Quer uma Ordem unida, envolvendo todos os médicos, dando-lhes voz e sendo o veículo da mesma junto da comunidade e dos decisores, numa postura independente, “apenas comprometida com o bem-estar da nossa população”. Em entrevista ao nosso jornal, explica que é “ouvindo todos que podemos ter a noção das preocupações e encontrar soluções em conjunto, tornando a OM mais respeitada mais prestigiada, e mais inclusiva”.

HealthNews (HN)- O principal objetivo declarado da sua candidatura é criar uma Ordem mais forte, independente, de rigor e de excelência. Como é que se concretizam na prática estes desideratos?

Fausto Pinto (FP)- O objetivo geral de uma Ordem dos Médicos é poder, acima de tudo, contribuir para a melhoria da saúde das populações através de uma classe médica forte. Ora, uma classe médica forte consegue-se tendo uma Ordem que saiba defender os valores da medicina, quer em termos éticos, quer deontológicos, quer ainda na sua articulação com a tutela e na sua intervenção no terreno. E tem de ser forte também na vertente formativa do pré-graduado ao pós-graduado, e poder ter capacidade de intervir na contribuição para aquilo que são as políticas de saúde, que obviamente são da responsabilidade dos governos, mas nas quais a Ordem pode ser uma referência. Portanto, é essencial que a Ordem seja ouvida, respeitada, ver reconhecida essa integridade e essa força para poder contribuir através daquilo que são os agentes principais da saúde, que são os médicos. Obviamente que há muitos profissionais da saúde, são todos importantes, mas os médicos são o elemento fulcral daquilo que é a prestação de saúde. Não há medicina sem médicos, não há saúde sem médicos. Portanto, ter uma estrutura que possa de facto ter a capacidade de, na sua intervenção, reforçar, quer na vertente formativa, quer em toda a evolução da carreira médica, vai-se traduzir na saúde das populações. Não há saúde sem médicos e não há saúde de qualidade sem médicos fortes, pelo que lutarei “Por uma Ordem forte, para uma saúde forte”. A OM tem um papel de enorme responsabilidade na preparação das novas gerações de médicos para os grandes desafios do futuro, preparando o médico do século XXI.

HN- Esse desiderato da Ordem não tem sido completamente cumprido até aqui?

FP- Tem, com certeza. Os meus anteriores colegas têm feito o máximo para que isso fosse uma realidade. Mas o mundo evolui, e temos que estar atentos àquilo que são as evoluções, àquilo que é a dinâmica da vida, e da saúde em particular. E, portanto, tem que ser uma Ordem que de facto seja ágil, uma Ordem que esteja mais desburocratizada para poder agir de forma mais adequada e estar disponível para, em colaboração com a tutela e com os agentes que intervêm no terreno na área da saúde, poder ser um parceiro disponível, aberto, competente e com a capacidade de poder dar essa contribuição – o que tem sido feito, obviamente. Penso que as pessoas que têm estado à frente da Ordem têm procurado isso; mas, olhando para o futuro, é necessário ter alguém que continue a saber fazer a leitura das alterações que o mundo vai tendo. Veja-se o que se passou nestes últimos anos com a pandemia, vejam-se os desafios que vêm aí pela frente em relação à necessidade de uma certa readaptação dos modelos de saúde àquilo que é a realidade hoje em dia e que se prevê em termos futuros.

HN- Uma candidatura pressupõe alguma preocupação no sentido de necessidade de mudança. Quais são os principais problemas que deteta neste momento na Ordem?

FP- Não gostaria de falar de problemas da Ordem, mas dos problemas da saúde. Estou convicto de que neste momento, precisamos de uma Ordem interventiva. Mas interventiva no seu plano de competências, que não é, por exemplo, o de ser um sindicato. A Ordem não é um sindicato. A Ordem deve ser a referência em termos daquilo que é a saúde e daquilo que são as referências em termos de saúde, e deve estar preocupada em acompanhar os problemas na área da saúde em termos genéricos, da formação do pré-graduado, à formação pós-graduada, à organização de um sistema de saúde. Eu defendo um sistema de saúde integrado.

