O Grupo Ativistas em Tratamento (GAT) é uma das organizações que faz mais testes no país, mas neste momento o número de testes realizados “é residual”, disse hoje à Lusa o diretor-executivo da organização.

Para Ricardo Fernandes, esta situação “é grave”: “Pode haver pessoas com infeções sexualmente transmissíveis, com VIH, que não sabem e que a única maneira que têm é adquirir um autoteste numa farmácia, mas tem que ter posses financeiras para o fazer e nós fazemo-lo gratuitamente”.

A presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS), Eugénia Saraiva, contou, por seu turno, que “há pessoas a comprarem o autoteste na farmácia” e a terem resultados positivos” que ligam a pedir ajuda.

“Claro que existe uma linha SNS 24 que dará a resposta para um centro de saúde”, que depois encaminha para um hospital, mas não era isso que as pessoas nesse momento faziam.

Como razões para os testes estarem parados, Ricardo Fernandes apontou a diminuição da procura, porque as pessoas estão em confinamento, e a falta de material de proteção para os técnicos e para os utentes.

“Neste momento, é muito difícil comprar álcool, gel, viseiras, máscaras, fatos no mercado e isso faz com que tenhamos muitas dificuldades em operar também, o que nos leva a pensar que há muitas pessoas que precisariam de fazer o teste e não o conseguem fazer”, lamentou.

A falta deste equipamento também foi apontada pela LPCS e pela associação Abraço.

“Estamos todos centrados, com medo, e isso é natural da covid-10, mas não podemos esquecer que existem outras doenças, existem outras e outras infeções que merecem também a nossa atenção”, alertou Eugénia Saraiva.

O VIH, as infeções sexualmente transmissíveis, as hepatites víricas são uma preocupação para LPCS, a qual refere que “está disponível para rastrear” estas doenças, mas para isso os profissionais têm de estar protegidos com viseiras, máscaras, luvas e fatos.

Ao abrigo do seu plano de contingência, a Liga tinha algumas máscaras, mas neste momento não tem “qualquer poder económico para as adquirir”, lamentou Eugénia Saraiva.

“Somos uma instituição de solidariedade (…) que nunca mais viu entrar qualquer donativo”, mas “vai continuar a distribuir os bens alimentares” a quem precisa com “todas as precauções, embora sem qualquer proteção”, declarou.

Estas dificuldades também foram relatadas pela presidente da Abraço, Cristina Sousa, que disse ser muito difícil adquirir estes equipamentos.

A Abraço presta apoio domiciliário e tem equipas no terreno, mas a grande dificuldade neste momento é protegê-las porque o material de proteção individual “é insuficiente e está muito caro”.

“Tínhamos um stock de máscaras que nos sobrou da gripe A, já lá vão 10 anos, e é o que nos tem valido, temos pedido apoios às autarquias, a particulares e estamos na expectativa que nos chegue alguma coisa”, adiantou Cristina Sousa.

As organizações alertam ainda para a necessidade de se retomarem as consultas de infecciologia e da PrEP [profilaxia pré-exposição da infeção por VIH].

Com as consultas suspensas desde março, “as pessoas começam a entrar numa espiral de grande ansiedade e cabe-nos a nós fazer baixar essa ansiedade e fazer a gestão do stresse emocional”, disse Eugénia Saraiva.

“Mas estamos muito preocupados e queremos acreditar que em breve as consultas de infecciologia e da PrEP voltem a estar disponíveis”, declarou.

Esta preocupação é partilhada por Ricardo Fernandes, para quem, neste momento, o seguimento das pessoas com VIH está comprometido.

Apesar de haver seguimentos por via telefónica, os médicos mandarem realizar análises a alguns doentes e os casos mais complicados ser seguidos por infeciologistas, Ricardo Fernandes considera que vai haver consequências desta situação.

“Provavelmente, vai haver alguns abandonos e falta de adesão à terapêutica e algumas pessoas que vão desaparecer do sistema”, sublinhou.

Eugénia Saraiva salientou que a covid-19 é “uma infeção democrática, porque atinge qualquer um”, mas atinge sempre “os mais vulneráveis”, como as pessoas que vivem com a infeção por VIH e que perderam o seu emprego.

“Cabe também às organizações dizer a estas pessoas que não estão sozinhas e que estamos a procurar soluções para que voltem a ter as suas consultas, a poder fazer as suas análises e a sua medicação da forma, o mais possível, normal”, rematou.