Camila Rodrigues é socióloga, mestre em estudos europeus e doutorada em ciência política, com uma vasta experiência enquanto coordenadora de projectos na área social. Habituada a navegar no limbo da precariedade laboral, saltitando de bolsa em bolsa, de recibo verde em recibo verde, de comissão em comissão, de projeto em projeto. Procura terra firme e uma luz ao fundo do túnel.

Carla Lopes é tradutora freelancer e deixou um emprego estável e promissor para se aventurar por conta própria sem qualquer garantia. Catorze anos depois, com uma carteira de mais de 200 clientes por todo o mundo e um imenso orgulho no seu percurso, procura novas oportunidades paralelas à sua atividade. Estagnação é uma palavra que não consta do seu dicionário.

Como surgiu o grupo Mulheres à Obra?

Carla Lopes - No dia 24 de março de 2017, num grupo de mães no Facebook, alguém publicou uma questão a propósito da difícil conciliação entre a vida familiar e as exigências laborais.

Foram muitas as respostas de mulheres que se identificavam com este problema, entre elas estavam eu e a Camila, e a intensidade das conversas cruzadas deu-nos a ideia de criar um grupo, também no Facebook, onde todas aquelas mulheres pudessem debater a questão em fórum. Na altura não nos conhecíamos e foi uma decisão espontânea.

Assim nasceu o grupo "Mães à Obra", que posteriormente evoluiu para "Mulhe­res à Obra", com o objetivo de abranger todas as mulheres, mães ou não. Era um grupo pequeno constituído com um propósito muito particular para um conjunto restrito de pessoas.

Lembramo-nos de discutir como seria interessante chegar aos 1000 membros. Hoje somos mais de 80 000 e continuamos a crescer, um bocadinho cada dia, com a força e a persistência das mulheres que procuram vencer barreiras e alcançar objetivos.

O que é o grupo Mulheres à Obra?

Camila Rodrigues - Somos muitas coisas: um grupo de Facebook; uma plataforma colaborativa de mulheres empreendedoras; um movimento social; um projeto de empreendedorismo. A nossa flexibilidade e indefinição são uma opção e fazem parte do nosso método. Queremos manter as opções em aberto e ir abraçando as oportunidades à medida que elas forem surgindo.

Como surgiu o livro Mulheres à Obra?

Camila Rodrigues - A oportunidade de escrever um livro surgiu por um convite que nos foi feito pela Isabel Branco, editora da Chancela IN (Zero a Oito). A Isabel lançou-nos este desafio aliciante e irresistível, que prontamente agarrámos.

O que é que este livro representa para vocês?

Camila Rodrigues - O livro "Mulheres à Obra" é uma etapa fundamental no nosso percurso, já que assinala o reconhecimento público que o nosso movimento tem vindo a conquistar e nos permite chegar a novos públicos. Constitui uma reflexão sobre quem somos, o que alcançámos até agora e o que pretendemos atingir no futuro.

Sobretudo, apresenta aprendizagens que adquirimos e desejamos partilhar, e dá voz às mulheres empreendedoras que se juntaram a nós nesta caminhada. São elas, com a sua diversidade e riqueza de experiências, que nos têm obrigado a crescer e a abrir horizontes. São grandes mulheres que têm muito para ensinar a quem, como elas, quer ir mais além.

Foi com base no seu contributo que o livro foi escrito, já que é composto, em grande parte, por testemunhos de mulheres empreendedoras. Estas mulheres apresentam as mais diversas experiências, sensibilidades e áreas de expertise. Com grande abertura e frontalidade, partilham com as leitoras o seu percurso, enquanto deixam dicas preciosas para quem se debate com o desafio de criar/gerir o seu próprio negócio.

O que diferencia o vosso grupo e explica o vosso sucesso?

Camila Rodrigues - O livro é uma amostra da pluralidade de vozes que compõem as Mulheres à Obra. A nossa riqueza é precisamente essa: a abertura perante a diversida­de, sustentada na convicção de que cada mulher empreendedora, ou aspirante a empreendedora, ou com curiosidade sobre o tema do empreendedorismo, tem um percurso cheio de experiências, saberes e sensibilidades que merece ser conhecido.

