Em Portugal, estima-se que a incontinência urinária, que se caracteriza pela perda involuntária de urina, afete cerca de 600 mil pessoas em várias faixas etárias, tendo tendência a aumentar com o envelhecimento da população, mas as perdas de urina não são normais! Como tal, torna-se crucial alertar a população para a existência de tratamento, que muitas das vezes é preventivo, podendo passar pela alteração do estilo de vida, a nível alimentar e de exercício.

O sucesso do tratamento da incontinência urinária ronda os 90%, sendo que o mesmo depende do tipo do problema. Assim que o diagnóstico é estabelecido, o tratamento desta patologia é muito variado, incluindo o tratamento preventivo, que pode ser complementado pelo tratamento farmacológico e cirúrgico. Este consistem em:

  • Mudanças do estilo de vida (evitar certos tipos de alimentos, álcool, café, chá, bebidas gaseificadas em doentes com incontinência de urgência, associada a bexiga hiperativa);
  • Prática de exercício físico (atendendo a que o excesso de peso agrava as perdas);
  • Reabilitação do pavimento pélvico.

A alimentação

Algumas pessoas procuram beber menos para reduzir os sintomas de bexiga hiperativa, mas isso é um erro, pois torna a urina concentrada, o que faz com que exista mais irritação da bexiga e causa obstipação. A maioria das pessoas deverá beber 4 a 6 copos de líquidos por dia, sendo que pelo menos metade dos líquidos deverá ser água. Outros podem ser algumas tisanas, p.e. Alguns tipos de alimentos e bebidas podem irritar a bexiga e contribuir para a incontinência.

O treino da bexiga

O treino da bexiga, que é uma forma de terapia comportamental, é considerado uma parte importante de qualquer programa de tratamento de bexiga hiperativa. Esta técnica simples pode ajudar a bexiga a aprender a reter uma maior quantidade de urina e visa aumentar gradualmente o tempo entre as idas à casa de banho. Isto pode contribuir para que volte a adquirir o controlo da sua bexiga, fazendo com que esta se encha adequadamente e seja esvaziada quando quiser.

O treino ensina a bexiga a distender-se enquanto se enche e permite que o doente ignore a intensa vontade de ir à casa de banho. Isto não acontece de forma rápida ou fácil, mas pode ser muito eficaz.

Um dos componentes do treino da bexiga é elaborar um diário miccional, no qual pode registar as idas à casa de banho durante o dia, eventuais perdas de urina, bem como as bebidas ingeridas e respetiva quantidade.

A fisioterapia

A reeducação do pavimento pélvico pode ajudar a tratar ou a prevenir o aparecimento da Incontinência Urinária, através da identificação dos músculos responsáveis pela contração do esfíncter urinário. Esses músculos fazem parte do grupo dos músculos do pavimento pélvico.

O pavimento pélvico é uma espécie de suporte, que é constituído por músculos, ligamentos, tendões e fáscias que garantem o posicionamento de órgãos. Os músculos do pavimento pélvico estendem-se do cóccix, o osso triangular localizado no final da coluna vertebral, até ao osso púbico. No seu pavimento abrem-se duas passagens no caso dos homens – para a uretra e o ânus – e três no caso das mulheres – para a uretra, a vagina e o ânus.

Estas estruturas são elásticas, idealmente bastante firmes e têm a capacidade de se mover e contrair, muito semelhante a como funciona um trampolim – forte e flexível. Estes movimentos são necessários para que a se controle a urina, as fezes ou os gases e não aconteça uma perda involuntária. São também responsáveis pela nossa componente sexual, uma vez que contribuem para a sensibilidade e a estimulação sexuais, em ambos os sexos e ajudam ainda o pénis a ficar ereto e a ejacular, no caso dos homens.

Sendo assim, deveríamos sempre fortalecer esta musculatura? Não. E veremos porquê. Acima de tudo, deveríamos apostar na função da capacidade do músculo, e não focar-nos apenas em fortalecer e aumentar tónus. O relaxamento das estruturas pélvicas é essencial para que os músculos não estejam sempre contraídos. O oposto é também fundamental, ou seja, se os músculos estiverem sempre relaxados e não conseguirem contrair, não permitem obter o grau adequado de continência urinária. Daí a importância de, com a fisioterapia, restabelecer a normal função e capacidade dos músculos pélvicos.

Já ouviu falar das contrações de kegel?

Estes exercícios são uma das formas de fisioterapia utilizadas. Foram criados por Arnold Kegel e têm como objetivo devolver a força e as funções normais do pavimento pélvico, atenuando os sintomas urinários, nomeadamente a incontinência. Ainda assim, nem sempre será necessário devolver a força, mas sim aprender a relaxar.

Apesar de ainda se falar nesse termo, o mais correto seria falarmos em exercícios de função pélvica. Os exercícios são simples, baseando-se na contração e relaxamento dos músculos da região pélvica, perineal e perianal. Podem ser realizados todos os dias, mas necessitam primeiro de um ensino correto dado por um fisioterapeuta.

