As doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte na Europa e em Portugal. "São as patologias dominantes no país, sendo responsáveis por mais de um terço de toda a mortalidade da população portuguesa", sublinha o reputado médico cardiologista Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, revelando que, "só nos últimos anos, ocorreram, em média, 35.000 mortes causadas pelas doenças cardiovasculares".

O impacto do nosso estilo de vida marcado pelo sedentarismo e escolhas alimentares erradas podem justificar, em grande parte, estes números. Há mesmo quem lhes chame as doenças civilizacionais da atualidade ou as doenças do estilo de vida. Num estudo realizado pela FPC, no qual participaram mais de mil portugueses, verificou-se que 67% eram sedentários e cerca de metade destes considera que o exercício físico não é benéfico ou importante para a saúde.

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"A urbanização crescente da nossa sociedade impõe um estilo de vida que leva ao sedentarismo e a uma alimentação demasiado rica em calorias, gordura animal e sal, o que tem vindo a causar verdadeiras epidemias de obesidade, hipertensão arterial, colesterol elevado e diabetes", explica Manuel Carrageta. Mais de metade da população portuguesa, entre os 18 e os 79 anos, apresenta, pelo menos, dois fatores de risco para as doenças cardiovasculares, de acordo com os dados apurados pela Fundação Portuguesa de Cardiologia. Alguns dos fatores não podem ser modificados, como a hereditariedade e a idade.

Mas a maioria depende, no entanto, de medidas de estilo de vida sobre os quais podemos agir, sendo exemplo disso o sedentarismo, o stresse, o tabagismo e algumas condições clínicas como a obesidade, a hipertensão, a diabetes e a dislipidemia [níveis anómalos de lípidos no sangue]. De acordo com este organismo, "mais de metade da população adulta tem excesso de peso, 40% sofre de hipertensão, 30% tem o colesterol muito elevado e um quarto da população é fumadora".

No futuro, os números podem ser diferentes mas, para isso, é essencial adotar um estilo de vida saudável que contemple três regras básicas. "A adoção de uma alimentação mediterrânica, atividade física regular e não fumar", sublinha Manuel Carrageta. Consultar o médico periodicamente para controlar os fatores de risco é essencial. Quanto mais precoce é o diagnóstico, maiores são as possibilidades de impedir o aparecimento ou o agravamento de doença cardiovascular.

O imperativo de mudar (maus) hábitos enraizados

A postura sedentária que temos no nosso dia a dia é um dos primeiros hábitos a mudar. "Os portugueses são o povo da União Europeia que surge em todos os inquéritos como aquele que menos atividade física pratica", sublinha Manuel Carrageta, alertando para a importância de manter uma atividade física regular. "A inatividade física é uma das mais importantes causas de doença e de morte no mundo moderno", alerta ainda o médico cardiologista.

"E, em contrapartida, a prática regular de exercício físico ajuda a controlar o peso e aumenta a saúde do aparelho cardiovascular, dos pulmões e do aparelho músculo-esquelético", afirma ainda o especialista. A par do sedentarismo, a maioria dos fatores de risco de doenças cardiovasculares está relacionada com a (má) alimentação que fazemos. "O excesso de peso deve-se a uma alimentação demasiado rica em calorias", alerta a nutricionista Margarida Guerreiro.

"A hipertensão arterial é agravada pelo elevado consumo de sal, enquanto que o excesso de gorduras na corrente sanguínea pode levar ao desenvolvimento de colesterol e triglicéridos", justifica. "Na maioria dos casos, este aumento deve-se ao exagerado consumo de gorduras saturadas e açúcares", refere ainda a especialista. Apesar dos muitos avisos na imprensa, na televisão, na rádio e também na internet, inúmeros portugueses continuam a menosprezar a situação.

O perigo dos produtos embalados

O consumo de produtos alimentícios embalados, altamente processados, com listas de ingredientes longas e complexas, devem, à partida, ser sempre evitados. São práticos mas maus. "A indústria alimentar tem colocado à nossa disposição produtos alimentícios ricos em sal, açúcar, farinhas refinadas, gorduras saturadas, gorduras trans e aditivos artificiais, que estão longe de ser nutricionalmente adequados", alerta a nutricionista Margarida Guerreiro.

