A investigação, publicada hoje na edição de outubro da Acta Médica Portuguesa, a revista científica da Ordem dos Médicos, visou descrever os hábitos de sono destes dois países africanos lusófonos, tendo para isso aplicado um questionário com o objetivo de determinar as variantes com maior influência.

Segundo o artigo, a que a agência Lusa teve acesso, participaram nesta investigação 206 crianças cabo-verdianas, com uma idade média de 5, 6 anos. A amostra de Moçambique contou com 445 crianças com uma idade média de 8 anos.

Inês Marques Cordeiro, médica no departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e uma das autoras do estudo, sublinhou à Lusa que as conclusões “não podem ser generalizadas a todas as crianças dos países estudados, uma vez que a dimensão das amostras estudadas é pequena comparando com a população total”.

Ainda assim, através das respostas obtidas, os investigadores identificaram 29,9% de problemas de sono nas crianças estudadas em Cabo Verde.

Trata-se de uma percentagem maior do que a que é reportada pelos pais (22,8%).

O mesmo questionário permitiu apurar que 63% partilha a cama com os pais, 30% vê televisão antes de adormecer e 63% faz a sesta, variantes que influenciam as conclusões.

Em Moçambique, foram identificados problemas de sono em 28,4% das crianças inquiridas. Estes problemas só são reportados pelos pais de 6,9% das crianças.

Neste país, e ainda tendo por base de estudo 445 crianças, 29% partilha a cama, 33% vê televisão antes de adormecer e 23% faz a sesta.

Desta investigação, Inês Marques Carneiro destaca “o facto de os pais subestimarem as perturbações, quando comparado com os resultados do questionário”.

A investigadora aponta ainda para “a elevada prevalência de «sesta», mesmo em crianças mais velhas”.

Estes aspetos, explicou, estarão, “pelo menos em parte, relacionados com fatores culturais, hábitos e expetativas parentais relativamente ao sono das crianças”.

Também “o impacto negativo no sono do uso da televisão, que está bem descrito na literatura”, é apontado por Inês Marques Cordeiro.

Em relação a Cabo Verde, a autora do estudo – juntamente com Pedro Fonseca (Instituto Superior de Engenharia e Gestão) e Rosário Ferreira (do departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria) – sublinha a “uma elevada prevalência de sesta, incluindo as crianças mais velhas”.

“A sesta tem vindo a ser descrita como um hábito comum em países com temperaturas elevadas durante o dia. É mais comum no meio rural do que no urbano e também em culturas que mantêm como norma este padrão bifásico de sono”.

Em relação à partilha de cama destas crianças neste país, esta “poderá ser determinada por vários fatores, como os agregados familiares maiores, um nível socioeconómico mais baixo, mas também por ser um hábito culturalmente enraizado”.

Na verdade, explicou, “países altamente desenvolvidos, como o Japão, praticam também este hábito de «cosleeping», mostrando a forte componente cultural na sua base e não necessariamente por se associar a países mais pobres ou a erros relativamente a hábitos de sono”.

Em relação às crianças de Moçambique que participaram no estudo, os autores compararam crianças filhas de mães moçambicanas com filhas de mães portuguesas, para tentar perceber se haveria um resultado diferente nos «scores» em famílias vivendo na mesma cidade, com a mesma exposição solar, com os mesmos horários escolares, mas com bases culturais distintas.

“Os resultados mostraram uma pequena diferença dos «scores», o que reforça a influência da cultura nos hábitos de sono, como tem vindo a ser descrito na literatura”.

Questionada sobre as principais “ameaças” ao sono destas crianças que a investigação apurou, Inês Marques Carneiro chama a atenção para “o uso da tecnologia na hora de dormir, que se demonstrou mais uma vez ter um impacto negativo no sono”.

Apesar de nesta investigação apenas ter sido avaliado o uso da televisão - a qual se associou a piores «scores» no questionário utilizado – a investigadora recordou que, nos últimos anos, realizaram-se diferentes estudos que “comprovam que os equipamentos eletrónicos influenciam negativamente o sono de diferentes formas”.

Isso deve-se à “exposição à luz emitida, que tem impacto no ritmo circadiano ao alterar os níveis de melatonina” e também ao tempo que as crianças passam nos dispositivos eletrónicos na hora de dormir que “rouba” tempo de sono.

“Pais que são mais permissivos no uso de tecnologias na hora de dormir podem ser também mais permissivos no que respeita a outras regras da higiene do sono”, adiantou.