HN- E como é que se estabeleceria essa ligação entre as várias vertentes do sistema?

FP- Este não é um cargo de governo. É, isso sim, um cargo, acima de tudo, de aconselhamento e de referência. No fundo é isso que a Ordem é: uma referência, e deverá ser vista como uma referência. E aquilo que nos compete é poder mostrar, ajudar e contribuir, para poder, com ideias, com exemplos, com casos concretos, ajudar a tutela depois a decidir. E a integração do sistema de saúde privado, público e social é algo que existe em vários países por esse mundo fora, nomeadamente na Europa. Ou seja, o que é garantido aos cidadãos é o acesso à saúde (não diz se é privado, público ou social). Aquilo que qualquer governo deverá ter é a capacidade de poder cumprir esse desiderato. Apoiarei o conceito de um sistema de saúde inclusivo nos seus vários componentes (Público, Privado e Social) que deverá ser o garante da Saúde de todos os portugueses. O modelo a seguir, obviamente terá de ser visto em função da nossa realidade concreta. Agora, o princípio de poder haver a capacidade de acesso à saúde independentemente da prestação ser feita por um sistema privado, público ou social, existe noutros países e constitui uma garantia do acesso sem atrasos significativos, de forma adequada. Vivemos um momento ideal de introduzir as modificações necessárias no nosso sistema de saúde, para o tornar mais competitivo, mais atrativo, mais equitativo, mais inovador, porque resiliente já ele é, e quem nele trabalha, também.

HN- Sugeriu aqui há um tempo que o problema não é tanto a falta de médicos, mas sim a má gestão dos recursos humanos. Como é que vê de facto essa questão? Não há mesmo falta de médicos?

FP- Em termos absolutos, não! Nós somos o terceiro país da OCDE no rácio de médicos – temos à volta de 60 mil médicos em Portugal. Estamos acima daquilo que é a média da OCDE. Agora, se me perguntar se há falta de médicos em determinadas especialidades, em determinadas áreas, em determinadas regiões, é evidente que sim, mas essa falta não tem a ver com o número de médicos que estão disponíveis ou que existem em Portugal. Tem a ver, acima de tudo, com a forma como o sistema está organizado, todo um conjunto de outros aspetos relacionados com a própria organização do sistema e que têm levado a que haja uma distribuição assimétrica; uma gestão que acaba depois por ter como consequência haver este desequilíbrio. E é por isso que nós na altura defendemos que não faria muito sentido estar a aumentar o número de vagas, ou mesmo o número de faculdades. Apenas por esta razão, porque era, no fundo, estar a contribuir para um aumento a montante do número de médicos, que não teriam saída depois, por não existir a capacidade formativa para poder acomodar todos os médicos que são formados. Por ano, ficam cerca de 500 a 600 médicos sem colocação, e essa é uma das preocupações que tenho; o que vamos fazer com essas pessoas?

HN- Mas muitos desses médicos não são colocados por vontade própria. Na Medicina Geral e Familiar temos um número elevado de médicos que não concorrem às vagas.

FP- Tem de se distinguir aqui dois momentos: o momento em que se escolhe a especialidade e o momento em que, depois de se ter a especialidade, se escolhe uma vaga, quando ela abre, nos centros de saúde, nos hospitais, etc. E no ano passado, pela primeira vez, sobraram algumas vagas de especialidade. Foi a primeira vez que isso aconteceu, e isso é de facto bastante preocupante, e vamos ter de refletir – por um lado, perceber o porquê disto, e, por outro lado, encontrar soluções que possam responder a este tipo de problemas. Ou seja, por um lado, temos claramente falta, nalgumas zonas, de determinado tipo de especialidades, nomeadamente na área da Medicina Geral e Familiar e da Medicina Interna, entre outras; por outro lado, quando se abrem vagas para a própria especialização, estas acabam por não ser preenchidas.

HN- Vamos à Medicina Geral e Familiar. Se todos os médicos daquela vaga de 74-77 se reformarem até ao final do próximo ano, como é suposto, nós vamos ter 2.5 milhões de utentes sem médico de família, e, no entanto, temos o problema das vagas por preencher, das pessoas não quererem ir trabalhar para fora dos centros urbanos. Como é que se resolve um problema destes?