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Alguns exemplos de alimentos que não devemos mesmo consumir são "os caldos concentrados, os molhos, as batatas fritas e outros snacks salgados, as bolachas, alguns cereais de pequeno-almoço, alguns pães de forma embalados, produtos de pastelaria, refrigerantes, alimentos pré-fritos e refeições pré-confecionadas", exemplifica a nutricionista. Este tipo de "produtos altamente processados", como os caracteriza, "fazem com que nosso organismo esteja constantemente inflamado, o que é altamente prejudicial para a saúde cardiovascular. As gorduras trans ou hidrogenadas, por exemplo, devem ser evitadas", avisa.

"São produzidas pela indústria alimentar para melhorar o sabor, a consistência e o prazo de validade dos alimentos [nomeadamente de bolachas, de cereais, de refeições pré-confecionadas e de margarinas] e são o tipo de gordura que tem o efeito comprovadamente mais negativo nos níveis de colesterol e inflamação", informa ainda a especialista. Os estudos científicos nacionais e internacionais desenvolvidos ao longo das últimas décadas confirmam-no.

Outros alimentos que também são nefastos

O sal é um dos piores inimigos da saúde cardiovascular, especialmente, aquele que é adicionado aos alimentos. "Este tipo de sal contém sódio que pode contribuir para elevar a tensão arterial", explica Margarida Guerreiro. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o consumo de sal não deve exceder os cinco gramas por dia, o que equivale aproximadamente a uma colher de chá de sal de mesa. Contudo, Portugal está longe de respeitar esta dose máxima.

"A média de consumo diário de sal excede os 10 gramas", critica. "É, por isso, fundamental reduzir o consumo de sal e não é só aquele que usamos na confeção das nossas refeições em casa", apela a especialista. "Não podemos esquecer-nos do sal que está escondido em alguns produtos processados", alerta ainda a nutricionista. Nos pratos que confecionamos em casa, "devemos utilizar temperos saudáveis que possam torná-los saborosos", recomenda.

As ervas aromáticas, frescas ou secas, são, a par das especiarias, do sumo de limão, do alho e da cebola, bons exemplos de temperos (mais) amigos do coração. Outro cuidado importante para a proteção cardiovascular é a redução do consumo exagerado de alimentos ricos em farinhas refinadas que, segundo a nutricionista, "podem promover o aumento de peso e do risco de diabetes e desequilibrar os níveis de triglicéridos", adverte ainda a especialista.

A alimentação que os especialistas consideram ser a ideal

Uma alimentação completa, variada e equilibrada é a base de uma boa saúde cardiovascular. De acordo com a nutricionista Margarida Guerreiro, devemos seguir uma alimentação rica em "legumes e frutos variados, cereais integrais e fontes de proteína animal como o peixe, mas também em ovos e carnes magras, laticínios meios-gordos ou magros, leguminosas como o feijão e o grão e fontes de gordura saudável como o azeite e os frutos oleaginosos", esclarece.

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A ingestão de nozes, amêndoas e avelãs deve ser reforçada mas sem exagero, uma vez que estes frutos são muito calóricos. As fontes de gordura da família ómega-3, presente sobretudo nos peixes gordos, como é o caso da sardinha, da cavala, da anchova, do salmão e do atum, mas também em nozes e sementes de linhaça e chia, devem merecer a nossa especial atenção. "As gorduras ómega-3 são capazes de reduzir o estado de inflamação do organismo, ajudando a preservar a integridade das nossas artérias, para além de contribuírem para reduzir os triglicéridos e elevar o colesterol HDL, o chamado bom colesterol", explica a especialista.

O reforço de alguns nutrientes essenciais e compostos bioativos com efeito protetor é outra medida importante. Entre as mais conhecidas estão a monacolina K, uma substância natural presente no extrato de arroz vermelho fermentado, que parece ter a capacidade de controlar os níveis de colesterol sanguíneo, assim como a coenzima Q10, uma molécula com elevada capacidade antioxidante, que muitos especialistas em todo o mundo também recomendam.

A coenzima Q10 "já mostrou ser capaz de promover uma melhor produção de energia nas células do coração, reduzindo o risco de complicações cardiovasculares", indica ainda a nutricionista. Um dos melhores métodos para avaliar facilmente a presença de obesidade e o risco cardiovascular é a medição do perímetro da cintura, o que pode fazer em casa. "Um perímetro abdominal igual ou superior a 102 centímetros no homem e a 88 centímetros na mulher implica um risco cardiovascular e de diabetes muito elevado", indica o cardiologista Manuel Carrageta.