Como se pode caracterizar a literacia da saúde nas camadas mais jovens? Quais as diferenças para as outras faixas etárias?

Se considerarmos os jovens as pessoas de faixas etárias dos 12 aos 25 anos, existem poucos estudos sobre o nível de literacia em saúde dos jovens. Vamos encontrando de forma parcelar por exemplo na área da literacia digital, na alimentação, comportamentos, mas especificamente na área da literacia em saúde há poucos. O questionário europeu de literacia em saúde (2016) abrangeu jovens dos 18 anos e mais velhos, mas já se passou algum tempo. Recentemente houve alguns estudos sobre jovens universitários e os indicadores revelam falhas de literacia em saúde. A pergunta que devemos fazer é se essa falha se deve a desinteresse pela matéria, uma vez que são saudáveis e, por isso, não se interessam tanto pelas questões da saúde, embora, muitos destes jovens tenham preocupações com o corpo, com a atividade física e alimentação.

Mas estamos melhor ou pior do que há 10 anos nessa matéria?

Quando refere 10 anos, refere-se a 2012. Nesta altura os estudos sobre literacia em saúde em Portugal com amostras razoáveis não existiam, pois o primeiro para a população adulta, acima dos 18 só foi publicado em 2016.

Os poucos estudos que investigam a literacia dos adolescentes e a literacia em saúde mostraram que a baixa literacia e a baixa literacia em saúde está associada a comportamentos de risco, incluindo o uso de tabaco, comportamentos problemáticos, obesidade, e níveis mais baixos de comportamentos promotores da saúde.

Havendo falta de dados concretos em Portugal podemos pressupor um determinado estado, pelo fato de terem acontecido um conjunto de eventos que implicam modificações nas atitudes e comportamentos, como o caso da pandemia, em que os jovens vivenciaram durante um largo período uma quase ausência de “corpo físico” dos seus amos, muitas vezes dos seus familiares mais velhos, como os avós, geralmente associados a fatores emocionais e afetivos.

Havendo uma brecha na afetividade, naturalmente os jovens se ressentem disso, mesmo aqueles aparentemente muito digitais. Muitas vezes esse ato, por vezes não consciente, de se esconderem atrás das redes denuncia falta de afetividades, sobretudo no núcleo familiar. E isso tem impacto na literacia em saúde que integra um elemento essencial que a “motivação” e está associada de forma indelével á emoção para a ação.

Quais as principais falhas/aspetos a melhorar no que toca à literacia na saúde nos jovens?

Parece-me que uma das principais falhas é não os ouvirmos. Ouvir significa escuta ativa, empoderá-los, fazê-los participar, evidentemente de acordo com a idade respetiva. Mas mesmo os mais novos, com 12 ou 13 anos já podem participar, envolver-se, avaliarem situações. Faltam painéis de debates tranquilos com jovens, envolvendo-os através do que eles gostam, do digital, de serem reconhecidos, de saberem que “eles contam” e que nos podem contar, a nós, os adultos como construir uma vida melhor e mais participativa. Se nos substituímos constantemente aos jovens, é natural que também o seu nível e literacia em saúde baixe.

O e-book “A Literacia em Saúde e os Jovens” encontra-se disponível no site da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde www.splsportugal.pt e no site da Ponteeditora em https://ponteditora.org/loja/.
O e-book “A Literacia em Saúde e os Jovens” encontra-se disponível no site da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde e no site da Ponteeditora

Vários estudos têm reportado um menor uso de métodos contracetivos na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens. Como se explica estas mudanças?

O não reconhecimento do perigo denota um estádio próprio das idades mais jovens. Mas voltamos aos fatores essenciais da literacia em saúde que significa que devemos dar competências as pessoas, e isso significa mais conhecimento (saber), mais capacidade (fazer) e desenvolvimento de atitude e atributos (o ser). Estes três componentes chave das competências são essenciais. A forma como os motivamos para a ação é outro fator chave. Dá trabalho? Sim. Dá trabalho. Mas vale sempre a pena. Se nos lembrarmos todos os dias que os jovens são a força de uma nação daqui a 10 anos, estamos mais empenhados em avaliar o que eles querem ser, fazer e saber.

Em que outras áreas se podem notar involuções?

Não considero que haja involuções. Se consideramos uma juventude na década de 40, 50, 60 e olharmos para os jovens atualmente, têm uma capacidade maior em muitas áreas. Os jovens precisam de estratégias que vão ao encontro deles e lhes sejam significativas.

