"No início, a ideia é perturbadora, porque são excrementos que são injetados em nós próprios", começa por explicar a mulher de 56 anos.

"Mas sentimo-nos tão mal que é urgente fazer alguma coisa", acrescenta Ghislaine Grenet, que sofre há vários meses de uma infeção por Clostridium difficile, uma bactéria responsável pela inflamação do intestino grosso.

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Ghislaine Grenet não conseguiu resolver o seu problema com a toma de antibióticos, porque - em certos casos - estes fármacos causam alterações na microbiota intestinal, matando as bactérias "boas" e permitindo a proliferação das bactérias "más".

Os principais sintomas desenvolvidos pelos pacientes com aquela bactéria são diarreia, dor de estômago e, às vezes, febre. Uma provação diária.

"Fora de casa, tinha que procurar casas de banho a toda a hora. Era impossível trabalhar ou ter uma vida normal", relata Ghislaine, que espera ser internada no hospital Clermont-Ferrand, no centro da França, para lhe ser administrada mais uma dessas "injeções desagradáveis".

As fotos do processo

De manhã, um doador saudável - sem problemas digestivos, sem histórico familiar e rigorosamente selecionado após uma avaliação biológica completa - chegou para depositar as suas fezes no laboratório da farmácia do hospital.

Os excrementos são, então, misturados com cloreto de sódio e acondicionados em sacos ou seringas. Antes de ser administrado por enema, colonoscopia, ou através de sonda nasojejunal (do nariz ao intestino).

Objetivo: reequilibrar a microbiota intestinal do receptor que mudará e se parecerá com a do doador.

Último recurso

"Após um TMF, há mais de 90% de cura sem recorrência, onde os antibióticos não curam mais que 30% a 40% nesta forma recorrente de colite. É realmente um tratamento que funciona muito bem", diz o Julien Scanzi, médico gastroenterologista em Clermont-Ferrand.

Transplante de fezes salva vidas
Julien Scanzi é médico gastroenterologista e hepatolista clínico e tornou-se especialista em transplante de microbiota fecal créditos: Thierry Zoccolan / AFP

Um mês e meio depois, Ghislaine Grenet "revive". Assim como outro paciente, Sasha, 7 anos, que não podia mais ir à escola, "porque ia à casa de banho 15 vezes por dia".

Hospitalizada por desidratação, a criança também desenvolveu uma infeção depois de tomar um antibiótico para tratar a bronquite. "O TMF foi o último recurso", disse a mãe, Aurélie, que "não acreditava muito" nessa terapia proposta hoje em uma dúzia de hospitais na França.

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Os benefícios das fezes

As virtudes médicas das fezes são conhecidas há muito tempo. Na China do século IV, o excremento já era administrado para tratar intoxicações alimentares graves e diarreia. Foi apenas em 2013, porém, que um estudo holandês valorizou cientificamente os benefícios.

Hoje, vários cientistas analisam os potenciais da terapia: existem cerca de 200 estudos em curso para encontrar novas aplicações. Porque as perspetivas são vastas: síndrome do intestino irritável, colite ulcerosa, doença de Crohn, diabetes, obesidade, doença de Parkinson, ou Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até alergia a amendoim.

"Pensa-se que a microbiota está envolvida em muitas doenças sem, necessariamente, ter um papel importante em todas as doenças. Hoje, estamos nos estágios iniciais da pesquisa para saber qual parte da mistura é responsável pelos efeitos terapêuticos", diz o professor Harry Sokol, no Hospital Saint-Antoine em Paris.

O gesto "não é trivial", ressalta. "Existe o risco de transmitir agentes patogénicos", acrescenta este gastroenterologista, que "recebe muitos pedidos" recusados por falta de "recursos humanos" e de "doadores".

As empresas já se posicionaram no nicho da flora intestinal. Nos Estados Unidos, o primeiro banco de fezes, "OpenBiome", foi criado em 2012.