Ao consolidar e universalizar a reforma de 1971 de Baltazar Rebelo de Sousa/Francisco Gonçalves Ferreira, o SNS é uma das mais significativas conquistas da revolução de 1974. Fui, sou e serei um defensor do SNS. Defendo, porém, que o SNS só deve ser imutável na universalidade e gratuitidade. No restante, desde que mantidos estes princípios, devem ser introduzidas reformas e soluções que o mantenham viável e sustentável.

Em utopias desejadas por ideologias radicais, o contributo dos sectores privado e social deveriam idealmente desaparecer. Em nome da pureza original do SNS. Só que o projeto que acalentam é a forma mais rápida de o tornar insustentável: os gastos totais em saúde deste país em 2018 (SNS, subsistemas, seguros, gastos diretos, etc.) rondaram os 17.350 milhões de euros. No Orçamento Geral do Estado (OGE), a parte que cabe ai SNS foi apenas de 9.700 milhões. Ou seja, se o SNS já é pago com os impostos de todos nós, os 7.650 milhões restantes saem-nos diretamente do bolso. Quase tanto como o Orçamento do SNS!!!

Poderá qualquer OGE realista acomodar sequer uma parte dessa quantia?

Que fariam os defensores da estatização completa de todo o Sistema de Saúde, se acabarem os subsistemas de saúde (todos sustentados pelos próprios beneficiários), os seguros de saúde, e tudo o mais que os portugueses pagam para completar as suas necessidades em saúde? Imagine-se que a ADSE acaba. O que acontecerá ao SNS? Os beneficiários da ADSE pagam os seus impostos. Tal como os outros portugueses têm direito a recorrer ao SNS. Porém preferem descontar 3,5% do seu salário para, mediante livre escolha, terem acesso a cuidados privados de saúde.

Esses descontos cobrem integralmente as necessidades em saúde dos 1.200.000 beneficiários da ADSE. Se forem dados ouvidos a vozes mais radicais e a ADSE acabe, o SNS será inundado pelas necessidades em saúde de mais um milhão e duzentas mil pessoas que até aí a ele não recorriam e vai à falência pois não tem capacidade de aguentar uma situação destas.

Hoje mais de 30% da população tem seguro de saúde, com coberturas mais ou menos extensas, mas todas elas permitindo que o segurado recorra a estruturas privadas, poupando assim os parcos recursos do SNS. Se tudo isso for dificultado e essas pessoas recorrerem apenas ao SNS que acontece a este?

Diz-nos a história que as utopias sempre terminaram em distopias. É pois urgente recusar ideologias que ditarão a insustentabilidade do SNS esperando-se antes uma política que salvaguarde realmente o seu futuro. O SNS, que é central para a estabilidade da nossa democracia, não pode ser destruído por radicalismos pequeno-burgueses de fachada socialista.

Um artigo de opinião do médico Germano de Sousa, Anterior Bastonário da Ordem dos Médicos.