Continuamente sujeito a agressões, o organismo humano possui um sistema que nos protege da doença. Manuel Santos Rosa, professor catedrático de imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, conhece-o bem. «O sistema imunitário, ou imunoinflamatório, é um sistema complexo que nos permite uma melhor resposta biológica a agressores. É também responsável pelo sucesso das vacinas. Sem ele, ou no caso do seu mau funcionamento, não teríamos memória imunológica, que nos permitisse ser vacinados», refere o especialista.

Quando o objetivo é não adoecer, é imperativo manter este sistema regulado. Para tal, os hábitos de vida, a alimentação, o exercício físico, os cuidados básicos de higiene e as nossas emoções contam. Em entrevista à Prevenir, Manuel Santos Rosa conta-lhe as principais medidas a adotar nos períodos em que as temperaturas mais descem, apontando conselhos que o vão ajudar a defender o seu organismo das patologias maios típicas desta época.

Quais os principais cuidados a ter com a chegada do frio, para evitar as doenças típicas da estação?

O reforço da imunidade consegue-se com atitudes quotidianas e deve ser encarado não apenas face a estas agressões sazonais, mas a todas, tanto externas (vírus, bactérias, fungos e parasitas) como internas, especialmente o cancro e o envelhecimento. No caso específico da prevenção da gripe e de outras infecções respiratórias, são aconselhadas medidas simples que evitem a propagação dos agentes infecciosos, a manutenção de uma alimentação equilibrada e de uma vida saudável (exercício físico moderado e alegria de viver).

As nossas emoções podem favorecer o aparecimento de uma gripe?

A relação entre o sistema nervoso e o sistema imunitário é enorme. Em particular, o stresse é fortemente depressor do sistema imunitário, constituindo uma forte ameaça à eficácia das nossas defesas. Embora muitos não fiquem convencidos se dissermos que evitando o stresse (ou criando boas estratégias para lidar com ele) podemos melhorar muito as nossas defesas contra as infeções, basta lembrar que o herpes labial surge habitualmente após uma imunodepressão transitória criada pelo stresse aumentado. Depois daquela semana em que tudo correu mal, que andamos a correr, em que ocorreu alguma fatalidade...

A vacinação contra a gripe é importante?

O principal interesse da vacinação é prevenir as complicações graves da gripe que, embora não sejam muito frequentes, podem constituir um problema de saúde grave, sobretudo para os grupos em que está especialmente recomendada, nomeadamente pessoas idosas, grávidas, profissionais de saúde e outros prestadores de cuidados em saúde e doentes crónicos e imunodeprimidos (a partir dos seis meses de idade). Tem também a vantagem de diminuir a capacidade de propagação do vírus, o que, em termos de saúde pública, é muito importante.

No dia a dia, o que podemos fazer para combater o risco de infeção?

Para evitar a propagação dos agentes infecciosos, é muito importante ter em conta que ela acontece frequentemente através das mãos. Assim, tão importante como evitar a transmissão pelo ar, através de gotículas contaminadas, é lavar frequentemente as mãos (que tocaram num puxador de porta, num teclado de um computador ou num telemóvel, antes utilizado pela pessoa engripada).

Deve sempre espirrar contra a mão, braço ou para um lenço descartável e não para o ar, e tentar evitar o ato involuntário de levar as mãos à cara, tocar no nariz ou na boca, que são portas de entrada privilegiadas para as infeções respiratórias. Evite permanecer em locais de forte possibilidade de contacto com agentes infecciosos, como as urgências hospitalares, a que só se deve recorrer em caso de manifesta necessidade.

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Existem diferenças na resposta imunitária entre homens e mulheres?

No conceito imunitário os mais suscetíveis são as crianças e os idosos. A mulher tem um sistema imunitário mais competente do que o homem face a algumas agressões, em que se incluem as infecciosas e as traumáticas. Mas as grandes diferenças dependem da identidade de cada um, não apenas a genética, mas a ambiental e comportamental.

De que forma ocorre essa influência?