A grande maioria da população não sabe ativar corretamente esta musculatura. Uns contraem o abdómen, outros fecham as pernas e existem ainda aqueles que abulam a barriga e os que “empurram” tudo para fora. Por isso, o ensino nunca deve ser meramente verbal, mas sim em consulta com o fisioterapeuta.

Se ao ler este artigo já tiver alguma curiosidade, pode localizar e exercitar os músculos:

  1. Sente-se confortavelmente numa cadeira com as costas direitas, com os joelhos afastados e a zona pélvica em posição neutra (mantendo a curvatura natural da parte inferior da coluna). Relaxe as nádegas.
  2. Aperte o esfíncter anal como se tentasse impedir a saída de gases.
  3. Se for mulher, imagine o seu canal vaginal a apertar gradualmente como se fosse um elevador.
  4. Se for homem, deverá sentir o pénis a retrair e o escroto a levantar.
  5. Não faça o teste da interrupção. Muitas pessoas tentam interromper o fluxo de urina, no entanto, não é recomendado que interrompa regularmente o fluxo intermédio de urina, pois pode ser prejudicial para a bexiga.
  6. Eleve os músculos do pavimento pélvico, contraia uma vez e contraia novamente.
  7. Relaxe completamente entre as elevações.

A maior dificuldade do treino dos músculos do pavimento pélvico é fazer com que o paciente perceba o exercício em si, isto é, se está a contrair os músculos certos e com a força suficiente. O biofeedback consiste num equipamento que seja capaz de fornecer uma resposta visual e/ou sonora durante o exercício permitindo que o paciente perceba e tenha consciência do seu corpo e musculatura. Funciona usando uma pequena sonda vaginal ou anal (no caso de o paciente ser homem) ou elétrodos de superfície (em mulheres com hímen intacto e crianças). Essa sonda vai medir a tensão muscular, e transmitir esses dados para um ecrã de computador em forma de gráficos. Para pacientes que têm pouca ou nenhuma “sensação” da musculatura do pavimento pélvico, o biofeedback pode ser uma das melhores escolhas de tratamento de forma a identificar a musculatura correta que deve ser ativada durante o exercício.

As vantagens, comparando com outras formas de tratamento:

  1. Aumenta a consciência da atividade, reação e recuperação da contração muscular;
  2. Além do estímulo sensitivo da contração, apresenta também um estímulo visual, aprendendo assim a contrair corretamente;
  3. Torna a aprendizagem destes procedimentos mais rápida;
  4. Fornecimento de uma terapia não farmacológica, segura e eficaz.

E quando a fisioterapia não é suficiente?

Em casos em que não existe capacidade de contração muscular, a electroestimulação pode ser a melhor linha de tratamento. A eletroestimulação é uma técnica utilizada que pode ser realizada com elétrodos vaginais, anais ou de superfície. A eletroestimulação intracavitária é a prioridade principalmente para pacientes que não conseguem realizar a contração do pavimento pélvico e tem como objetivo reestabelecer conexões neuromusculares e melhorar a função das fibras musculares. Consequentemente, melhora o mecanismo de contração muscular, além de inibir as contrações involuntárias da bexiga, diminuir os números de micções e aumentar a capacidade vesical. E pode ainda ter como aliviador de sintomas a estimulação do nervo tibial posterior, um elétrodo que se fixa no calcanhar, numa operação que precisa de ser realizada regularmente.

O nervo tibial posterior é a ramificação do nervo ciático. Nasce nas raízes medulares entre a vértebra L4 e a S3 e continua o seu percurso pela parte posterior da perna, até à zona do calcanhar, onde se divide e dá origem ao nervo plantar lateral e ao nervo plantar medial. O estímulo do nervo é feito através de uma corrente elétrica com frequências específicas. Os estudos demonstram que, ao estimular o nervo tibial posterior, ocorre uma diminuição da atividade do músculo detrusor, o que gera uma inibição da atividade da bexiga. Esta técnica tem como objetivo modular os estímulos que chegam à bexiga e é considerada uma forma periférica de estimulação sacral. O impulso elétrico, de forma retrógrada, através do nervo tibial posterior, atinge o plexo (rede de nervos ou de vasos) hipogástrico e chega até ao detrusor, diminuindo essas contrações. Com a diminuição das contrações, diminuímos a hiperatividade e a imperiosidade urinária.

O procedimento pode ser feito através de duas técnicas diferentes:

  • Eletroestimulação transcutânea | São colocados dois elétrodos de superfície, colados à pele, no trajeto do nervo. Um dos elétrodos é colocado entre 1 a 10 centímetros acima do maléolo medial e o outro no arco do pé.
  • Eletroestimulação percutânea | Um dos elétrodos, em forma de agulha, é colocado sob a pele, tendo mais incidência sobre o nervo.

As explicações são da fisioterapeuta Soraia Coelho, especializada em Reabilitação do Pavimento Pélvico.