A opinião pública tem um enorme peso político. De acordo com essa maré se ganham e perdem eleições. Muitas decisões de interesse geral perdem racionalidade por receio de que a opinião pública não lhes seja favorável.

É certo que em democracia a vontade da maioria é uma força fundadora, o que não significa que ela se aplique a todos os domínios. No campo da geometria euclidiana o quadrado da hipotenusa será sempre igual à soma do quadrado dos catetos. Não é razoável, em nome do direito à opinião, alguns “acharem” que assim não é. Ou aceitar como possivelmente correta uma resposta que distorça os princípios científicos e matemáticos comprovados, sem que junto a essa solução esteja adjunta a prova.

Dir-se-á que a ciência evoluiu e a dúvida é o motor do conhecimento. Assim é, mas nenhuma afirmação aceite pela comunidade científica é substituída por outra sem prova experimental ou dedução lógica.

Existe quem acredite que a terra é plana. Em maior número os que acreditam que Deus criou o homem na sua forma actual. Na verdade, mais de 1/3 dos americanos levam à risca o Genesis do Antigo Testamento. Será que o direito à opinião tornaria razoável que nos livros de ciências publicados sob a égide do Ministério da Educação estivessem lado a lado a teoria da evolução e o Adão e Eva? Ou que estivesse inscrita a teoria de que se caminharmos até à borda da terra cairíamos no espaço, porque o nosso planeta tem a forma de um prato?

Que não se pense que são só os tristemente ignorantes a partilharem estas convicções. A teoria da conspiração em relação às vacinas, que está por detrás do ressurgimento do sarampo, é sobretudo popular nas classes mais abastadas. Não será por isso que plano nacional de vacinação deva ser facultativo.

Há os que afirmam que a medicina tradicional chinesa existe há milhares de anos donde a sua validade, mas durante quantos milénios se acreditou que o Sol girava em torno da Terra? Ou que o caldo de galinha é bom para a constipação…

Porquê acreditar na medicina tradicional chinesa e não na africana? Ou já agora na portuguesa. Há pouco tempo deparei-me com uma criança que tinha presa ao nível do umbigo uma fina corda de pontas unidas por um laço. Perguntei à mãe para que servia? Para afastar as lombrigas, respondeu-me. Há tempo notei nas costas de uma criança as marcas distintivas de ventosas, prática que vem desde a idade média. Torna-se por isso recomendável?

A questão agrava-se quando são os técnicos de saúde cúmplices ou mesmo fomentadores da ignorância. É para mim incompreensível que médicos pratiquem homeopatia, ou que a bastonária da ordem dos enfermeiros patrocine as medicinas alternativas, e aceite que sejam incorporadas no serviço nacional de saúde à custa do dinheiro de todos nós. Não se pense que essas práticas são inócuas: na verdade ao atrasarem intervenções eficazes provocam dano significativo.

A medicina está cada vez mais sofisticada e mais cara. Os recursos financeiros são limitados. Usá-los em terapias sem evidência científica é gestão danosa. Não existe (que eu saiba), engenharia alternativa, direito alternativo ou matemática alternativa. Se houvesse cairiam ainda mais pontes, a justiça seria mais perversa, e o homem não ia à lua. Com as medicinas alternativas a esperança de vida manter-se-ia ao nível da idade média. Ou não seria assim?

Dizia Einstein que qualquer um pode saber, difícil é compreender. Nesta altura de recomeço da escola o meu desejo é que mais do que conhecimento se ajude as nossas crianças a reflectir. Se lhes dê os instrumentos necessários para navegarem neste mundo em que as massas são manipuladas por informações falsas, e se criam convicções insustentadas. Coloca-se em pé de igualdade o astrónomo e o astrólogo. Somos todos iguais perante a lei, o meu voto político tem o mesmo valor do que qualquer outro cidadão, mas no que à medicina diz respeito a minha autoridade não é comparável à do homem comum.

Como gostaria que ao chegarem das aulas as minhas filhas me dissessem: Hoje aprendi a pensar.

Texto: Dr. Nuno Lobo Antunes (PIN)