Independentemente dos genes, se estivermos, por exemplo, num ambiente de forte pressão viral, mal alimentados e em stresse, estamos propensos a ser infetados e a podermos ter consequências mais graves da doença. Também por influências externas (como o stresse ou a má alimentação), ou por características individuais, alguns grupos têm uma ligeira imunodepressão, favorecedora da infeção. As crianças e os idosos são genericamente mais suscetíveis, precisamente pela imaturidade do sistema imunitário no primeiro caso e pela senescência no segundo.

No caso particular das crianças, que estratégias devemos adotar para evitar o contágio?

Depende da idade da criança e, especialmente, de ela poder ou não assimilar informações que possam mudar o seu comportamento. No que toca a uma criança de tenra idade, o mais eficaz é evitar expô-la a ambientes com forte carga viral, a mudanças súbitas de temperatura, a contactos com pessoas infetadas. Nas crianças com mais idade, é possível ensiná-las a evitar o contágio, tal como aos adultos. Os brinquedos e o natural envolvimento físico entre crianças são fatores que facilitam o contágio.

Também os infantários são propiciadores de alguma perpetuação das infeções respiratórias, pela habitual aglomeração de crianças e por aquilo que se pode chamar de infeção em círculo (que passa de umas para as outras em tempos sucessivos, para os pais ou para a família em geral, volta novamente às crianças, fazendo círculos viciosos de infeção). Esta forma de contágio é especialmente prejudicial para o sistema imunitário e, portanto, para as nossas defesas.

A par da vacinação, a alimentação é outra das armas que reforça o sistema imunitário?

Se a vacinação cria competência específica no sistema imunitário face a uma determinada doença, a alimentação pode contribuir para um correto funcionamento desse sistema, ainda que tal não deva ser encarado como um reforço. Queremos um sistema imunitário capaz de evitar uma infeção mas também procuramos um sistema imunitário que não cause alergias ou doenças autoimunes, como a diabetes ou o lúpus.

O objetivo é um sistema imunitário equilibrado, regulado, com capacidade para evitar a doença. Desaconselha-se, por isso, substâncias, ainda que alimentares, que promovam a estimulação do sistema imunitário, sem haver uma razão evidente para essa estimulação.

Que tipo de alimentação devemos privilegiar?

Uma alimentação diversificada é adequada a um bom funcionamento do sistema imunitário. Tendo em atenção que os vegetais e os frutos podem ser menos atrativos no inverno, nomeadamente na forma de saladas e sumos, é importante manter a diversidade alimentar e encontrar formas de não a perdermos em períodos de maior frio. Frutos como a laranja e o quivi, pelo teor vitamínico, devem fazer parte da alimentação, mesmo no inverno. E, claro, nesta época uma boa sopa (que pode conjugar uma enorme diversidade alimentar) é muito de aconselhar.

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Em sentido inverso, existem alimentos que podem fragilizar as nossas defesas?

Nenhum em particular. A fragilização do sistema imunitário em relação à alimentação está especialmente dependente da má alimentação (quer por insuficiente aporte alimentar quer por falta de diversificação, ou por excessos).

Recomenda a toma de fármacos e de suplementos vitamínicos?

O seu uso na prevenção da gripe e de outras infeções respiratórias é controversa. Estudos revelam que o uso de polivitamínicos, associados ao momento da vacinação, especialmente em idosos, conduz a uma pior resposta vacinal e, por isso, a0 menor proteção. Algumas vitaminas (A, C, D e E) têm sido associadas a alterações do sistema imunitário, mas não existe prova definitiva do seu benefício e desconhece-se a dose mais eficaz.

Possivelmente, apenas farão sentido em pessoas saudáveis quando existam deficiências pontuais destas vitaminas. Deverão ser tomadas em baixas doses e eventualmente associadas a probióticos, como os lactobacilos.

Texto: Carlos Eugénio Augusto com colaboração e revisão científica de Manuel Santos Rosa (professor catedrático de imunologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra)