Em psicoterapia de casal torna-se frequente encontrar casais em que pelo menos um dos elementos tem uma Perturbação de Espetro do Autismo (PEA).

Se trabalhar com casais requer já técnicas diferenciadas da intervenção individual, quando surge um elemento com PEA torna-se imprescindível o desenvolvimento de algumas técnicas que em muito beneficiam estes casais. Ambos os parceiros serão afectados pela presença da PEA, mas não exatamente do mesmo modo. Dado que este é um diagnóstico diferente de tantos outros, em que as dificuldades podem não ser tao visíveis, muitas vezes parece aos familiares que aquele casal está bem e a lidar bem com a vida quotidiana.

A presença de uma PEA afeta, no entanto, alguns dos ingredientes fundamentais de um relacionamento amoroso e por vezes os casais podem apresentar-se com dificuldades já prolongadas no tempo, e das quais a fase do namoro não dava qualquer indicação, mas sempre na esperança de que as coisas possam melhorar e com esforços individuais para tal.

Uma PEA afeta a capacidade de estabelecer empatia com o outro e de comunicar, quer por recurso a palavras quer pela linguagem corporal (não-verbal). Pode interferir com a capacidade de expressar emoções e de percecionar e lidar com as emoções dos outros. Muito do trabalho com os casais acaba por se focar nas questões da comunicação, e em encontrar modos diferentes de comunicar, de forma a que os parceiros possam compreender o outro e comunicar de modo mais eficaz - sem mal-entendidos.

A comunicação levanta muitos problemas ao casal pois existe um relato de não se sentir ouvido pelo outro, sentir-se criticado e não compreendido. O primeiro passo é compreender que enquanto o parceiro com PEA pode estar sintonizado para falar de modo lógico, prático, linear, por vezes apenas o estritamente necessário, o parceiro PEA precisa falar de modo emocional, explorar os assuntos, ter conversas banais, o que muitas das vezes é totalmente desinteressante e incompreensível para o outro.

Do ponto de vista do parceiro com PEA, o parceiro neurotípico pode funcionar de modo imprevisível, mudar de ideias, querer explorar assuntos “à exaustão” (quando ele/ela acha que já está tudo falado) e transmitir múltiplas mensagens ao mesmo tempo, o que se torna muito confuso.

Ao chegar à terapia é comum os casais sentirem-se exaustos, pois ainda que sempre tenha havido esforços individuais, as mesmas situações continuam a acontecer. O parceiro neurotípico apresenta-se na maioria das vezes sem energia e deprimido, enquanto que o parceiro com PEA pode sentir-se constantemente sob ataque, achando que nunca conseguirá fazer feliz o outro elemento do casal.

Muito frequentemente aquilo que era entendido como “amoroso” no início do relacionamento, constitui agora o problema, sobretudo no que respeita às dificuldades nas competências e relacionamento social que parecem estáticas e sem progressos. O parceiro neurotípico pode ter acordado em diminuir saídas com amigos e situações de convívio, e não estar feliz agora com isso, por sentir falta desse contacto, pois usualmente dos maiores problemas do parceiro neurotipico é sentir-se sozinho. Enquanto que o parceiro com PEA se pode sentir feliz por si só, nos seus interesses específicos e na sua própria companhia, o convívio e as situações sociais fazem muita falta ao parceiro neurotípico.

Existe também uma maneira diferente de processar os pensamentos e a informação. De modo a aceitar as diferenças que existem entre os elementos do casal, torna-se fundamental para os elementos do casal, perceber o que os faz pensar e expressar-se de modo tão diferente.

O parceiro PEA tenta entender o comportamento do outro recorrendo à logica e não à empatia, mas como sabemos nem tudo no comportamento das pessoas obedece à lógica. O desenvolvimento da Teoria da Mente é essencial de modo a empatizar com a outra pessoa e ver as situações da perspetiva dela, e esta encontra-se sub-desenvolvida no caso das pessoas PEA.

Não quer dizer que o parceiro com PEA não consiga empatizar, quer apenas dizer que pode haver maior dificuldade em o fazer. Nem as expressões faciais, nem a linguagem corporal do outro, a entoação, o tom de voz, são aspectos de leitura e compreensão fácil para o elemento com PEA e esta leitura tende a ser efetuada por recurso à lógica, como referido anteriormente. Todos estes aspetos sobrecarregam o sistema de processamento de informação do parceiro com PEA levando muitas vezes a grande cansaço emocional.

Por outro lado, o parceiro com PEA pode ter um conceito forte de família e expressar sentimentos de companheirismo e amor de modo diferente daquilo que é esperado pelo parceiro neurotípico.

O reconhecimento do diagnóstico, a presença de motivação para mudar em ambos os parceiros, o apoio de outros elementos da família e dos filhos, são fatores determinantes no fortalecimento da relação. O parceiro PEA precisa de trabalho terapêutico de aumento da regulação emocional e o casal precisa de um terapeuta sensível, treinado e eficaz em intervenção com técnicas adaptadas às dificuldades presentes e ao diagnóstico PEA.

Sofia Neves
Psicologa Clinica