São várias as investigações que revelam que cerca de 25 a 30% dos doentes oncológicos, entre os quais as doentes com cancro da mama, apresenta uma perturbação emocional resultante do diagnóstico de cancro, dos tratamentos anticancerígenos, e/ou das sequelas que resultam de todo o processo de doença e tratamentos.

Apesar destes números serem por si um alerta para a saúde mental destas doentes, é importante continuar a sinalizar precocemente as doentes com alterações emocionais clinicamente significativas.

É por isso importante procurar ajuda e sensibilizar os profissionais de Oncologia para identificar e orientar estas doentes para consultas especializadas em Psicologia e Psiquiatria Oncológica.

Diagnosticada com cancro da mama. E agora?

Ser confrontada com um diagnóstico de cancro da mama pode ser uma experiência muito perturbadora e ameaçadora para a maioria das doentes. É habitual experienciarem um período de crise emocional marcado por grande questionamento pessoal, sentimento de medo, e sensação de perda de controlo e grande incerteza em relação ao que virá agora. Muitas das doentes antecipam desde logo alguns cenários com base em experiências conhecidas direta ou indiretamente, e com base em expectativas fundamentadas em crenças e medos pessoais.

A espera pelos resultados de exames complementares de diagnóstico e subsequente decisão terapêutica é outro momento bastante angustiante sucedendo-se a fase de tratamentos que é muitas vezes o culminar de todo este período de choque e incredibilidade inicial.

Pelos avanços científicos e urgência nos procedimentos, as doentes são envolvidas numa sequenciação de procedimentos, rotinas e etapas, não deixando muitas vezes tempo para processar esta realidade, para senti-la, para sofrer, e para integrá-la.

A par disto, a sociedade e as mensagens banalizadas hoje em dia são cada vez mais penalizadoras, exigindo destas doentes um positivismo tirano que invalida a legitimidade da dor emocional e remete grande parte das doentes para um sofrimento solitário e silenciado. Quantas se questionam “porque não consigo ser tão forte como as outras?”, “porque não consigo ter a força interior que me pedem que tenha?”, “será que ao sofrer estou a contribuir para que o meu cancro piore?”. Um peso e um sofrimento atenuável com a intervenção especializada da Psicologia Oncológica.

Um misto de emoções

Um diagnóstico de cancro da mama abalroa muitas das doentes para um caminho que será longo e nem sempre fácil. Cada etapa da doença coloca à doente desafios particulares que podem levá-la a experimentar níveis de sofrimento emocional variável.

Muitas doentes vivenciam:

  • Grandes mudança identitárias associadas à perda do estatuto de saudável (que dá lugar ao estatuto de doente crónica); às mudanças na imagem corporal; à impossibilidade de desempenhar tarefas e papéis como até então (conjugais, parentais, profissionais, sociais); e, ao compromisso da intimidade, sexualidade, fertilidade.
  • Elevado compromisso funcional e da autonomia, quer por comprometimento da integridade física e/ou psíquica. Estas consequências resultam da fadiga crónica, náuseas e vómitos, alterações gastrointestinais, limitação da mobilidade, sofrimento emocional severo, entre outros.
  • O confronto com várias sequelas resultantes da doença, a nível físico, emocional, familiar, profissional, social e até financeiro. A fase de sobrevivência muitas vezes antecipada com ânsia e entusiasmo passa muitas vezes a ser extremamente desafiante, pelo regresso a uma realidade que permanece igual e indisponível para se moldar quando muitas vezes a doente se sente tão diferente.

Apesar de todas estas dificuldades trazidas pela doença, as doentes procuram, de um modo geral, mobilizar recursos pessoais e da rede de suporte e, fazer esforços de adaptação com vista lidarem da melhor forma possível com a doença, diminuírem o seu impacto junto das suas famílias, preservarem a melhor qualidade de vida possível, e sobreviverem.

Paralelamente, muitas doentes encontram no cancro uma catapulta transformadora que as impele a fazer mudanças pessoais, nos seus sistemas de valores e prioridades, nas relações interpessoais, e no estilo e filosofia de vida; a buscar e descobrir um sentido, um propósito para a doença e para as suas existências; e, a investirem de forma comprometida num processo de desenvolvimento e crescimento pessoal.

O papel das intervenções especializadas

É fundamental que as doentes oncológicas diagnosticadas com cancro da mama, assim como qualquer outro doente oncológico, tenham acesso a intervenções especializadas na área da Psicologia e da Psiquiatria Oncológica sempre que necessário e desejado.

Estas intervenções têm como primeira finalidade favorecer a adaptação psicológica ao cancro em todas as suas etapas, e prevenir a emergência de psicopatologia e sofrimento existencial severo. São uma mais-valia ao nível do controlo sintomático (sintomas físicos e psicológicos), ao nível da promoção de um bem-estar geral do doente e dos seus familiares/significativos, ao nível da melhoria da comunicação doente- família-profissionais de saúde, e ao nível da adaptação às sequelas físicas, emocionais, profissionais e socioeconómicas com as quais a doente se confronta na fase de sobrevivência.

Por estas razões, é crucial o investimento em programas de rastreio psicossocial e a formação/sensibilização dos profissionais para uma deteção e referenciação precoce.

Paralelamente, à medida que a estabilização se vai conseguindo e um novo estado de equilíbrio se vai construindo, passa ainda a ser possível abordar a experiência de doença na ótica de quem procura identificar e potenciar os ganhos e mudanças de vida positivas que esta possa ter trazido.

Na verdade, estar bem é muito mais do que não estar mal. Por isso mesmo, estas intervenções visam assim simultaneamente diminuir o nível de sofrimento emocional, favorecer a adaptação aos desafios da doença, e trazer o máximo de bem-estar possível para a doente e seus familiares.

Um artigo da psicóloga clínica Magda Oliveira, do Hospital CUF Porto - Unidade da Mama.