FP- Tem a ver, em primeiro lugar, com planificação. A planificação de poder atempadamente identificar quais vão ser as necessidades do país no curto, médio e longo prazo é algo que me parece essencial. Nós sabemos quantas pessoas entraram nos vários anos e as suas idades. Portanto esta planificação é algo que seria, eu diria, básico ser feito em termos atuais e em termos futuros. Depois obviamente que há todo um conjunto de análises que devem ser feitas para encontrar soluções, para responder àquilo que é neste momento a incapacidade de poder preencher estes lugares. Isso passa com certeza por condições remuneratórias, condições de trabalho. Enfim, há todo um conjunto de condições que devem ser acauteladas para não acontecer aquilo que está a começar a acontecer e que se prevê que, se não houver uma intervenção mais ativa, possa criar uma situação complexa, com as tais assimetrias que se vão acentuar ainda mais, sobretudo se não for visto o sistema como um todo. Ou seja, a capacidade de o sistema responder como um todo deve ser assumida de forma muito objetiva, porque neste momento temos uma capacidade instalada com um número significativo de médicos, que estão repartidos entre vários sistemas, e era importante analisar isso e ver até que ponto é que não se deveria ter aqui uma estratégia que permitisse a utilização dos recursos que temos ao dispor no país. Mas, para isso, obviamente tem de haver intervenção política.

HN- As relações com a tutela não têm sido as melhores. Tem havido pouco diálogo. Pretende mudar isso?

FP- É fundamental que a Ordem dos Médicos tenha uma relação o mais aberta possível com a tutela, seja ela qual for. Portanto, aquilo que é articulação de uma Ordem com o Governo, em particular com o Ministério da Saúde, mas também com o Ministério do Ensino Superior, entre outros, é fundamental. Tem que haver uma postura de grande colaboração. Colaboração não é subserviência, obviamente, mas também não deve ser oposição. A Ordem deve ter uma postura, e em particular o bastonário, de se disponibilizar para ser parte da solução e não do problema. Portanto, a minha postura será sempre de grande colaboração, de grande abertura para com qualquer tipo de tutela que tenhamos, e acho que é isso que é essencial para o país e para a saúde dos portugueses.

É ouvindo todos que podemos ter a noção das preocupações e encontrar soluções em conjunto, tornando a OM mais respeitada mais prestigiada, e mais inclusiva.

HN- Caso venha a ser eleito bastonário, pondera suspender algumas das suas atuais funções nas diversas entidades nacionais e internacionais em que intervém como dirigente?

FP- Por questões de timing, acaba por ser uma feliz coincidência, porque eu termino o meu mandato à frente da direção da Faculdade de Medicina agora em julho e termino o meu mandato como presidente da Fundação Mundial do Coração em dezembro. Portanto, duas das posições que tenho atualmente vão esvaziar-se por si. Médico serei sempre e manterei sempre a minha atividade clínica, obviamente condicionada, o que, aliás, os meus colegas têm feito de uma forma geral. Obviamente que condicionada àquilo que será a avaliação também do tempo que é necessário disponibilizar para esta função. Trago comigo a experiência acumulada ao longo dos anos, na liderança de diferentes instituições e organizações dentro e fora de portas, transportando assim, um espírito de excelência e rigor que seguramente contribuirão para o reforço do prestígio inerente a uma Ordem dos Médicos. Nunca descurarei, obviamente, nenhuma das funções para as quais tiver de assumir responsabilidade. Nunca o fiz ao longo da minha vida e irei seguramente continuar assim.

HN- Como se irá caraterizar a sua liderança à frente da Ordem, caso venha a ser eleito?

O meu estilo de liderança tem sempre sido o de trabalhar em equipa. A minha forma de liderar é trabalhar em equipa, delegar, responsabilizar, e não de centralizar tudo em mim, ou ser um micromanager. Sou mais um macromanager. É isso que tem sido a minha forma de exercer liderança, sempre com equipas à minha volta, responsabilizando-as, e com isso criar condições para trabalhar em conjunto, ouvindo, disponibilizando, envolvendo as pessoas. Pretendo continuar a fazê-lo. Agora, obviamente que sendo eleito, como espero, isso irá ter como consequência não aceitar outro tipo de cargos, para além dos que tenho medicamente.

