A ideia de que as pessoas autistas se debatem com assuntos do coração é visto por muitos como uma ideia impensável e contrária à própria definição de autismo. As pessoas autistas amam, desejam amar e ser amadas.

A necessidade de ser aceite, apreciado, é parte fundamental da motivação humana ao longo do ciclo de vida. Isto é especialmente evidente na fase de encontrar alguém, que pode variar desde um encontro amoroso fugaz à procura de um/a namorado/a para toda a vida.

Para a maioria das pessoas, autistas ou não, o objetivo de formar uma ligação com outro ser humano é um ponto fundamental na vida.

Posto isto, também é verdade que as pessoas autistas sofrem bastante no que diz respeito à forma como processam as pistas sociais e à forma como comunicam as suas emoções. E não escrevemos propositadamente que deixam escapar as pistas sociais para não ajudar a gerar a ideia de que as pessoas autistas não estão despertas para os assuntos românticos, porque estão!

Eu quero muito conhecer alguém e tentar ter intimidade com essa pessoa

Tenho curiosidade em relação a isso. Gostava de construir intimidade, mas acho que pode não ser fácil, eu não entendo bem a comunicação que está nas “entre linhas”. Joaquim (nome fictício)

Eu acho a Rita bonita e gosto muito de falar com ela, apetece-me beijá-la, mas sei que não lhe posso dizer “quero-te beijar”, sei que tenho que me dar a conhecer e depois talvez ela se interesse também por mim.

Telmo (nome fictício) partilha, fui acusado de stalking, pela pessoa de quem gostava e que estava a namorar há 3 meses. Na altura fiquei muito confuso. Além de não ter conseguido perceber como é que os meus comportamentos tiveram aquela compreensão e interpretação. Para mim, querer estar sempre por perto era sinónimo de gostar da pessoa e demonstrar o quanto gostava, foi difícil perceber alguns sinais de que a pessoa podia estar desconfortável.

Para a Joana a vontade de namorar com alguém com quem se sinta bem é um dos seus objetivos, mas pensa que pode ser difícil porque falar com alguém que não conhece é gerador de grande ansiedade.

Começar uma relação com alguém conhecido, passar de uma amizade para uma relação de namoro, é algo que envolve todo um conjunto de competências comunicacionais mais subtis, mas começar uma interação com um estranho, avaliar o interesse de outra pessoa com base na sua linguagem corporal e nas suas expressões faciais também pode ser uma tarefa exigente.

Quando fui ao cinema com os meus colegas, demonstrei que estava interessado na Luísa, olhei para ela como já tinha feito no intervalo das aulas, mas durante o filme percebi que ela estava a dar um beijo a outro colega nosso, às vezes é difícil perceber o que as outras pessoas pensam.

A sedução, os sorrisos, os piscar de olhos, as posturas corporais, a subjetividade desta fase pode provocar algum evitamento ou alguma dificuldade na descodificação do interesse ou não do outro.

Só mais tarde é que voltei a namorar, continua. Aos dezanove anos, um ano depois de ter entrado na faculdade comecei a interessar-me por bicicletas e através da vivência deste interesse conheci a Raquel (nome fictício).

Podemos pensar que o aumento de contactos sociais, a entrada para a faculdade ou para grupos sociais relacionados com alguns interesses serão fatores que poderão aumentar a probabilidade destes jovens experienciarem contatos amorosos.

Nestes contatos e experiências amorosas, a comunicação emocional, bem como, a antecipação da satisfação das necessidades do outro podem ser temas difíceis. É importante que se desmistifique a ideia de que se adivinha o que o outro sente e necessita.

Além de ser essencial que se seja claro na comunicação das necessidades bem como das expectactivas que se tem acerca do relacionamento.

Com todas estas partilhas podemos pensar que no amor nas pessoas autistas existem red flags, sinais de alerta com os quais estes jovens e adultos se deparam e como os reconhecer, evitar ou transformar para que se sintam confortáveis numa relação amorosas.

Nas sessões de terapia muitos são os momentos com jovens e adultos a pensar em como aumentar a qualidade das suas relações amorosas.

Assim, sentimos que é fundamental saber que as pessoas autistas amam e querem ser amadas, mesmo que por vezes se sintam como tendo todo um conjunto de dificuldades em todos estes momentos.

Texto: Pedro Rodrigues, Psicólogo clínico no PIN (pedro.rodrigues@pin.com.pt) e Teresa Carvalho, Psicóloga clínica e Terapeuta Familiar no PIN (teresa.carvalho@pin.com.pt)