer comer. Sempre disse que queria seguir artes e quando fui para a faculdade só queria um curso de uma faculdade. Era o curso de Artes Gráficas na ESAD (Escola Superior de Artes e Design). Tirei o curso todo e gostei muito. Candidatei-me para trabalhar mal acabei e fui chamada para uma empresa que era apoiada pelo Estado, ou seja, tinha tudo para correr bem.

Pensei que já estava arrumada

Posso dizer que tive aquele ‘hype’ na primeira semana em que estava muito entusiasmada, depois a coisa esmoreceu. E comecei a pensar: ‘Ok, é isto a minha vida agora’. Pensei que já estava arrumada. Entretanto chamaram-me para uma reunião ao fim de meio ano, disseram que gostavam muito de mim e que queriam passar-me a contrato, além de ficar como coordenadora tanto da parte de marketing, como do design.

Lembro-me de ter sentido um peso tão grande, algo que não era suposto. Devia sentir-me feliz. Se tirei o curso que quis, se segui logo o emprego que quis com uma promoção, porque é que eu não estava?

Foi uma decisão que na altura quase ninguém entendeu

Foi aí que começou a pensar em maquilhagem?

Sim, pois percebi que os momentos do meu dia em que me sentia feliz era quando via tutoriais. Isto aconteceu em 2009, uma altura em que a maquilhagem era quase uma ‘não profissão’. Foi uma decisão que na altura quase ninguém entendeu.

Como é que os pais reagiram?

O meu pai ficou muito zangado na altura, acho que ele não soube lidar porque é muito ‘pai galinha’, foi um pouco tenso, ele ficou um bocado distante. Depois a minha mãe, que sempre foi a mais racional da família, disse: ‘Marca na tua agenda: tens um ano para fazeres o que tu quiseres. Se ao final deste ano tiveres sucesso na área que escolheste continuas, se não, voltas para design’. Posso dizer que foi exatamente isso que aconteceu: num ano eu dei tudo. Foi isso que me fez criar o meu canal de YouTube.

Então quais foram os passos que seguiu?

Passo número 1: formação. O que é que há em Portugal? Não sei. Literalmente fui ao piso de beleza do El Corte Inglés perguntar às pessoas que formação é que tinham. Ao final de muita procura lá consegui descobrir que havia uma escola em Portugal que dava cursos de maquilhagem.

As pessoas sentiam-se confrontadas quando perguntava se tinham curso

E diz muita procura porquê?

As pessoas sentiam-se confrontadas quando perguntava se tinham curso, como se sentissem postas em causa. Estamos a falar de uma altura em que pouca gente se formava. Poucos responderam bem à minha pergunta e poucos tinham formação. Ao final de uma tarde às voltas, lá descobri que havia uma escola e fui de imediato inscrever-me.

E depois?

Depois pensei: como é que eu crio publicidade à volta do meu nome? Tinha de utilizar uma ferramenta de publicidade gratuita que era o YouTube. O que tinha a perder? Ao final de alguma coragem pedi a câmara da minha mãe emprestada, era uma câmara daquelas descartáveis em modo de vídeo, muito fatela. Fui analisar a casa e ver o ponto que mais parecia um estúdio e descobri a casa de banho da minha irmã, como tinha uma cortina branca creme, iria parecer um estúdio. Punha a câmara apoiada no copo da escova de dentes e como tinha o espelho na parede, era lá que via o reflexo do ecrã. Fechava a cortina, posava as coisas na sanita e fazia as minhas maquilhagens.

A minha edição inicial era o botão de on e off da câmara, depois descobri que havia uma coisa chamada Movie Maker, é tão básico que até dá vontade de rir…

Quando sentiu que o seu trabalho começou a ser reconhecido?

A primeira vez que me chamaram para ir à televisão. Foi para a ‘Praça da Alegria’ por causa de uma sobrinha da produtora do programa que não parava de ver os meus vídeos. Quando recebi o email nem estava a acreditar.

E como foi quando começou a receber produtos para testar?

A primeira marca que me enviou produtos foi a Sephora. Quando recebi em casa um caixote cheio de produtos pensei: ‘Para que é que isto é? Para usar nos meus vídeos e depois devolver? É suposto eu pagar?’.

Percebi que a nível de formação ainda estava tudo muito verde cá em Portugal

Daí para onde estamos hoje parece que foi um segundo que passou. Comecei a maquilhar noivas, a ser procurada, comecei a dar formação nos cursos de esteticista no módulo de maquilhagem, depois vi que o queria mesmo era formar maquilhadoras e percebi que a nível de formação ainda estava tudo muito verde cá em Portugal.

É aí que decide que tem de ir estudar lá fora...

