Precisamos urgentemente de formar uma rebelião. Temos de começar devagar, eu sei, mas o primeiro passo tem de ser dado. Temos de nos insurgir pelo estabelecimento da ordem das coisas. Podemos começar no café, pelos tremoços terem pouco sal ou a cerveja vir morta. Revoltemo-nos! Batamos com o punho cerrado na mesa porque o café veio curto quando o pedimos cheio. Elevemos a voz porque as moelas estão frias ou porque o pica-pau tem poucos pickles. Quem sabe não começamos por defender a necessidade da picanha vir mal passada para estar no ponto e acabamos a defender inocentes como o Moita Flores? Pelos vistos encontraram 635 mil euros por explicar em contas bancárias do Chico. Caramba, quem é que nunca encontrou um euro no bolso de um casaco do inverno passado? Ou dois euros numa mochila antiga? Ou cinco euros numa carteira que deixou, subitamente, de utilizar. Que culpa tem o Moita Flores de ter bolsos maiores, mochilas mais volumosas ou carteiras com mais divisões? Só por má vontade é que condenaríamos alguém só porque passou a vida a trabalhar e não teve tempo de contar tostões.

Consta-se que, em pouco mais de um ano, as contas de Moita Flores receberam 18 depósitos em numerário no valor de 74 mil euros. Já as contas da mulher receberam 18 mil e 700 euros, 10 mil euros acima do declarado em IRS. Ao que parece, a maior interrogação encontra-se nas contas da produtora Antinomia - empresa de Moita Flores e da mulher - que receberam, em 2009 e 2010, 902 mil euros, quase metade em dinheiro. Só quem age por má fé é que pode ver maldade nisto. Maldade seria pagar um café com multibanco, obrigando o comerciante a pagar uma taxa e a ficar com um lucro irrisório. Moita Flores paga e recebe tudo em dinheiro para não prejudicar ninguém e ainda o querem difamar?

Com tanto cuidado em poupar, parece-me fácil conseguir-se amealhar 635 mil euros em dois anos

Não consigo entender porque é que a magistrada responsável pela investigação não percebe como é que uma empresa com um volume de negócios a rondar os 61 mil euros recebe, em dois anos, além dos valores supracitados, mais 635 mil euros nas suas contas bancárias. Claramente não conhece o significado da palavra "sucesso" e, se frequentasse mais vezes o Citador, saberia que "o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário". Para não criar alarme, numa clara demonstração de elevação, a esposa de Moita Flores apressou-se a justificar, dizendo que os valores correspondem a empréstimos de familiares para pagar contas.

Depois dos laços fortes de amizade demonstrados por Carlos Santos Silva, aparece uma família que nos prova que o amor entre parentes não tem preço. Tanto não tem que emprestam, não querem saber se foi ou não usado e não têm interesse em reavê-lo, como se um "depois pagas-me um jantar" encerrasse o assunto. Preferem manter o dinheiro nas contas bancárias do Moita Flores, num claro intuito de poupança, não vá um dia voltar ser preciso e já se cobrarem taxas no MBWAY. E claro, com tanto cuidado em poupar, parece-me fácil conseguir-se amealhar 635 mil euros em dois anos.

Já eu não tenho amigos nem familiares com laços tão próximos: quando vou jantar a casa de um deles, ou me endivido no vinho ou na sobremesa; quando dou a casa e faço um jantar a dividir por todos, há sempre um que se esquece de pagar e saio sempre eu a perder. Percebo agora, por estas manifestações de carinho, que as grandes amizades não dividem jantares, não levam sobremesas, nem levam vinho: arredondam a refeição para os 200 mil euros, não se preocupam com pormenores e investem o tempo a fortalecer ligações.

Moita Flores foi inspector da Polícia Judiciária e só não se investigou a si próprio porque, obviamente, estava a investigar outras pessoas

Moita Flores foi inspector da Polícia Judiciária e só não se investigou a si próprio porque, obviamente, estava a investigar outras pessoas e não lhe pagavam horas extraordinárias. Se querem que um inspector investigue terceiros e a ele próprio, tem de ser remunerado por isso. Deviam enaltecer um inspector que pertenceu a brigadas de furto qualificado e assalto à mão armada por conseguir poupar tanto em tão pouco tempo.

Moita Flores é uma pessoa de bem e a prova disso é que foi agraciado pela Ordem do Infante D. Henrique, tal como Joe Berardo, o que nos leva a crer que ter escrúpulos, princípios e as contas em dia, não são pré-requisitos para condecorações.

O que é certo é que, até prova em contrário, somos todos inocentes. Mas, convenhamos, o país é a favor dos inocentes ricos, já que os inocentes pobres têm maior probabilidade de serem presos.