HealthNews (HN) – Qual é a prevalência e as causas da Síndrome do Intestino Curto em idade pediátrica?

Ricardo Ferreira (RF) – A Síndrome do Intestino Curto – Falência Intestinal (SIC-FI) engloba um conjunto de situações nas quais a capacidade funcional do intestino é insuficiente para garantir a absorção dos nutrientes essenciais para um normal crescimento e desenvolvimento da criança. Pode acontecer devido à redução significativa do comprimento do intestino (por ex: após cirurgias de extensa ressecção intestinal como acontece no volvo intestinal, na atrésia intestinal ou na enterocolite necrotizante do bebé prematuro) mas também pode ocorrer com o intestino de tamanho normal (por ex: alteração grave da motilidade intestinal no Sínd. Pseudo-Oclusivo Intestinal e na Aganglionose extensa ou na Atrofia Microvilositária).

Não há dados que permitam dizer a sua incidência real, mas é claramente uma doença rara, atingindo cerca de 0,1% dos nascidos vivos. Este valor aumenta extraordinariamente no caso dos prematuros, particularmente nos bebés com prematuridade extrema (cerca de 0,7%), pela elevada incidência de Enterocolite Necrotizante (NEC) neste grupo.

A gravidade da SIC-IF não depende apenas da redução do comprimento do intestino, mas também depende do segmento intestinal perdido (intestino delgado/cólon) e da presença da válvula ileocecal. Do ponto de vista anatómico, a SIC classicamente classifica-se em três grupos:

Tipo 1: ressecção de parte intermédia do intestino delgado, sendo feita anastomose habitualmente com preservação da parte terminal do intestino delgado (ileon terminal) e a válvula ileo-cecal. Tem elevado potencial de adaptação intestinal;

Tipo 2: ressecção de parte do intestino delgado e do cólon, sendo feita anastomose entre o intestino delgado e do cólon, ficando o doente sem ileo terminal e sem válvula ileo-cecal. É a situação mais frequente em Pediatria;

Tipo 3: ressecção de parte significativa do intestino delgado, ficando o doente com uma jejunostomia à pele. É a situação mais difícil de equilibrar, quer pelas elevadas perdas pela estomia e quer pela exclusão do cólon do circuito gastrointestinal.

HN – Qual a melhor abordagem desta síndrome nas crianças?

RF – A melhor abordagem da Síndrome do Intestino Curto – Falência Intestinal (SIC – FI) é através de uma equipa multidisciplinar treinada e dedicada. O objetivo principal deve ser a maximização da reabilitação intestinal de modo que seja atingido todo o potencial funcional do intestino remanescente. Para além da reabilitação intestinal, são de particular importância o ajuste personalizado da alimentação parentérica e a prevenção e o tratamento das complicações associadas à alimentação parentérica crónica e ao uso intensivo do cateter venoso central. São fundamentais a prevenção e o tratamento das complicações e infeções associadas ao cateter venoso central e da doença hepática crónica relacionada com a alimentação parentérica crónica.

O objetivo último é que a criança atinja todo o seu potencial de crescimento e de desenvolvimento, com o prejuízo mínimo da sua qualidade de vida e da sua família e da sua socialização.

HN – Permite garantir o crescimento e desenvolvimento adequado das crianças afetadas?

RF – Nos últimos anos a melhoria do conhecimento da doença e consequentemente da qualidade assistencial, o desenvolvimento de Equipas de Suporte Intestinal e de Reabilitação Intestinal, associadas ao aperfeiçoamento da composição da nutrição e do arsenal terapêutico têm permitido que na maioria dos casos seja possível garantir o crescimento adequado. No que diz respeito ao desenvolvimento e à qualidade de vida destas crianças e da sua família, há um grande potencial de prejuízo, consequência das horas dedicadas à alimentação parentérica, aos múltiplos e por vezes longos internamentos e pela dificuldade de socialização.

Obviamente, tudo isto será muito mais difícil de atingir nos casos mais graves e nas famílias com menos apoio.

HN – Quais os maiores desafios para os pediatras, cuidadores e doentes?

RF – O grande desafio dos pediatras e cuidadores destes doentes é conseguir que estas crianças e jovens atinjam todo o seu potencial de crescimento e de desenvolvimento, ficando aptos para serem integrados plenamente na sociedade quando adultos, incluindo a sua realização pessoal e profissional. Para os doentes o grande desafio é a conciliação entre as necessidades assistenciais (horas de alimentação parentérica, internamentos, etc) e a sua plena educação e socialização. A SIC-FI representa para as famílias um impacto brutal na sua dinâmica, com necessidade de modificação não apenas das suas rotinas diárias, mas também na gestão das suas expectativas quanto ao futuro dos seus filhos. Sendo verdade que o desenvolvimento de programas de Nutrição Parentérica Domiciliária veio permitir que estas crianças e suas famílias saíssem do hospital e façam a sua nutrição parentérica no conforto das suas casas e com menor disrupção da dinâmica familiar. Tal representa, contudo, uma carga enorme para os cuidadores. Estes são diariamente responsáveis pela administração da nutrição parentérica e medicação através do cateter venoso central e de todos os procedimentos associados.

HN-De que forma as novas terapêuticas vieram mudar o paradigma de tratamento?

RF – As novas terapêuticas vieram trazer uma enorme luz de esperança a doentes cuja única perspetiva até então era o transplante intestinal.

Os resultados nos ensaios clínicos eram bastante promissores e vieram a confirmar-se na vida real. Embora não sendo uma solução para todos os doentes (alguns não respondem), para uma boa parte deles as novas terapêuticas vieram permitir a redução do número de horas de nutrição parentérica e alguns doentes até atingiram a autonomia intestinal, deixando mesmo de necessitar desse tipo de alimentação, com tudo o que isso implica não apenas em termos clínicos, mas também em melhoria da qualidade de vida.

HN – Quais são as perspetivas de desenvolvimento futuro?

RF – As nossas perspetivas assentam na otimização do arsenal terapêutico atual, idealmente com personalização de doses e de esquemas terapêuticos, com a possibilidade de tratamentos semanais ou mensais e não diários. Assenta também na expectativa de desenvolvimento de novos fármacos nesta área, permitindo dar uma resposta a todos os doentes.