A construção de um mundo mais sustentável não se faz sozinho, e os festivais de verão estão cada vez mais conscientes desta máxima e a apostar numa vertente sustentável. O MEO Kalorama, que arrancou no dia 1 de setembro, é exemplo disso. Uma vez que esta é a sua estreia em solo português, ainda é prematuro traçar metas de sustentabilidade. Assim, a organização estabeleceu oito compromissos orientadores para esta edição. “Primeiro temos que medir e monitorizar tudo aquilo que aconteceu e, no final, vamos definir essas metas para a próxima edição. Por isso, vamos calcular a pegada carbónica, a Quercus [focada na Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais e na Defesa do Ambiente] vai fazer uma auditoria ambiental, a Access Lab [focado no acesso de pessoas com deficiência à área da cultura e entretenimento] vai fazer uma auditoria à acessibilidade do festival e, pela experiência que já trazemos de outros eventos, há coisas que nós já temos que melhorar, mas sendo uma primeira edição obviamente que temos que começar por algum lado”, refere Dora Palma, coordenadora de sustentabilidade daquele que se assume como o último grande festival de verão europeu, em entrevista ao SAPO Lifestyle.

As práticas e princípios de sustentabilidade são o core deste festival que está alicerçado em oito compromissos: quatro ambientais (transparência dos processos, recurso sempre que possível a energias menos poluentes, otimização e reutilização de recursos, sensibilização dos artistas e público para práticas de sustentabilidade) e quatro sociais (inclusão social, envolvimento da comunidade local, formação da equipa e parceiros, inovação e inclusão). Mas de que forma é que isso é visível dentro (e fora) do recinto? Nós contamos-lhe tudo.

Reduzir, reutilizar e reciclar

Com cada vez mais festivais de música a quererem afirmar-se como eventos de lixo e desperdício zero, o MEO Kalorama não fica aquém nesta matéria. Todos os materiais excedentes já têm um destino pré-definido: aqueles que ainda estiverem em bom estado serão reaproveitados para as próximas edições e os restantes serão doados a instituições. “Temos uma parceria com uma fundação que vai enviar algumas lonas – que é sempre o que sobra muito – para um projeto em Cabo Verde, que lá aproveitam para fazer emsombramento, e vamos doar materiais a outros eventos e escolas. O resto vai ser devidamente separado e vai para reciclagem”, explica.

Em relação aos palcos a lógica seguida é a mesma. Uma vez que todas as infraestruturas utilizadas são feitas de aço e metal, um material 100% reciclável, podem ser utilizadas em outros contextos. “Quando o festival acabar voltam para a siderurgia e têm outra vida.”

Uma vez que é um evento que diz ‘não’ ao desperdício e tem como foco o reaproveitamento de todo o tipo, graças à parceria estabelecida com a REFOOD, todas as sobras de alimentos que ainda estiverem em condições vão ser distribuídas por famílias carenciadas.

O apoio prestado às comunidades locais

Realizado no Parque da Bela Vista, junto ao bairro de Chelas, um dos vossos objetivos do MEO Kalorama passa por “fomentar o desenvolvimento e crescimento da comunidade local”. A pensar nisso, a organização convidou diversos membros da comunidade para fazerem a abertura de um dos palcos do festival, o Colina, em parceria com "Chelas é o Sítio", uma associação sem fins lucrativos liderada pelo rapper Sam The Kid.

Outra das iniciativas promovidas passou por empregar moradores locais em diversas áreas do festival e, desta forma, ajudar a combater a exclusão social. “É a forma de nós chamarmos a comunidade para o evento.”

Sensibilização do público para a adoção de práticas mais sustentáveis

Os ecopontos e contentores espalhados ao longo do Parque da Bela Vista, onde é possível proceder à separação correta de lixo e resíduos, são as ações mais visíveis que a organização implementou para ajudar a transformar as mentalidades e a mudar os comportamentos dos festivaleiros. Mas estas não são as únicas a serem desenvolvidas dentro do recinto.

“Temos uma parceria com a Underdogs, que está a fazer um painel baseado nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, para chamar a atenção para a importância de participarmos ativamente naquilo que é o desenvolvimento sustentável de todo o nosso país, e a Quercus está a fazer uma campanha de sensibilização ambiental”, explica Dora Palma.

