Nascida em São Paulo, em 1988, Ruth Manus é advogada, professora universitária e escritora. Casada com um português, vive em Lisboa desde 2015. Licenciou-se em direito na Pontifícia Universidade de São Paulo, onde também fez um mestrado em processo do trabalho. Viveu em Paris e em Roma e foi na capital italiana que fez uma pós-graduação em direito sindical. Já em Portugal, a brasileira tirou uma pós-graduação em direito europeu e um doutoramento em direito internacional na Universidade Clássica.

Professora de direito do trabalho e de direito internacional, escreve no Estadão, jornal de São Paulo, desde 2014. Em Portugal, é possível lê-la no jornal Observador desde 2016. Tem dois livros de crónicas publicados no país natal. Apaixonada por Portugal e pelo Brasil desde sempre, lançou, em julho de 2021, "Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas", uma reflexão sobre o papel da mulher nos tempos que correm, abordando direitos, trabalhos, família e outras inquietações femininas no século XXI.

Tomando como certo o título do seu último livro, as mulheres não são chatas, estão é exaustas. O que é que as deixou neste estado?

Acredito que é toda uma série de fatores que, em conjunto, causa essa exaustão, mas podemos sintetizar tudo isso no facto de estarmos todos inseridos numa sociedade patriarcal. Não é uma opinião minha, é um facto. A nossa sociedade é toda ela construída para priorizar os interesses e as liberdades masculinas, seja através da lei, dos costumes ou da cultura.

As mulheres entraram no mercado de trabalho e as tarefas domésticas não foram redistribuídas entre homens e mulheres. A maternidade e a paternidade não foram revistas em profundidade. As cobranças sobre o corpo e o comportamento das mulheres também continua latente. Não há como não estarmos exaustas, especialmente num contexto de pandemia...

Neste livro e também numa das crónicas que assinou no jornal digital Observador, queixa-se das opressões que condicionam as mulheres nos tempos que correm, as que são feitas em voz alta e as silenciosas. Que opressões são essas?

Os julgamentos que recaem sobre as mulheres, se engordou, se não se casou, se se separou, se não trabalha, se trabalha demais, se não teve filhos, se teve filhos e prioriza a carreira, se assumiu os cabelos brancos e por aí fora... Esses julgamentos, de um modo geral, não precisam de ser verbalizados...

Todas nós sabemos que somos julgadas constantemente. O olhar masculino, na rua, julga as nossas roupas e o nosso corpo. O olhar de outras mulheres muitas vezes também julga as nossas escolhas! E isso gera um cansaço gigante e uma ansiedade enorme...

As opressões silenciosas são mais perigosas do que aquelas que, por uma razão ou outra, acabam por ter eco social?

São-no, certamente! A historiadora norte-americana Rebecca Solnit diz que, às vezes, é bom que o machismo, seja ele protagonizado por homens ou por mulheres, se apresente de forma visível, como uma bosta de elefante no tapete da sala. Esta é a expressão que ela usa. Quando o machismo é escancarado, todos percebem e entendem. Quando ele é dissimulado, vindo em forma de elogio ou de piada, por exemplo, muitas das vezes não é compreendido, nem sequer por quem executa a ação...

Apesar da evolução que se tem registado nos últimos anos, a desigualdade de géneros continua a ser grande. A culpa é só dos homens?

A culpa é da sociedade como um todo. Dos governos, das empresas, das universidades, das escolas, das famílias... Sucede que a imensa maioria dessas instituições ainda é liderada por homens que, de um modo geral, não estão minimamente interessados em reverter o quadro, já que, como diz o professor Boaventura de Sousa Santos, a manutenção do patriarcado é uma das bases para a manutenção do capitalismo em si. Sem a exploração das mulheres, o sistema atual não subsiste ou, pelo menos, não da forma atual...

Num dos seus podcasts, afirma que as mulheres são as piores inimigas de si próprias. Não é a única a afirmá-lo publicamente mas, no seu caso, por que é que diz isso?

Na verdade, quem disse isso foi a nutricionista Iara Rodrigues, que entrevistei nesse episódio. Ela dizia isso porque, muito frequentemente, somos duras demais connosco, o que gera muita ansiedade e uma evidente perda de qualidade de vida...

Muitos homens reconhecem que, apesar de serem supostamente eles a mandar lá em casa, as mulheres acabam por ter formas subtis de os levar a fazer o que elas querem. Concorda com esta afirmação? Se sim, tendo as mulheres esse poder, isso não deveria ser suficiente para conseguirem alcançar tudo o que pretendem em termos sociais e políticos?

Enquanto falarmos em haver alguém a mandar em casa, estamos no caminho errado. No direito brasileiro, o código civil eliminou a expressão pátrio poder, substituindo-a por poder familiar, o que gera automaticamente a ideia de que não deve haver alguém mandando mas, sim, um conjunto funcional de decisões familiares. E mesmo que mulheres mandem, entre aspas, nas suas casas, isso em nada muda o machismo institucional e cultural na esfera pública que ainda temos.

A pandemia teve impactos na vida de toda a gente. As mulheres sofreram mais do que os homens com os constrangimentos que passaram a ser o novo normal?

Sem dúvida nenhuma! No Brasil, mais de oito milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho, desde o início da pandemia. A maiora, em geral, fê-lo para poder cuidar da casa, dos filhos e dos idosos.

Quando a empregada doméstica saiu de cena, digamos assim, percebeu-se que as mulheres, mesmo que tenham trabalhos tão importantes quanto os dos seus companheiros homens, continuam a ser as responsáveis pelas tarefas domésticas e familiares. Muitos homens não colaboram em nada, outros simplesmente ajudam e pouquíssimos assumem uma verdadeira postura de partilha de tarefas.

Numa das crónicas que publicou aconselha os seus leitores a só se apaixonarem por alguém que possam mandar à merda. Este conselho é só para as mulheres? E, já agora, porque é que faz esta recomendação?

Esse é um texto bem humorado sobre a necessidade de existir leveza e transparência nos relacionamentos. Sobre o imperativo de não levar tantas discussões a ferro e fogo e sobre a relevância de saber a hora de deixar passar, desvalorizar e rir. Eu continuo a acreditar que este mandar à merda, que tem a ver com uma informalidade e não com uma falta de respeito, é uma forma de não deixar que os problemas, depois, se transformem em bolas de neve desnecessárias.

No seu caso pessoal, foi também por uma pessoa dessas que se apaixonou ou nem sempre é fácil implementar na prática as teorias que defendemos?

Eu estou sempre apaixonada. Não sei viver de outra forma... [sorri]

Depois deste livro, já tem planos para o próximo? 

Já estou a escrever o meu oitavo livro, que também tem muito a ver com estes temas. Deve ser lançado no Brasil no início de 2022...

E, fora da literatura, tem outros projetos em mãos que espera materializar ainda este ano?

Em 2021, pretendo continuar a cuidar da minha saúde física e da minha saúde mental para continuar a encarar a vida com entusiasmo e paixão, apesar de todos os desafios que estamos atualmente a viver...