“Toda a gente está a reparar que, com as alterações climáticas, os animais migram para procurar comida e água que deixa de existir nos seus ‘habitats’ e é provável que os humanos apanhem algumas das suas doenças”, disse o investigador em entrevista à agência Lusa à margem da Cimeira da Exploração Global (GLEX), onde hoje intervém, em Ponta Delgada.

As crises pandémicas e das alterações climáticas “são, na realidade, uma”, afirma Alexander More, apontando um caso ocorrido no nordeste dos Estados Unidos da América, em que o aumento da temperatura mexeu com os ciclos de três espécies - carraças, veados e humanos – e criou uma epidemia da doença de Lyme, transmitida pelos parasitas.

“Basicamente, dobrámos a duração do verão e o período de tempo em que as carraças, que transmitem a doença, se conseguem reproduzir. Além disso, acabámos com os predadores de topo, pelo que há muitos veados para estas parasitarem. Criámos uma pandemia por criarmos uma crise climática e mudarmos o ambiente”, disse.

As mudanças no clima interferiram também com as migrações que estão sempre a acontecer, quer com os seres humanos quer com outras espécies animais, que “levam as suas doenças para lugares onde estas não costumavam existir”.

“Outro exemplo aconteceu em 2015 com a população de saigas, uma espécie de antílopes da Ásia Central que foi quase exterminada por uma bactéria com que se cruzou por migrar para fora do seu ‘habitat’ normal. Essas doenças podem ‘saltar’ para os humanos e afetar-nos também”, alerta o especialista.

A proximidade de humanos com espécies selvagens e a sua comercialização é outro risco que requer “muito cuidado”, salienta Alexander More, que acredita, “até prova em contrário”, que o coronavírus SARS-CoV-2 “foi provavelmente transmitido dos morcegos para os seres humanos”.

A exploração científica, destaca, é desde logo necessária para recolher informação sobre o que se passa no mundo, porque “não se consegue proteger o que se desconhece” e é explorando “que se descobrem as doenças, com trabalho de campo em áreas remotas, selvagens e também no passado”.

“A realidade nunca é só uma disciplina. É precisa uma mente de explorador, ser flexível e estar à vontade em várias disciplinas para combinar todas num retrato que toda a gente possa compreender, não apenas os cientistas”, salienta.

No projeto em que está atualmente envolvido, recolhem-se amostras do gelo profundo nos glaciares alpinos do maciço de Monte Rosa que testemunham “clima, atmosfera e ADN dos últimos dois mil anos de História”.

“Em 2017, provei que durante as pandemias a poluição desce. Vimos isso com a poluição por chumbo durante a maior pandemia da História, a Peste Negra. [Durante a pandemia da covid-19] continuámos a poluir como antes, não aconteceu nada nessa escala”, refere.

Durante 2020, verificou-se redução nas emissões de metano, na poluição com nitratos, decorrente da redução nas atividades industriais e agrícolas, na poluição com aerossóis e na emissão de dióxido de carbono, mas “os níveis na atmosfera não melhoraram muito”.

“Não conseguimos reduzir a poluição atmosférica para os níveis necessários para enfrentar as alterações climáticas, nem por sombras. O dióxido de carbono fica na atmosfera durante décadas”, salienta.

“Creio que houve uma convergência de duas crises. A crise climática, que vai permanecer connosco durante o próximo século e é um problema que vamos ter que resolver, e a pandemia, que esperamos que acabe em breve, embora nenhuma tenha durado menos de dois anos, convergiram para sublinhar que alguns dos problemas que levantam são os mesmos”, conclui Alexander More.