Para Jenny Judge, psiquiatra em Londres, tudo começou em março, quando começou a sentir febre, tosse, dores de cabeça e dificuldade em respirar.

A estes sintomas "clássicos" foram se somando palpitações cardíacas, erupções cutâneas com a sensação de queimadura, alucinações auditivas e "dedos do pé COVID" com lesões e comichão.

Foram registados mais de 12 milhões de casos de COVID-19 em todo o mundo, com 550.000 óbitos. Seis milhões de pacientes estão "curados".

Mas isto não reflete totalmente a realidade. Segundo um estudo com 143 pacientes italianos que tiveram alta hospitalar, publicado na quinta-feira na revista médica Jama Network, 87% sofriam pelo menos de um sintoma 60 dias depois do início da doença.

Fadiga e dificuldades respiratórias

Outro estudo, publicado na semana passada pela Agência de Saúde Pública dos Estados Unidos, mostrou que, de 350 pessoas entrevistadas duas ou três semanas depois de terem testado positivo para a COVID-19, aproximadamente 60% dos pacientes hospitalizados e um terço dos doentes em casa não estavam curados.

Os danos nos órgãos nas formas mais graves do novo coronavírus ou as sequelas do período passado em unidades de cuidados intensivos podem explicar porque as pessoas hospitalizadas continuam a precisar de atenção.

Mas os pacientes que permanecem em casa frequentemente não têm uma explicação para estes sintomas persistentes e, às vezes, enfrentam a incredulidade dos seus empregadores e médicos, em particular quando não tiveram um exame de diagnóstico positivo para o novo coronavírus ou quando os seus sintomas não se encaixam na descrição oficial das autoridades sanitárias.

"Estas pessoas sentem-se muito abandonadas. Algumas podem sentir um cansaço muito debilitante", observa Tim Spector, professor de epidemiologia genética no King's College de Londres, criador de um amplo projeto de vigilância dos sintomas da COVID-19.

Três milhões e oitocentos mil britânicos baixaram a aplicação lançada em março, 300.000 nos Estados Unidos e 186.000 na Suécia.

Foram identificados 19 sintomas e até um em cada dez pacientes apresenta pelo menos algum deles depois de 30 dias.

Tim Spector estima que 250.000 britânicos poderiam sofrer de uma "COVID de longo prazo". Considera que esta doença é "mais estranha" do que as doenças autoimunes raras, como o lúpus, que apresenta manifestações muito variadas.

"Algumas pessoas só têm problemas de pele, outras têm diarreia e dores no peito", comenta.

Pode ser qualquer um

Os grupos de apoio reúnem milhares de pessoas nas redes sociais e surgiram palavras-chave sobre a COVID-19 em vários idiomas.

Muitos dizem que tiveram dificuldades em ser ouvidos pelo corpo médico, especialmente os que adoeceram no início da pandemia, quando eram realizados poucos exames e que, portanto, não têm como provar o contágio.

Mesmo sendo médica, Jenny Judge admite ter enfrentando ceticismo no hospital. Um colega sugeriu que o seu elevado ritmo cardíaco poderia ser ansiedade.

Isto explica-se, em parte, pelo fato de que os médicos que trabalham em hospitais estavam a começar a ver chegar estes pacientes com sintomas que até então não eram considerados suficientemente graves para justificar um acompanhamento hospitalar.

Mas esta mulher de 48 anos, sem histórial médico, também vê uma parte de negação. "Se aceitamos que uma pessoa que se parece connosco, que é médica, que tomou todas as precauções, continua doente depois de mais de cem dias, então também pode ser o seu caso", destacou.

Falsas esperanças

Paul Garner, professor de Infectologia na Liverpool School of Tropical Medicine, começou a escrever um blog no British Medical Journal, frustrado ao ver que continuava doente após um mês.

Sofreu terríveis dores de cabeça, respiração entrecortada, formigueiro nos membros e uma vez achou que fosse perder a consciência. "Achei que estivesse a morrer, foi assustador", explicou.

O mais difícil de suportar foi a confusão e as mudanças de humor, comenta este médico de 64 anos, que, até então, gozava de boa saúde.

Entrevistado no 96º dia da sua doença, fala de uma melhoria gradual, mas preocupa-se que pessoas vulneráveis possam sofrer pressões para voltar ao trabalho antes de estarem preparadas.

Ainda não se sabe se estes sintomas persistentes são causados pelo próprio vírus ou pela resposta imune exagerada do corpo.

Segundo Tim Spector, alguns dos "COVID de longo prazo" ainda têm vestígios do vírus no organismo, mas não se sabe se isto implica que ainda sejam contagiosos.

Um estudo publicado em 2009 com 233 pacientes com Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), provocada por outro coronavírus, mostrou que quatro anos depois, 40% dos pacientes sofriam de depressão ou fadiga crónica.

Os jovens, menos propensos a desenvolver a forma grave da COVID-19 ou a morrer dela, devem ser advertidos de que a doença também pode debilitá-los durante meses, acrescentou Jenny Judge.

"É uma espécie de roleta russa, não se sabe ainda o que faz com que algumas pessoas tenham uma doença mais longa", destaca.