Com o retomar do controlo das fronteiras terrestres com Espanha, devido à pandemia da Covid-19, perto de um dos nove pontos de passagem no país, em Vila Verde da Raia, concelho de Chaves, distrito de Vila Real, há vários trajetos que ligam aldeias portuguesas e espanholas e que não estão interditadas, constatou a agência Lusa no local.

As antigas rotas do contrabando que ainda existem na freguesia de Lamadarcos continuam ativas e sem controlo permanente, sendo que a única passagem por asfalto, que liga a aldeia portuguesa à localidade espanhola de Mandím, está desde terça-feira interditada por barreiras.

Junto à fronteira em Vila Verde da Raia, fonte da GNR explicou à Lusa que, além da estrada cortada naquela localidade, o controlo dos restantes pontos é feito por patrulhas móveis.

Mas em Lamadarcos há quem conheça bem os caminhos alternativos que ao longo dos anos sempre ligaram Portugal a Espanha, mesmo quando a passagem era proibida.

O anúncio publicado no centro da aldeia portuguesa a um funeral numa localidade espanhola próxima, que aconteceu no sábado, demonstra bem a ligação entre povos raianos. Até ao tratado de Lisboa de 1864, a fronteira entre os países estava situada no meio da aldeia, acabando por ficar apenas portuguesa.

“Eu sempre que quiser posso ir a Espanha. É só fazer um pequeno caminho que conheço”, atira, em tom de brincadeira, Nélson Aires Fernandes, alertado para a situação vivida e conversando com a preocupação de manter a distância social recomendada.

Com 79 anos, desde os 14, quando tirou “a carta de contrabandista”, que conhece bem os trilhos que ligam os dois países.

“Quando comecei, fazia a pé vários quilómetros com 20 quilos às costas até Espanha. Naquela altura ganhávamos 35 escudos por cada viagem”, conta.

Sendo o café levado de Portugal para Espanha o “rei do contrabando”, ao longo dos anos vários produtos, e até a ‘passagem’ de pessoas que fugiam do país, fizeram parte da vida das aldeias raianas.

A vida de Nélson Fernandes ainda passou pela Alemanha, onde esteve emigrado, e até pelo Brasil, mas em 1982 voltou à sua terra onde se estabeleceu com a abertura de um café e comércio.

Preocupado com a pandemia de Covid-19, o transmontano acredita que esta “é grave” e que até um terço da população mundial pode desaparecer.

A vida na aldeia continua com poucas mudanças. Algumas obras em casas que estão a ser recuperadas continuam a decorrer, a maioria com apenas um trabalhador, pois “assim ninguém se chateia e não há risco de contágio”.

Os populares continuam a sair à rua para falar com os vizinhos, mas essas ‘reuniões’ acontecem agora com a distância social recomendada.

Também José Abreu se mostra apreensivo com a situação vivida, mas garante que a população de Lamadarcos tem cumprido com as recomendações e que não será necessário reativar as rotas do contrabando.

“Para já não faz sentido porque temos os bens essenciais salvaguardados. As pessoas têm de ter calma e paciência, pois é uma fase da nossa vida, como houve outras, como as guerras e temos de dar tempo ao tempo”, realça.

Após carreira na GNR, e atualmente na reserva, José Abreu, de 55 anos, recorda que esta situação nas fronteiras faz recordar “os velhos tempos”.

“Parte do rio faz fronteira em Lamadarcos e Mandím, mas há também raia seca com marcos geodésicos. Há vários caminhos que dão para entrar perfeitamente em Espanha, como trilhos antigos ou até poldras, onde as pessoas faziam essa passagem”, sublinha.

José Abreu lembra ainda que “é impossível controlar todas as fronteiras” até pela construção mais recente de caminhos novos de proteção dos incêndios”.

Já de uma geração mais nova, mas habituado a ouvir histórias dos seus avós sobre o contrabando em Lamadarcos, João Duro, de 24 anos, também não vê as rotas a regressarem.

“Estas rotas serviam para a passagem desses produtos, era a lei da sobrevivência. Se todos assegurarmos um pouco do que é a dignidade do ser humano, pois nestes momentos de dificuldade deve haver partilha, não serão necessários estes caminhos, que serviam para fugir às autoridades e não estamos nessa fase”, considera.

O coronavírus responsável pela pandemia da Covid-19 infetou mais de 200 mil pessoas em todo o mundo, das quais mais de 8.200 morreram.

Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou hoje o número de casos confirmados de infeção para 642, mais 194 do que na terça-feira. O número de mortos no país subiu para dois.

O boletim divulgado pela DGS assinala 5.067 casos suspeitos até quarta-feira, dos quais 351 aguardavam resultado laboratorial.

Portugal está em estado de alerta desde sexta-feira, e o Governo colocou os meios de proteção civil e as forças e serviços de segurança em prontidão.

Entre as medidas para conter a pandemia, o Governo suspendeu as atividades letivas presenciais em todas as escolas desde segunda-feira e impôs restrições em estabelecimentos comerciais e transportes, entre outras.

O Governo também anunciou o controlo de fronteiras terrestres com Espanha, passando a existir nove pontos de passagem e exclusivamente destinados para transporte de mercadorias e trabalhadores que tenham de se deslocar por razões profissionais.

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