HN- Uma última questão que tem a ver com o ensino da medicina. No que é que é preciso mexer? É preciso alterar alguma coisa?

FP- O ensino da medicina tem de ser sempre visto de uma forma dinâmica. Os modelos de formação em medicina devem ser sempre avaliados de forma prospetiva e quem os estabelece deve ter também a capacidade e a visão para ajustar e mudar aquilo que tem de ser mudado. Nós, por exemplo, na Faculdade de Medicina, temos vindo a fazer isso ao longo dos anos. O nosso modelo tem sofrido algumas modificações, para adaptar àquilo que é o ensino moderno da Medicina.

Por exemplo, ainda recentemente abrimos um grande centro de simulação, que é uma área relativamente nova do ensino da Medicina, e que estamos a adaptar ao ensino quer pré quer pós-graduado, assim como a utilização, por exemplo, de atores, que já há algum tempo fazemos na nossa faculdade, a utilização de modelos, a própria organização do ensino, quer do pré-clínico, quer do ensino clínico, de forma a ser adaptada às formas mais modernas de ensinar Medicina. Mas a postura tem sempre de ser uma postura de capacidade de visão e de definir estratégias dinâmicas que estejam de acordo com aquilo que é a evolução da medicina.

HN- As escolas que existem são suficientes, ou encara a possibilidade de se abrirem novas escolas?

FP­- Isso não depende da Ordem. Aquilo que lhe posso dizer, utilizando os números internacionais e objetivamente, é que a regra utilizada de uma escola médica para dois milhões de habitantes já está largamente ultrapassada em Portugal. Nós, neste momento, temos oito escolas médicas públicas e mais uma escola privada muito recente. Temos nove escolas médicas. A Alemanha tem 40 milhões de habitantes e 40 e poucas escolas médicas (só para dar um exemplo). E, portanto, eu diria que neste momento interessa acima de tudo requalificar e apostar nas escolas médicas que temos, reforçá-las, dar-lhes mais condições, quer estruturais, quer financeiras. Não me parece que num país com 10 milhões de habitantes seja necessário estar a abrir mais escolas médicas, na perspetiva de que as escolas de Medicina servem acima de tudo, para formar médicos, embora obviamente haja outras saídas profissionais. Mas o paradigma que tem sido seguido em Portugal é o de que as escolas de Medicina são sobretudo para formar médicos, portanto isso deve estar adaptado, dentro do princípio de que a formação de um médico é uma formação cara e é uma formação que deve ser consonante com as necessidades do país. Nesse sentido, acho que temos um número mais do que suficiente de escolas médicas. Temos é que reforçar esse papel.

Compromissos eleitorais

Enquanto Bastonário da Ordem dos Médicos, assumo o compromisso de:

➡ Contribuir para a concretização de um Sistema de Saúde inclusivo nos seus vários componentes (Público, Privado e Social) que deverá ser o garante da Saúde de TODOS os portugueses.

➡ Promover uma OM desburocratizada, voltada para fora, ao serviço dos cidadãos.

➡ Impulsionar uma maior interação e ligação da OM às Universidades/Academias, reforçando a intervenção da OM na formação médica, desde o ensino pré ao pós-graduado.

➡ Criar as condições necessárias para garantir maior equidade na Saúde, nas suas mais variadas vertentes, incluindo uma maior participação dos jovens médicos.

➡ Criar um Gabinete dos Jovens Médicos (Internos e recém-especialistas), diretamente ligado ao Bastonário, para dar uma maior resposta aos naturais anseios dos médicos do Futuro, garantes do bem-estar da nossa população.

➡ Criar um Gabinete de Apoio aos Médicos Aposentados, o outro extremo da pirâmide etária, tantas vezes esquecido, numa demonstração que a OM é para TODOS, dos mais novos aos mais velhos.

Entrevista de HealthNews, pode aceder à revista aqui