Esta perda devastadora, incompreensível e contranatura, viola o que o ser humano considera normativo e expectável, gerando uma sensação de perda da própria identidade. Dada a importância da parentalidade para a história de vida e identidade do ser humano, são frequentes pensamentos repetitivos e automáticos como “quem sou eu agora?”, “continuo a ser mãe do meu filho que morreu?” ou “o que responder se me perguntarem quantos filhos tenho? Devo incluir o meu filho perdido?”.

Esta perda pode acontecer durante a gestação (Luto Gestacional), no parto (Luto Perinatal), nos primeiros dias após o nascimento (Luto Neonatal) ou durante a infância, adolescência ou vida adulta. Apesar de diferentes, todos estas perdas são dignas de ser reconhecidas como a perda de um filho.

No luto gestacional e perinatal existe uma perda súbita e imprevista que provoca uma quebra violenta da relação que tinha vindo a ser construída durante o período de gestação. Ou seja, existe a perda (primária) do filho e um conjunto de perdas (secundárias), como as expectativas para a parentalidade, os planos para o futuro, a identidade social de “ser pai” ou “ser mãe”, a sensação de existir um sentido para a vida, a perda da fé e da esperança.

Na maioria das vezes, o choque e o sofrimento são reforçados por a perda ocorrer numa gravidez sem irregularidades ou sinais de risco, o que faz com que os pais não se encontrem emocionalmente preparados para antecipar a perda e mobilizar os recursos necessários para gerir a dor.

No que remete para o risco de perda gestacional e perinatal, este tende a ser superior em gestações múltiplas, nas quais o risco de parto prematuro é elevado.

A perda neste tipo de gestação tende a envolver a morte de apenas um dos filhos. A perda de um dos gémeos provoca um enorme impacto psicológico nos pais, os quais têm de gerir a morte de um filho, enquanto lidam com as preocupações referentes à segurança, bem-estar e afeto do bebé sobrevivente. Quando já existem outros filhos, lidam também com a preocupação de lhes comunicar a morte de um dos irmãos que era esperado e de os ajudar a lidar com essa nova realidade.

Inclusivamente, em perdas gestacionais, pode existir a exigência médica de continuar a gravidez, durante algumas semanas, com o feto morto no útero, para preservar a saúde do irmão sobrevivente. Naturalmente que este processo é de uma enorme violência emocional, pois o luto pelo bebé perdido acontece enquanto é antecipado o nascimento do gémeo sobrevivente, o que gera emoções discrepantes e um enorme conflito interno.

Ainda assim, a sobrevivência de um dos filhos é um fator de proteção para o bem-estar e uma motivação para a gestão do sofrimento da perda. A título de exemplo, Cristiano Ronaldo e Georgina Rodriguez partilharam nas redes sociais, após a morte de um dos gémeos durante o parto, que “só o nascimento da nossa bebé nos dá forças para viver este momento com alguma esperança e felicidade”.

Os pais tendem a ser envolvidos por sentimentos de culpa em relação aos próprios (“o que fiz de errado para merecer isto?”) e as pessoas que os rodeiam (“a culpa é da equipa médica, tem de existir um culpado”). Por acréscimo, surge ainda a raiva e a impotência (“porquê eu?”, “porquê o meu bebé?”).

Apesar da natureza traumática desta experiência e, consequentemente, do elevadíssimo risco de serem desenvolvidas doenças como a depressão, perturbações da ansiedade, perturbação do stress pós-traumático e complicações no processo de luto, estas perdas continuam a ser alvo de estigma social.

Em breves palavras, a sociedade tende a silenciar e minimizar o sofrimento dos pais, o que acentua os sentimentos de incompreensão, o recurso ao isolamento social e, por sua vez, os riscos para a saúde física e mental (o que justifica, em parte, as elevadas taxas de mortalidade dos pais em luto).

No caso das gestações múltiplas, por vezes, o estigma social começa no próprio contexto hospital, pelo não reconhecimento do luto pelos profissionais de saúde, os quais reforçam a necessidade de cuidar do bebé sobrevivente e, inevitavelmente, desvalorizam a perda.

Este processo de luto envolve ainda outras especificidades, como a tomada de decisão de estar com o bebé e existir um momento de despedida e/ou a existência de rituais fúnebres.

Contudo, não está sozinho(a). Existe um sítio seguro, ausente de julgamento e críticas, em que o seu sofrimento é valorizado e reconhecido, com recursos a técnicas e procedimentos específicos para intervenção no luto. Este é o primeiro passo para alcançar alguma plenitude e bem-estar, enquanto mantém uma relação interna, simbólica e emocional com o filho perdido, o qual fará parte da sua vida para sempre. Recorra a ajuda psicológica especializada.

As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.