Sim. Em 2013 fui ao Google e procurei literalmente 'melhor academia de maquilhagem'. Comprei a viagem para os Estados Unidos e fui para lá três meses. A meio do curso dei-me tão bem com os formadores que eles convidaram-me para começar a assistir às outras aulas, depois convidaram-me para trabalhar com eles. Aquilo foi quase um selo de 'tu tens muito valor enquanto profissional'.

Notícias ao Minuto
Outubro de 2013. Inês Mocho chega a Los Angeles, Estados Unidos: "Já cheguei!!!!!!! Finalmente... a viagem foi muito longa mas o que vale é a minha falta de vergonha na cara e fiz logo amigos na viagem", afirmou na época. © Instagram/Inês Mocho

Mas por que razão sentia que em Portugal não a valorizavam?

De certa forma. Vinha de um panorama em que só via portas fechadas. Como usava o YouTube, a 'velha guarda' olhava-me com desdém. A minha primeira professora de maquilhagem questionou-me o porquê de estar a divulgar gratuitamente informação que era dada em formações. Senti mesmo que era a ovelha negra aqui em Portugal, era a parola que fazia vídeos…

Notícias ao Minuto
Em novembro de 2013, Inês recebeu o seu certificado: "A receber o meu certificado!! Passei na prova final com distinção!! SO HAPPY!!! O professor disse que ficou muito orgulhoso e eu estou super babada!! Estou morta para partilhar todo este conhecimento nas minhas futuras NOVAS formações!!!", disse. © Instagram/Inês Mocho

Revoltei-me e pensei: ‘Vocês estão aqui com as vossas mentalidades mais fechadas e não querem entreajuda, só falam mal nas costas uns dos outros’. Estava com gente de mentalidade pequenina e foi por isso que fui lá para fora. Depois quando cheguei lá fora era muito o team work e identifiquei-me tanto com esse conceito que pensei que o iria trazer para Portugal.

Quando abre a primeira academia?

Em 2013 quando voltei para Portugal abri o primeiro conceito de Academia no Porto, correu muito bem, os meus cursos começaram a ser os mais procurados. Abria cursos profissionais, que eram os mais caros da altura no Porto, e posso dizer que chegou a ser uma loucura. Tinha listas de espera. Com este percurso comecei a conhecer mais pessoas da área, que tinham a mesma mentalidade e comecei cada vez mais a vir aqui a Lisboa. Em 2016, mudei-me de vez.

E não foi difícil deixar a sua gente?

Foi, claro que sim, com muita baba e ranho à mistura. Mas posso dizer que o que me ajudou foi a minha determinação, o sentir que era o caminho, ter um grupo de apoio muito grande de amigos, é engraçado que hoje ainda trabalhamos juntos.

A primeira academia nem era esta, era uma na zona do Lumiar. Tive exatamente um ano. A partir daqui pensei que tinha de dar o salto e que queria ter o contacto com a cliente, um espaço onde as pessoas poderiam entrar e sentirem-se em casa. E foi então que nasceu este conceito em que temos serviços de manicura, pedicure, workshops, serviços de maquilhagem. Agora tenho uma novidade que vem aí. É a maior aposta profissional que vou fazer de sempre e estou muito expectante. Este novo projeto é numa área diferente.

Posso viver perfeitamente sem o YouTube

Acha que poderia dizer hoje que viveria bem sem o YouTube a nível financeiro?

Posso viver perfeitamente sem o YouTube, porque tenho a empresa da academia e tenho outras empresas. A nível financeiro, não dependo de todo do YouTube, mas posso dizer que é uma boa faturação que faço, não propriamente do YouTube em si, mas de todas as marcas envolvidas.

Como é que se vive do YouTube?

Pode-se receber dinheiro e pode não se receber. No YouTube há o básico, através do AdSense [publicidade], que eu já fiquei a saber que pelos vistos eu sou uma 'naba', porque o normal de alguém com os meus números é ganhar de 700 a mil euros por mês, só em publicidade, e posso dizer que por mês se chegar aos 100 euros é uma festa.

Depois, depende muito do tráfego que se tem. Há muita gente que vai aos vídeos, mas sai logo e isso não é valorizado. Depois podes unir-te a marcas parceiras, que te podem apoiar de várias maneiras. Uma marca pode apoiar-te através de um produto, de experiências, que são as viagens, e numa última instância, através de um pagamento financeiro. Normalmente falo dos produtos de que gosto mais, ou se são marcas que não conheço, peço para testar e gostando digo. E tentamos mediante o que eu gosto fazer algum tipo de campanha.

Eu faço sempre de forma muito transparente com o meu público. Quando é publicidade está sempre anunciado. Não é que a minha opinião vá ser diferente, mas acho que enquanto público têm o direito de saber o que é um conteúdo publicitário ou não.

