Em declarações à Lusa, Cláudia Sil, da Plataforma Água Sustentável (PAS), considerou que a crescente aposta em culturas de abacate é “prejudicial” para as reservas de água que existem no Algarve e advertiu que esta “não é uma espécie autóctone” e representa “uma cultura que precisa de água permanentemente”.

“O abacateiro não é autóctone, é uma espécie que evoluiu adaptando-se a um clima tropical, uma das características de um clima tropical é que tem muita água, portanto, é uma cultura que precisa de água permanentemente. Neste momento, já é possível ver no Algarve culturas de abacate amarelecidas, portanto, o abacateiro está a sofrer com a falta de água”, afirmou.

Para Cláudia Sil, o abacate “é uma cultura que consome efetivamente muita água”, considerando que é necessário “analisar os métodos de cultivo” destas plantações de regadio, porque “quanto mais plantas por hectare” houver “mais recursos e mais água” se gasta, enquanto o lucro fica apenas para os produtores.

“A agricultura de regadio é totalmente desaconselhada na região, pomares com grandes necessidades de rega não deviam estar a ser desenvolvidos, o que defendemos são culturas alternativas, com outros métodos de cultura, como repescar a cultura de sequeiro”, afirmou.

O diretor regional de Agricultura e Pescas, Pedro Monteiro, reconheceu que a região está numa “situação complicada”, com “uma parte substantiva do Algarve já em seca extrema”, mas sublinhou que a “agricultura cada vez está mais dependente da água, assim como outras atividades económicas”, e que a falta de água também se faz sentir nas fruteiras de sequeiro, como a amêndoa, a alfarroba ou o figo.

“Isso obriga a um desafio enorme para a agricultura, cada vez tem que ser mais eficiente na aplicação da água na parcela, à planta, mais eficiente também na distribuição da água, nomeadamente, nos aproveitamentos hidroagrícolas”, considerou, quantificando em 2.050 hectares os pomares de abacate existentes na região, com uma produção anual de 15.000 toneladas.

Do lado do produtor, acrescentou à Lusa, está a apostar-se “cada vez mais em tecnologia que permita fazer a monitorização inteligente da água” para “aferir a quantidade de humidade que existe em tempo real no solo” e “aplicar só água à planta em função do que é estritamente necessário”.

Pedro Monteiro balizou os consumos anuais de água de culturas de abacateiro ente os 5.700 e os 7.200 metros cúbicos por hectare, enquanto a laranjeira gasta entre 6.000 e os 6.500 metros cúbicos, e afirmou que “a grande diferença é que o abacateiro é muito mais sensível a situações de stresse hídrico” do que os citrinos.

João Bento Inácio, do grupo JBI, que conta com 300 hectares de abacate no sotavento (leste) algarvio e tem uma faturação anual próxima dos 10 milhões de euros, disse à Lusa que “ainda não há restrições em relação ao uso da água” nas plantações, mas admitiu que a situação atual “preocupa bastante” o setor.

“Temos de criar condições para diminuir este risco da dependência só da chuva, também temos de investir do lado da eficiência para usarmos mais eficientemente a água em todos os setores e no consumo público do Algarve, em toda a região, portanto, isto tem de envolver todos”, propôs.

Para o produtor, tal como para o diretor regional de Agricultura, a construção de açudes em ribeiras é outra solução possível.

João Bento Inácio considerou que é preciso “todos os setores” estarem envolvidos para que o setor seja mais eficiente e use melhor a água, assim como para perceber “como se consegue aumentar a oferta da água”.

Este produtor considerou que, para isso acontecer, “é necessário investimento” em novas reservas, como a criação de uma nova barragem no sotavento, na ribeira da Foupana, para complementar as reservas que já existem nas barragens do Beliche e Odeleite, que atualmente rondam os 40% da capacidade.

“Tendo essa barragem uma capacidade igual às duas barragens que falei agora, quer dizer que se ela estivesse construída neste momento teríamos o dobro das reservas de água que temos”, exemplificou.

João Bento Inácio rejeitou ainda a ideia de que o abacate gasta mais água do que os citrinos, afirmando que quem diz isso “fala sem ter conhecimento científico e conhecimento de causa”, porque “os abacates gastam sensivelmente o mesmo que os citrinos e outras árvores de fruto”, como demonstram os números dos contadores instalados pelas associações de regantes nas explorações.