A doença provocada pelo novo coronavírus obrigou os hospitais a mudarem o seu funcionamento para conter a propagação de casos de infeção, proteger os doentes e os profissionais de saúde e libertar espaços para tratar os infetados.

A nova realidade vivida nos hospitais foi contada à agência Lusa por Luís Campos Pinheiro, responsável pelo serviço de urologia do Hospital de São José, que integra o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC).

“Um dos problemas que havia no hospital era uma multidão de pessoas numa sala que não é muito grande à espera de consulta, que foi logo identificada como o local mais perigoso de contágio com a doença”, disse o médico.

Isto levou a que de “um dia para o outro” as consultas presenciais tivessem praticamente acabado, dando lugar às teleconsultas, em que os médicos analisam na semana anterior os doentes que vão observar.

“Praticamente são todos os doentes. Conseguimos que não venham ao hospital mesmo nas primeiras consultas”, sublinhou.

Esta mudança é expressa em dados avançados à Lusa pelo CHULC que mostram que na primeira semana de março, quando foram anunciados os primeiros casos de covid-19 em Portugal, foram realizadas presencialmente cerca de 15.000 consultas, das quais 566 sem a presença do doente (cerca de 4% do total das consultas).

Na semana de 23 a 29 de março esta realidade inverteu-se. Das cerca de 9.000 consultas realizadas, 6.368 foram à distância (71%).

Sobre a reação dos médicos e dos doentes a esta situação, Campos Pinheiro disse que “surpreendentemente” parecem mostrar-se “muito satisfeitos”.

Muitos médicos estão a fazer as consultas nas suas residências porque têm acesso remoto ao processo clínico eletrónico do hospital, seguindo também assim a orientação de haver menor mobilidade e menor contacto social possível.

Também está a haver “uma grande satisfação” da parte dos doentes por constatarem que os médicos não os esqueceram e, por outro lado, não têm de dirigir-se ao hospital, onde o “o risco de infeção é maior” e tinham de esperar horas pela consulta.

“Os doentes esperavam muito pela sua consulta, e agora também esperam, mas no conforto das suas residências pelo telefonema”, comentou o especialista.

Mas, ressalvou, a consulta à distância funciona melhor com os doentes que têm “uma relação mais antiga” com o médico. “Com os novos doentes não temos capacidade para estabelecer uma boa relação médico-doente só via telefónica, como é evidente”.

Apesar do aumento das teleconsultas, os hospitais continuam de portas abertas para receber os doentes e para realizar cirurgias urgentes, nomeadamente as de “doentes oncológicos que não podem esperar”.

Para o especialista, esta mudança no funcionamento dos hospitais fez cair alguns mitos, como o acesso remoto dos médicos ao processo eletrónico.

“Caiu porque se mostrou que é possível e eficaz, e eu espero que não volte para trás quando a situação normalizar”, defendeu.

Até a preocupação com um doente que esteja internado pode ser minimizada porque o médico pode ter acesso em casa às suas análises ou exames.

Luís Campos Pinheiro considera que as consultas também vão mudar. “Não da forma como estamos a fazer, praticamente todas por telefone, mas sobretudo no “doente mais antigo, mais rotineiro” em que não há necessidade de fazer um exame físico e em que “a relação médico-doente já é forte”.

Há muitos doentes crónicos que vão ao hospital apenas para mostrar uma análise e levantar medicamentos para o cancro da próstata, por exemplo, ou para uma consulta de seguimento de doença oncológica que se realiza de seis em seis meses durante muitos anos.

“Neste tipo de doentes, pelo menos uma das consultas pode fazer-se presencialmente e a outra em teleconsulta”, uma medida que “aliviará imenso” as incapacidades da sala de espera.