Na sequência do encerramento da junta médica de Angola em Portugal, que aconteceu em fevereiro, dezenas de doentes regressaram a Angola, mas a maioria optou por permanecer em Portugal, alegando que precisavam de continuar a receber tratamentos que afirmam não existir no seu país.

Na altura, o Governo angolano afirmou que, antes do fecho desta junta médica encontravam-se em Portugal 385 cidadãos, entre doentes e acompanhantes. O fecho da junta seguiu-se a uma auditoria que avaliou os doentes e terá detetado “vários abusos no uso deste mecanismo”.

Em fevereiro regressaram 27 doentes, que se juntaram aos 17 que já tinham optado por voltar, por meios próprios, porque tinham a sua situação de saúde resolvida. Ficaram 47 doentes e 20 acompanhantes, a receber apoio do Estado angolano, com regresso previsto até ao final do ano.

Os outros cerca de 100 doentes que optaram por não regressar ficaram por conta própria e sem o apoio do Estado, nem para o pagamento do quarto na pensão onde ainda vivem, nem para despesas. Continuaram, contudo, a receber tratamento médico, ao abrigo do acordo entre Angola e Portugal na área da saúde.

O presidente da ADAP, Gabriel Tchimuco, disse à agência Lusa que os doentes que optaram por ficar em Portugal fizeram-no para sobreviver, pois não têm resposta clínica em Angola.

Trata-se, sobretudo, de doentes transplantados ou que realizam hemodiálise, além de casos oncológicos.

Gabriel Tchimuco, que foi sujeito a um transplante renal em Portugal, foi um dos que regressou a Angola e teve de voltar, pois não encontrou resposta clínica ao nível dos exames e medicamentos.

“Quis saber onde faria os tratamentos, qual o hospital, mas não me conseguiram dar resposta. Beneficiei novamente de uma credencial de junta. Vim novamente de junta porque tive de dar o peito às balas e ir a Luanda por causa disso”, contou.

Até ao momento, “apenas regressaram três ou quatro dos doentes que foram”, porque as autoridades “tiveram de reconhecer que não há condições para os transplantados renais em Luanda, não só por causa da questão medicamentosa, mas também laboratorial, cirúrgica”, prosseguiu.

O presidente da ADAP indicou ainda que, dos doentes que regressaram, morreu um que tinha sido sujeito a uma traqueostomia, bem como uma criança que tinha recebido um transplante de medula. Um outro doente morreu recentemente em Portugal.

Gabriel Tchimuco lamenta sobretudo a indecisão das autoridades angolanas que deviam ter definido em que circunstâncias clínicas um doente deve permanecer em Lisboa.

“Deviam fazer um ofício, os doentes em situação y, devem permanecer em Portugal. Eu vim, com uma credencial para um mês, mas há muitas coias para fazer, exames para fazer, não sou o único doente do hospital, há uma lista”, sublinhou.

As preocupações estendem-se aos doentes que, temendo pela própria vida se voltassem a Angola, por alegada falta de resposta médica para as suas patologias crónicas, ficaram por conta própria em Portugal.

“A vida não tem preço. Muitos de nós temos condições em Angola, mas depois temos o problema das condições hospitalares. Ir para Angola é uma eutanásia antecipada”, referiu.

Alguns dos doentes que ficaram por sua conta “têm algum apoio do Estado português, que dá para sobreviver, não dá para viver, mas dá para sobreviver”.

A ajuda também chega de familiares, amigos e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e da Igreja Evangélica, que “tem ajudado muito”, sobretudo ao nível da alimentação e, em alguns casos, em apoio no alojamento.

A partilha de quartos por vários doentes também tem sido uma solução adotada para quem não tem mais meios, mas prefere ficar em Portugal.

Estas preocupações ficaram explanadas numa carta que a ADAP endereçou recentemente ao ministro dos Negócios Estrangeiros português, a quem a associação afirma que está a ponderar requerer um “pedido de proteção subsidiária de abrigo em Portugal ou num Estado da União Europeia”.

Na missiva, a que a Lusa teve acesso, os representantes dos doentes angolanos em Portugal acusam o Governo de Angola de colocar “todos os doentes sem abrigo, sem apoio alimentar, transporte e outros meios de necessidades vitais, humanamente imprescindíveis”.

“Sendo o direito à saúde universal, reiteramos aqui um pedido de urgente intervenção num quadro de solidariedade humana no domínio da saúde, ou no limite ver-nos-emos forçados a requerer pedido de proteção subsidiária de abrigo em Portugal ou num Estado da União Europeia”, prossegue a carta.