O que podem os portugueses esperar do E-Book “Literacia em Saúde e os Jovens?” Quais as principais temáticas abordadas neste livro digital? Qual a importância deste objeto?

Caminhos, ideias e propostas. Como dizemos no livro, “no processo de acompanhamento dos jovens, a comunicação é a chave, quase mágica que separa a compreensão da incompreensão, a razão da incerteza. Em saúde a comunicação é uma chave potente que abre as portas do entendimento”. Queremos debater em viva voz com os jovens e, por isso, a seguir a este livro vamos abrir as “miniassembleias de jovens” para que eles digam pela sua própria voz. Este livro é uma abertura para a participação, para o maior empoderamento daqueles que são a geração deste futuro que estamos a construir hoje. Não pretendemos ensinar, mas pretendemos motivar quem está com os jovens e, por isso, também investir em competências parentais, competências dos educadores, dos profissionais de saúde, na rede que ajuda a apoiar e a transformar. Queremos estar também no caminho dos que interagem dia a dia com os jovens e os ajudam a fortalecer a sua saúde e a tomarem as tais decisões acertadas e responsáveis de acordo com a sua idade, contexto e envolvimento. Este é um papel essencial da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde.

O livro apresenta uma reflexão sobre estratégias para aumentar a literacia em saúde junto dos jovens. Que medidas reconhecem ser urgentes no que respeita a esta equação? Como avalia o interesse dos jovens portugueses por literacia em saúde?

Os adolescentes estão a desenvolver comportamentos e hábitos de saúde ao longo da vida, e as competências que tiverem em literacia em saúde podem apoiar estilos de vida informados mais na procura de saúde.

Há necessidade de se medirem os efeitos dos programas escolares, de os fazer em parceria com instituições de saúde, que visem a promoção de competências de literacia em saúde, mas que estas estratégias se centrem na palavra, e nas vontades destes jovens.

Os adolescentes são futuros utilizadores independentes do sistema de saúde, e os jovens adultos que têm mais literacia em saúde podem contribuir para uma redução de maus resultados de saúde.

A maior literacia em saúde e a maior literacia em saúde digital capacitam os jovens para decisões mais conscientes e responsáveis sobre a sua saúde e a dos seus pares com quem se identificam (para além da família). Tudo o que os jovens considerarem significativos, seja ao nível das emoções, do corpo, das suas relações com os seus pares, das atividades como a música ou dança têm potencial promissor de literacia em saúde

Qual o papel do profissional de saúde no que toca à promoção da Literacia em Saúde dos jovens?

O profissional de saúde tem um papel fundamental em facilitar o acesso e a compreensão dos conteúdos que são abordados e motivar o jovem através da educação por pares, gamificação, da arte, do humor, mostrando a mais-valia e as vantagens em melhorar os seus níveis de literacia em saúde que ficam para a vida. O profissional deve motivar o jovem a ser um influenciador junto dos seus pares. Ensinamos os jovens, para que eles nos seus grupos ou trios sejam educadores de outros. Os comportamentos que adquirem são importantes para toda a sua vida. O acesso a informação não é conhecimento. Os profissionais têm de envolver os jovens e muitas vezes são os profissionais que não têm preparação para falar a linguagem dos jovens. Mesmo nos próprios jovens a linguagem é diferenciada.

A sexualidade pode começar mais cedo em comunidades mais carenciadas do que em comunidades com poder económico maior. Não podemos “vomitar” conteúdos com metodologias ultrapassadas. A sexualidade é uma questão estruturante e continua a haver obstáculos não apenas na comunicação como nas intervenções adaptadas a estas gerações.

A telemedicina e os cuidados de saúde prestados à distância são já uma realidade global, e também crescente em Portugal. Que estratégias reconhece serem necessárias no que respeita à literacia em saúde digital?

A geração Z e Alpha nasceram no digital e é preciso aproveitar estes meios para melhorar a literacia em saúde. A gamificação é essencial para abordar conteúdos de saúde. Este é um caminho inadiável. Um combate mais sério a desinformação é essencial. Os adolescentes estão a usufruir e a aceder cada vez mais a serviços de saúde online, uma vez que também os sistemas de saúde têm evoluído para serviços baseados na Internet, e acrescentamos, como foi o caso desta pandemia, COVID-19.

O e-book “A Literacia em Saúde e os Jovens” encontra-se disponível no site da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde www.splsportugal.pt e no site da Ponteeditora em https://ponteditora.org/loja/.