A doçaria Algarvia deve muito à herança árabe e à influência da doçaria conventual (séc. XVIII), adaptada ao que existia localmente. Falamos essencialmente de doces à base do figo e da amêndoa. Deste conjunto de ingredientes e saberes “resultou um património de doces e bolos algarvios cuja diversidade e notoriedade são reconhecidas pela sua excelência” (excerto do livro Algarve Mediterrânico, Tradição, Produtos e Cozinhas) e não só.

Os aromas dos figos no almeixar e das caldas de açúcar ao lume com erva-doce fazem-nos recordar uma infância repleta de memórias e de festividades em família. Lembranças que reavivamos com uma ida à fábrica Bolodoce, em Lagos, onde Luísa Silva nos recebe e explica os rituais e os preceitos da confeção dos doces algarvios.

De figos e amêndoas se fazem os doces algarvios
créditos: @Mar D ´Estórias

Luísa menciona que em 1991, quando iniciou atividade, os doces tipicamente algarvios eram elaborados em casa, por doceiras que tinham aprendido a arte através da observação e da prática. Estas faziam bolos de doce fino por encomenda, para casamentos ou para festas; era uma produção pontual sem qualquer cuidado com a embalagem e a sua apresentação: “As doceiras domésticas forneciam os bolos avulso dentro de caixas de camisas”.

Na nossa viagem pela doçaria tradicional algarvia temos a oportunidade de ver mesas de confeção com queijinhos de figo, bombons de figo com coco e amêndoa, arrepiados de amêndoa, morgados, doce fino e os Dom Rodrigo. Estas são apenas algumas das inúmeras guloseimas que combinam o figo, a amêndoa, o açúcar e os ovos.

Vemos o funil de bicos a fazer deslizar as gemas de ovo na calda de açúcar para criar os fios de ovos, para os bolos de doce fino e os Dom Rodrigo. Bem como ficamos a saber que há segredos que são preservados e transmitidos para que o sabor do Algarve continue intocável, como é o caso do “cheirinho de anis e medronho” que se colocam nos queijinhos de figo.

De toda esta diversidade o Mar d’Estórias menciona as lindas miniaturas doces de representação do quotidiano, cuidadosamente criadas pelas mãos habilidosas das doceiras – os bolos de doce fino. Esta pasta de açúcar e amêndoa moída, recheada com fios de ovos, é dos doces mais identificativos da região.

Antigamente as formas criadas eram limitadas a 30 ou 40 variedades de legumes, frutos e animais. Atualmente as pastelarias estão repletas de bolos de doce fino temáticos a representarem o Natal, a Páscoa, o Carnaval, o Dia dos Namorados, as estações do ano, entre outros.

Luísa refere que “depende da aptidão de cada um” em moldar esta massa, pois nem todos têm habilidade para um trabalho mais artesanal. Por isso, as doceiras da Bolodoce são escolhidas a dedo e há muito que fazem parte desta fábrica: “a encarregada tem 25 anos de casa”, refere Luísa.

Estas pequenas obras de arte, completamente artesanais, encerram em si uma intensa carga simbólica que é vivida e saboreada a cada dentada.


Artigo da autoria de Filipa Glória

Texto produzido pelo projeto Mar D´Estórias, um espaço de valorização de tudo o que é português, com especial ênfase para o Algarve.