O clima dos anos passados nunca ajudou. Recorda-se de acordar com a mesma lentidão com que as horas não passavam. Ainda ouve os ponteiros daquele relógio antigo que herdou faz tempo. Conhece tão bem o som da insónia que conta os segundos com uma precisão suíça.

Há um tic-tac incessante que relembra que ainda cá está. Tenta forçar a recordação de que, quem viveu a Primavera, não devia lamuriar-se. Devia tudo menos lamuriar-se.

Enquanto esperava, lembrava-se, selectivamente, da série ininterrupta e eterna de instantes que só pedia para esquecer. Mas atraiçoou-se, sem precisar de terceiros nessa desilusão. E desta vez não sorriu.

Foi amor? Foi receio de ficar? Foi medo de gostar? - questionou-se, antes. Quando as perguntas não tinham resposta. "A chuva, ao menos, tudo lava" - pensou - como se pudesse tratar toda a água por igual. Quem nunca a verteu, nunca a poderá respeitar e banaliza-la-á. Mas entendeu, claro. Acreditou no erro do seu engano e todos os dias ignora a crença que não quer ter naquela verdade. A um passo do alívio, ela surpreende-o. Sem querer, mas querendo-o, puxa-o do abismo e reconquista-o. E a amnésia volta a uni-los.

Pensar nele era egoísmo, aos olhos dela. Afastava-se e amava fazê-lo. Afastava-se e voltava a amá-lo. A distância era o que os unia, simplesmente porque não suportavam estar juntos. Da parte dela, porque ele amava-a.

Ganhou forças e partiu - o coração e estrada fora - e só errou quando chorou. A chuva encarregou-se de trazer o lixo de volta, entupiu sarjetas e transbordou. Ninguém tem o direito de pedir para voltar para nada acontecer. O silêncio é a arma dos fortes e enfraqueceu aquele, já de si, fraco coração. Tem medo da solidão – da que vive com ele e da que virá a ter sozinha.

Pediu-lhe tudo o que era dele e tudo aquilo que lhe ofereceu. Não como vingança, coitado, desconhece o que isso é. Mas como necessidade de ter algo que o faça tê-la, erradamente, em casa. Pedir o passado de volta é, na sua ingenuidade, o primeiro passo para o ter reconquistado.