“A cobertura tem sido bastante razoável, poder-se-ia fazer ainda um maior esforço de contextualização da informação, dever-se-ia falar dos riscos, ponderar aquilo que é uma situação que poderá ter ainda algum controlo. Acho que as pessoas ainda olham para isto como uma epidemia híper-descontrolada, acho que deveríamos dar a informação toda, mais de contexto, mas já não estamos na fase de alarme que caracterizou a informação ainda há poucas semanas e que originou todo este clima de permanente preocupação”, disse Felisbela Lopes, da Universidade do Minho.

Na opinião da especialista em televisão e media, houve uma primeira fase, em que a cobertura do COVID-19 foi “algo superficial, uma fase em que o surto era mediatizado sobretudo a partir do que estava a acontecer na China”.

“Quando houve os primeiros casos suspeitos em Portugal, tivemos uma cobertura que podemos caracterizar por algum alarmismo, mas isso também deriva daquilo que as próprias fontes oficiais foram fazendo, porque quando nós temos fontes oficiais, nomeadamente a Direção-Geral da Saúde [DGS], a promover regulamente conferências, quando em Portugal não havia ainda nenhum caso registado, com certeza que isso foi criando algum alarme social”, afirmou.

Felisbela Lopes aponta mesmo o dedo a uma má gestão da informação por parte das instituições, pois embora admitindo que a DGS pretendesse com essas conferencias partilhar informação, a verdade é que na altura tratava-se apenas de casos suspeitos.

“Houve, de facto, essa cobertura que pode ser caracterizada pelo traço de algum sensacionalismo”, considerou, apontando a entrevista que a diretora-geral da Saúde deu ao semanário Expresso, como “o clímax do que nunca se deveria ter feito”.

Nessa entrevista, fala-se de “um numero substancial de pessoas que poderiam ter sido infetadas, mas aquele número era um cenário, e o cenário, em jornalismo, as pessoas leem como casos reais”.

“Essa entrevista foi de tal forma sensacionalista, que eu acho que se fez aqui alguma reflexão, que coincide com os primeiros casos registados em Portugal, e aí as entidades foram equilibrando o seu discurso”, acrescentou, considerando que há agora um registo mais calmo,de contextualização e de apelo permanente a alguma colaboração das próprias pessoas.

"Parece que finalmente vamos encontrando algum ponto de equilíbrio para uma cobertura que vinha sendo feito de uma forma preocupante, mas gostava de sublinhar que não devemos apontar aqui a culpa aos jornalistas, porque essa cobertura, se foi feita assim, foi muito a reboque daquilo que as próprias fontes oficiais foram promovendo”, disse, defendendo que também "não deveria haver tantos governantes a falar no Covid 19, deveria centrar-se o discurso politico em menos pessoas”.

Francisco Rui Cádima, professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa (UNL), considera igualmente que tem havido uma “má informação e má sistematização da informação” por parte das autoridades e dá como exemplo a pouca informação relativa ao sistema de ensino.

O professor universitário conta que há três semanas, estranhando a ausência de orientações para o ensino superior, foi ver o que se passava em universidades estrangeiras de referência e ao consultar o ‘site’ da universidade de Cambridge verificou que toda a informação fundamental sobre a questão estava em destaque, quando em Portugal o próprio ‘site’ da DGS se limitava às informações básicas.

Na opinião de Francisco Rui Cádima, o erro dos jornalistas foi limitarem-se a reproduzir o discurso institucional: “não podem ficar só dependentes da informação institucional, têm que procurar as vozes críticas, as vozes dos cientistas, as vozes de quem está fora do espectro apenas institucional".

"Os jornalistas não podem apenas estar a servir de pé de microfone do discurso governamental", sublinhou.

Opinião um pouco diferente é a do sociólogo Gustavo Cardoso, professor do ISCTE e especialista em estudos da comunicação, do jornalismo e da Internet, que tem o entendimento de que foram os media que criaram uma “agenda setting” atrás da qual os partidos e as instituições sociais foram atrás.

Gustavo Cardoso fala também de uma cobertura mediática que antecedeu a ocorrência dos surtos na maior parte dos países.

“A partir do momento em que na China ocorre, começámos a ter muitas noticias, meses antes dos primeiros casos em alguns países, sobre o coronavírus”, afirmou, explicando que este é um comportamento que se explica com a natural preocupação do “e se?”.

No global, o especialista em comunicação entende que “tem havido um equilíbrio da parte dos jornalistas” e “também um equilibro da parte das diferentes forças partidárias em jogo”.

“Em termos de comunicação de crise, as pessoas parecem estar unidas em torno de um objetivo comum que é lidar com o problema. A seguir, se houver questões a discutir, é quando a epidemia estiver estancada”.

A epidemia de COVID-19 foi detetada em dezembro, na China, e já provocou mais de 4.300 mortos em 28 países e territórios.

O número de infetados ultrapassou as 120 mil pessoas, com casos registados em 120 países e territórios, incluindo Portugal, que tem 59 casos confirmados.

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