Não dependo disto, apesar de ser um bom bolo, não vou negar, mas não dependo

Mas não há a tentação de aceitar todas as propostas?

Não dependo disto, apesar de ser um bom bolo, não vou negar, mas não dependo. A diferença entre mim e uma maquilhadora anónima é o meu público. A diferença é que tenho uma sala com mais gente a ouvir-me e isso para mim é ouro. No final penso sempre se é conteúdo relevante para o meu público.

Mas sente que há youtubers que caem nisso?

Claro que sim!

Há alguma youtuber portuguesa que admire particularmente?

Se eu tivesse de nomear uma youtuber que eu admiro muito, não estou a dizer só dos vídeos, mas do bolo geral, a que mais eu admiro é a Mafalda [Sampaio], a Maria Vaidosa. Para mim, é uma força da natureza, veio a mudar o panorama nacional para melhor.

Em relação às youtubers portuguesas, além da pressão de aceitar marcas, há mais algum problema a ser assinalado, por exemplo, a competição?

Sim!

Cada vez mais o mundo das digital influencers se está a assemelhar ao mundo das celebridades, são as celebridades digitais

Já teve problemas com outras influencers?

Sim. Mas nesta fase da vida em que estou valorizo zero. Há pessoas que entram e saem da tua vida de forma muito natural e orgânica. Cada vez mais o mundo das digital influencers se está a assemelhar ao mundo das celebridades, são as celebridades digitais.

Já aconteceu estar a ver algum vídeo e perceber que enviaram um indireta para a Inês?

Claro, mas o ter sido mãe mudou-me em muita coisa. Antes era uma pessoa mais sensível a este tipo de assuntos, ficava muito magoada. Há certas coisas que me fazem muita confusão desde pequenina como a incompreensão, ingratidão, injustiça... ninguém é mais do que ninguém, o mundo dá muitas voltas.

Não preciso de comprar nenhum desconforto

Se fosse antigamente havia muita coisa que me magoava e me deixava triste e não estou só a dizer no mundo digital, estou a dizer fora, pessoas que se aproximam de ti por interesse, donos de marcas que de repente são super teus amigos. Havia muita coisa que acontecia e eu ficava muito triste e magoada, hoje não, quando vejo a minha primeira reação é afastar-me. Não preciso de comprar nenhum desconforto.

O Miguel Domingues, o seu companheiro, foi importante nessa fase?

O Miguel foi um dos grandes responsáveis pela minha mudança, porque eu apegava-me muito a essas coisas e ele ensinou-me a ser mais prática.

Como é que se conheceram?

Foi muito engraçado. Aconteceu num evento e lembro-me perfeitamente de na altura me terem dito que iriam ser só meninas e de eu pensar que era ótimo. De repente vejo o Miguel a entrar. No dia seguinte lembro-me de ter olhado para ele e ter achado que até tinha a sua piada. Depois foi engraçado porque durante imenso tempo andava atrás de mim e para mim era um amigo. Aquilo foi literalmente ‘água mole em pedra dura tanto bate até que fura’.

Não gostei nada de estar grávida e fui muito criticada por ter partilhado essa minha opinião

Quando engravidou da sua filha, confessou que não gostou nada do processo de gestação...

Não gostei nada de estar grávida e fui muito criticada por ter partilhado essa minha opinião. É visto quase como ingratidão, mas acho que tenho todo o direito de o dizer e isso não vai influenciar em nada a relação que eu tenho com a minha filha.

Mas por que motivo não gostou?

Sou uma pessoa hiperativa, hoje o meu dia começou às 5h00 da manhã a trabalhar. Por isso, posso dizer que não gostei de repente ter algo a limitar-me. Depois a única coisa do meu corpo que eu achava gira - a barriga - começou a ficar 'deformada'. Não tenho problema nenhum em dizer que tive problemas de confiança. Sentia-me desleixada, que nada me assentava, não foi um momento de graça, de todo. Mas agora ter uma gordinha nas mãos e sentir um amor que eu nunca senti na minha vida... depois de conhecer isto, quero ter outro filho.

Gostaria que a sua filha seguisse o seu percurso?

Tudo o que estou a fazer hoje em dia, desde que sou mãe, ganha mais sentido porque penso sempre que estou a construir o império dela. Isso dá-me mais força. Mas agora obviamente vou apoiá-la no caso de ela querer outra coisa.

O YouTube vai existir daqui a 10 anos?

Acho que vai existir YouTube mas vai ser diferente. A maneira de comunicar, o formato, vai ser tudo muito diferente.

O que é que aconselharia a uma pessoa que quer começar neste mundo?

Para se informar bem, explorar o mundo do YouTube e para experimentar.