A rápida evolução do novo coronavírus apanhou todos de surpresa e também afetou a todos, direta ou indiretamente, como é o caso de Rodney Fernandes, um jovem de 27 anos, natural da cidade da Praia, que recebeu o diagnóstico a 01 de maio.

Mais de um mês depois, disse que falar do novo coronavírus é como falar da sua família, porque a doença infetou mais seis parentes, incluindo a mãe e a avó, de 92 anos, que viria a falecer alguns dias depois.

Mas o neto disse que não culpa diretamente a covid-19 pela morte da avó, uma vez que esta tinha outros problemas de saúde, como diabetes e hipertensão, que agravaram a sua situação clínica.

Rodney lamentou mais o facto de não ter podido despedir-se da avó, por o funeral ter sido limitado a apenas 16 pessoas, e também por a idosa não ter concretizado o desejo de ser enterrada ao lado do marido, em Assomada, concelho de Santa Catarina de Santiago.

“Era uma pessoa que poderia morrer a qualquer momento, mas morrer nesta época torna as coisas mais difíceis, mesmo para uma pessoa que não é paciente de coronavírus”, notou o neto.

Rodney Fernandes recorda também a luta que travou durante 22 dias até ter dois resultados negativos e sair do isolamento.

“Falar do coronavírus é também falar de uma luta que a nível mundial estamos a travar, mas também acredito que, como uma pessoa que contraiu a doença, posso dar o meu contributo a nível de experiência”, disse o jovem praiense à agência Lusa, para quem quanto melhor informação, mais as pessoas vão estar preparadas para vencer a doença.

Logo quando foi diagnosticado, Rodney passou três dias internado no Hospital Agostinho Neto, num período que considerou foi “mais difícil”.

“Foi difícil porque eu sou uma pessoa que nunca esteve internada, nunca levei pontos, e estar dentro de um quarto de hospital, vigiado apenas por uma janela de vidro, durante três dias, entre quatro paredes, tornou ainda a coisa mais assustadora, não conseguia nem dormir”, contou o jovem mestre em Engenharia, Computação e Instrumentação Médica pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto, em Portugal.

O período de internamento ficou mais “fácil” quando foi transferido para o hospital de campanha montado pelas autoridades de saúde na Residência de Estudantes da Escola de Hotelaria e Turismo de Cabo Verde (EHTCV).

E foi a partir do quarto que começou a relatar, através das redes sociais, a sua luta, primeiro denunciando as condições do isolamento e do tratamento dos profissionais de saúde, e depois com conselhos e apelos, em muitos “desabafos” que o tornaram numa das caras e vozes da luta contra a doença no país.

Mas quando regressou ao seu local de trabalho, no Núcleo Operacional da Sociedade de Informação (NOSi), Rodney foi surpreendido por uma decisão que o magoou e que considerou “precipitada”: teve “ordem superior” para ir para casa continuar em teletrabalho, com a explicação de que não podia trabalhar presencialmente por ter tido covid-19.

“Tive de escolher entre calar ou expor e, devido à minha luta, tive a necessidade de expor, para um bem maior, mas é porque estou sempre a criticar e a apontar o dedo para aquilo que deve melhorar, seja em qual instituição for”, esclareceu Fernandes, garantindo que não se arrepende de ter exposto a sua empresa, mas afirmou que poderia ter feito de uma forma “menos dolorosa”.

Se no local de trabalho, disse ter-se sentido discriminado, já na comunidade onde vive, em Achada de Santo António, afirmou que foi bem acolhido, mas conhece pessoas que sofreram na pele a discriminação por ser seu amigo.

“Mas eu não, porque sempre expus a minha luta, e eles aprenderam”, salientou, recordando que antes das publicações nas redes sociais pesquisava muito sobre a doença para poder transmitir a informação mais correta possível.

Como uma das caras do novo coronavírus em Cabo Verde, que, além das mensagens nas redes sociais, tem-se desdobrado em entrevistas, o engenheiro informático quer a partir de agora uma “luta saudável”, sem barreiras e com mais compreensão.

Rodney Fernandes considera que as autoridades cabo-verdianas têm melhorado a luta contra o novo coronavírus, não tanto pelas críticas que faz, mas “por ironia do destino”.

“Está a tornar-se numa luta muito mais saudável. Hoje estamos muito mais bem preparados e os números não assustam tanto”, avaliou o engenheiro informático, que viveu durante mais de seis anos em Portugal e tem também nacionalidade portuguesa.

Rodney Fernandes afirmou que está a aprender “todos os dias” com a batalha contra a doença, mas também contra a discriminação e o preconceito. E, apesar de admitir que o faz de uma forma mais dolorosa, quer continuar a luta.