A utilização de água e energia dentro do recinto

A água e a energia são dois recursos indispensáveis para o sucesso de qualquer evento de música. Mas tendo em conta que o MEO Kalorama assenta num modelo sustentável e na implementação de boas práticas, de que forma é possível reduzir o consumo dos recursos hídricos e energéticos em ambiente de festival? “Efetivamente nós temos medidas de redução de água, mas estas têm de ser medidas conscientes porque a água não pode ser limitada”, explica Dora Palma, especialmente tendo em conta a época do ano em que estamos, pautada pelas altas temperaturas. “Como estamos num meio urbano e como a água que consumimos é da rede, há um maior controlo, sendo que a água que depois é usada vai para o sistema de saneamento de Lisboa.”

Alinhado com os seus compromissos de sustentabilidade, o festival tenta, sempre que possível, recorrer a energias menos poluentes para que nada falhe ao longo dos três dias. Apesar de a rede elétrica ser a principal fonte de fornecimento de energia do recinto, nos palcos isso não é possível. E Dora Palma explica porquê. “Os consumos de energia não são constantes, têm picos, e não há nenhuma rede que aguente esse consumo. Então temos de ter sempre geradores que são dimensionados de forma eficiente para só se consumir e só se gastar aquilo que é realmente necessário”, explica sobre a instalação destes equipamentos, ainda que a organização procure outro tipo de soluções energéticas mais amigas do ambiente. Mas em temos de sustentabilidade energética, existe algum plano para a utilização de recursos renováveis, como a instalação de coberturas com painéis solares fotovoltaicos, em edições futuras? “Num ambiente de festival a questão da energia solar significa muito pouco, porque produz muito pouco para aquilo que nós consumimos”, alerta.

Relativamente ao impacto que a realização de um evento desta magnitude tem no ambiente, Dora Palma desmistifica um ponto importante e fornece-nos alguns dados que dão que pensar. “Mais de metade da pegada carbónica de um evento está associada à deslocação do público e não ao consumo de energia do palco”, explicando que os festivaleiros representam entre 50 a 60% da pegada carbónica global, os artistas 14% e que o consumo de energia de palco e iluminação entre 1 e 2%.

A redução do consumo de plástico e a política do copo reutilizável

De forma a reduzir, ao máximo, a utilização de plástico dentro do recinto, a organização tomou diversas medidas nesse sentido: a primeira prende-se com a redução de brindes oferecidos neste âmbito e a segunda com a venda dos produtos oficiais do festival. “No merchandising não oferecemos plástico: a pessoa compra, mas coloca na sua mala ou mochila”, explica a este respeito.

Outra medida adotada é o copo reutilizável que os festivaleiros podem adquirir no interior do recinto por 1€, com a possibilidade de refill e que poderá ser utilizado ao longo dos três dias. “Um fenómeno que nós percebemos é que quando há o copo reutilizável há uma grande tendência para as pessoas separarem corretamente as garrafas de água e colocarem no ecoponto amarelo”, salienta. Para que este não vá para o lixo e ganhe uma outra vida, a organização apostou na criação de “um copo muito sexy que as pessoas querem levar para casa” e que, apesar de não ter retoma associada, dará direito a “um desconto no refill” de qualquer bebida.

Para além disso foram instalados, ao longo de todo o Parque da Bela Vista, diversos bebedouros de água onde os festivaleiros poderão fazer refill das suas garrafas de água reutilizáveis que podem ser adquiridas no local. Para além de serem fabricadas em plástico PET 100% reciclado, estas têm a particularidade de não terem rótulo exterior, de forma a facilitar a sua reciclagem futura, e serem adaptadas a pessoas com deficiência visual. “É uma garrada muito inclusiva e reciclável”.

Mobilidade sustentável

De forma a incentivar que os festivaleiros deixem o carro em casa e façam uso da rede transportes públicos que tem à sua disposição junto ao recinto, foram disponibilizados comboios especiais e descontos em todas as viagens de comboio mediante a apresentação do bilhete adquirido para o MEO Kalorama.

Uma vez que este é um evento que se realiza praticamente no meio da cidade, em prol de um mundo mais sustentável e como forma de diminuir a sua pegada carbónica, para Dora Palma faz todo o sentido “fomentar aquilo que já existe e tentar que as pessoas usem, cada vez mais, os transportes públicos.”