Numa sociedade ainda muito hierarquizada como a portuguesa, esta convicção é diferenciadora. Contrariamente a muitas iniciativas ligadas ao empreendedoris­mo que ocorrem no nosso país e se focam na excelência comprovada, nos nichos de experts e nas redes de contactos privilegiados nós entendemos cada mulher que se junta a nós como uma Very Important Person.

Todas somos pessoas muito importantes, como o nosso livro bem demonstra. Mu­lheres com mais ou menos formação académica, com maior ou menor sucesso financeiro, jovens e não tão jovens, com as mais diversas atividades e percursos muito diversos podem ensinar-nos algo. Basta que tenhamos a humildade de respeitar o outro e o desejo de aprender com ele.

O uniformismo da exclusão é castrador e empobrece-nos. Pelo contrário, a in­clusão de todas estas mulheres tão diferentes numa comunidade de iguais obri­ga-nos a abrir horizontes, a sair da nossa zona de conforto, a refletir sobre ques­tões que desconhecíamos e a ultrapassar as nossas crenças limitadoras. E assim todas crescemos juntas.

4 dicas de Carla Lopes para quem deseja criar o seu próprio negócio:

1. Não pense no lucro imediato. O lucro imediato é ilusório e nunca lhe trará uma clientela fidelizada nem um rendimento constante e estável. Principalmente, ao iniciar um negócio, atraia o cliente oferecendo-lhe vantagens e diferenciação face à concorrência. Lembre-se de que o seu potencial cliente, na maioria dos casos, ainda não a conhece. Antes de alcançar o lucro que almeja, tem de mos­trar ao cliente que o seu produto e/ou serviço tem qualidade e que consigo a relação comercial será sempre de "win-win".

2. Não tente "esmagar" a concorrência baixando os preços. Ao es­magar a concorrência, estará a esmagar o seu próprio negócio, pois esse mesmo preço dificilmente subirá novamente depois de o cliente se habituar a ele. Defina de forma sensata, justa e realista quanto vale o seu negócio e não se des­vie muito desse valor. Acima de tudo, valorize-se e não ceda aos famosos BBB (Bom, Bonito, Barato). O seu tempo, a sua formação, a sua dedicação e o seu em­penho valem MUITO. Se se render ao BBB, entrará numa espiral descendente e rapidamente se sentirá desmotivada, desvalorizada, frustrada e desiludida com o seu negócio. Igualmente, enquanto compradora de produtos e serviços de outras pessoas ou empresas, não procure o BBB. Vai certamente arrepender-se e estará a fazer aos outros o que não quer para si: desvalorização e falta de consideração para com o tempo, a formação, a dedicação e o empenho de outro profissional.

3. Um profissional que trabalhe por conta própria tem de assumir vários papéis. É inerente a esta condição laboral e é também uma das razões pelas quais ser trabalhador independente é tão atrativo. É um desafio constante gerir um negó­cio e ter de desempenhar funções distintas e, por vezes, fora do âmbito da nossa formação ou experiência. Quando isto acontece, tenha a humildade e a lucidez para delegar funções e tarefas a profissionais de áreas específicas que não domina (por exemplo, contabilista, advogado, consultor comercial, etc.). Quando o nosso negócio atinge uma determinada dimensão ou estrutura, é fulcral focar-se no que realmente gosta e faz bem e transferir tarefas que não domina para quem sabe. É irrealista convencer-se de que consegue dominar todos os departamen­tos do seu negócio, mesmo quando se trata de um micronegócio.

4. No meio disto tudo, não se esqueça de si. Ter um negócio é como ter um filho: abdicamos de muita coisa em prol de um bem maior e temos tendência para perder a noção da linha que separa a vida pessoal da profissional. Para com­bater isso, introduza na sua rotina coisas de que gosta. Seja praticando exercício físico (quem trabalha em casa tem tendencialmente uma vida mais sedentária), seja lendo, passando tempo de qualidade com a família e os amigos, enfim, fa­zendo atividades que ajudem a manter um estado de espírito positivo e a atingir ótimos níveis de energia.


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