A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) surge tipicamente durante a infância e adolescência ecaracteriza-se pela existência de pensamentos, imagens mentais, impulsos recorrentes e persistentes geradores de ansiedade, muitas vezes, acompanhados por comportamentos, ações repetitivas ou rituais, cujo objetivo é reduzir a ansiedade eo desconforto causado pelas obsessões.

A intervenção com crianças permite-nos recorrer a atividades lúdicas, criar e apelar à nossa criatividade para trabalhar com cada uma delas os rituais e quando possível as obsessões. Nos jovens estes recursos dão lugar à possibilidade de pensar em conjunto e, desta forma, criar o caminho da psicoterapia através de palavras e construções conjuntas na dinâmica entre psicólogo e paciente.

Os jovens têm habitualmente mais insigth (capacidade de pensar sobre si mesmo) e maior facilidade em aceder aos pensamentos obsessivos que precedem as compulsões. Por este motivo, ao longo de cada caminhada, ou se quiserem, em cada processo terapêutico, surgem construções e visões muito pessoais do que é a POC e qual a sua importância na vida de cada um.

Em seguida partilho a riqueza que tem sido o trabalho com jovens e algumas reflexões sobre a experiência dos jovens com POC através das palavras de alguns pacientes com que tive o prazer de trabalhar.

A experiência dos jovens com POC e seus testemunhos

Quando os jovens chegam à consulta, na grande maioria das vezes, trazem consigo obsessões e compulsões (rituais) muito exacerbadas acompanhadas de um grande sofrimento, vivido na sua grande maioria em solidão.

Neste primeiro momento, é crucial dar algum contexto sobre o que é a POC e sobre qual o caminho que iremos percorrer para reduzir todos aqueles sintomas, diminuindo passo a passo a sensação de solidão.

O trabalho com os jovens traz consigo o privilégio de conhecer o outro lado, de compreender os vários contornos que a POC pode ter em cada um deles. Numa fase final do seu processo psicoterapêutico, uma paciente partilhava comigo que “por muito que (a POC) me tirasse, também me dava muito”, em muitos momentos “é uma companhia”.

Refletimos sobre como a POC pode parecer uma amiga, como algo que surge como um apoio, uma solução e quase uma proteção para aquelas preocupações que causam tanta ansiedade. Em consulta, desenvolvia esta ideia com um paciente que desafiei a pensar como seria se ficasse sem todos os seus rituais. Após alguma reflexão disse, “acho que ia gostar, mas ia sentir-me um bocado dependente dela”.

Perante isto, é importante compreender que, trabalhar a POC é muito exigente para estes pacientes, pois apesar de todo o sofrimento que causa, é algo conhecido, que em certa medida lhes transmite alguma segurança e que parece surgir sempre para os salvar da ansiedade e das preocupações.

Em última instância, a psicoterapia fá-los sentir que será uma despedida, será quase fazer o luto de uma relação que já se conhece, “é quase perder uma relação... um amigo, um namorado”.

“Dá com uma mão e tira com a outra”

No entanto, a dada altura, esta amiga torna-se inimiga porque “dá com uma mão e tira com a outra”. Tira, entre outras coisas, tempo. Tempo para estar, sozinho ou com os outros, tempo para realizar atividades que gostam porque o perdem enredados em pensamentos intrusivos ou a realizar rituais. Aquela que “sempre me deu a confiança de que há sempre uma solução (ritual),chega a um ponto que já não me descansa, só me tira tudo”, “é algo luminoso mas quando fica escuro, fica mesmo”.

Na maioria das vezes aPerturbação Obsessivo-Compulsiva cumpre uma função na vida de cada paciente.É fundamental compreender que este controlo excessivo não é uma escolha e surge, muitas vezes, aliada a uma fragilidade emocional de base.

Como já foi referido anteriormente, aparece bastantes vezes como uma solução para aliviar as preocupações que são sempre tão intensas. Por este motivo, alguns pacientes experimentam alguma culpabilidade aliada ao medo de trabalhar a sua POC “eu culpava-me de não cumprir o que a POC me dizia, por não respeitar aquela solução que sabia que tinha”.

Assim, para realizar este caminho que falava no inicio, é essencial que a relação terapêutica esteja muito bem estabelecida. É nela que o paciente se vai ancorar e é nela que o paciente vai experimentar confiar, ao invés da POC, colocando em causa todas as certezas que a POC parecia apresentar.

Este movimento é difícil, é como uma ponte alta e estreita em que a POC se encontra de um lado e o psicólogo do outro. É preciso coragem para a atravessar e, por esse motivo, devemos estar muito conscientes que este processo deve respeitar o tempo e o ritmo de cada paciente, e que os pacientes devem confiar no seu psicólogo e ter a certeza que este estará do outro lado para lhes dar a mão.

Quando o caminho segue e a POC passa para segundo plano, volta a haver tempo. Tempo para dedicar a todas as áreas da vida que ficaram suspensas, ou que ficaram por explorar, há uma sensação de “liberdade”, de confiança em si mesmos, e um autoconhecimento que lhes permite saber que a POC pode voltar ao longo do ciclo de vida mas provavelmente saberão evitar que ganhe aquela dimensão tão assustadora.

Todas as citações foram utilizadas com o consentimentodos pacientes que as proferiram.

Texto: Ana Maria Garcia – Psicóloga Clínica, Consulta das Perturbações do Espetro Obsessivo-Compulsivo e Perturbações de Tiques