O combate à violência doméstica tem sido, do ponto de vista da política criminal, uma das principais preocupações da sociedade portuguesa a todos os níveis e que, por isso, determinou a consolidação de políticas de prevenção e combate à violência doméstica, através de ações concertadas com as autoridades públicas e organizações não governamentais, combinando novas metodologias e abordagens ao fenómeno, o que incluiu e implementação de respostas em situações de emergência.

Nesse sentido, o n.ºs 4 e 5 do artigo 20º, da Lei n.º 112/2009 de 16 Setembro, bem como a entrada em vigor da Portaria n.º 220‐A/2010 de 16 de Abril, entretanto alvo de algumas alterações, estabeleceram as condições normativas necessárias à utilização inicial dos meios técnicos de teleassistência, que assegurem à vítima de violência doméstica uma forma específica de proteção organizada em torno de um sistema tecnológico que integra um leque de respostas/intervenções que vão do apoio psicossocial à proteção policial, por um período não superior a 6 meses, mas que pode ser prorrogado caso necessário.

A teleassistência a vítimas de violência doméstica surgiu, pois, da necessidade de garantir proteção e segurança às vítimas e diminuir o seu risco de revitimização.

Na prática consiste na atribuição às vítimas de um aparelho com um botão, que georreferencia as vítimas, comumente chamado de “botão de pânico”, que lhes permite acionarem esse mesmo botão caso percecionem estar numa situação de perigo, por exemplo se houver aproximação dos agressores, e, nessa eventualidade, estabelecerem contacto com uma equipa técnica que diligenciará pela sua segurança, o que ocorre 365 dias do ano e durante as 24 horas do dia de forma gratuita.

Para a sua implementação, as vítimas que tenham um processo-crime a decorrer, em que tenha sido identificado pelos órgãos de polícia criminal um risco médio ou elevado, podem solicitar a entrega do aparelho, prestando um consentimento livre e esclarecido para o efeito.

No entanto, temos vindo a constatar que a entrega de aparelhos de teleassistência às vítimas tem vindo a tornar-se uma prática recorrente, sendo indistintamente atribuída a vítimas de violência doméstica independentemente do grau de risco da sua situação e independentemente de as vítimas coabitarem ou não com os agressores, o que desvirtua o sentido de aplicação deste meio técnico de controlo à distância.

E, por outro lado, ao arrepio da proteção e segurança prometida às vítimas com a atribuição do aparelho de teleassistência, que as faz acreditar que estão a ser protegidas pelo sistema judicial português, acabam mais tarde por sentir que elas é que estão a ser controladas pelo sistema e que em caso de necessidade, quando primem o botão de pânico, não recebem a resposta imediata e/ou atempada por parte da equipa técnica que monitoriza a teleassistência. As vítimas manifestam efetivamente que preferem telefonar diretamente para a polícia e pedir ajuda em casos de emergência, relatando que a morosidade senão mesmo a falta de resposta da equipa técnica que monitoriza os aparelhos não se compadece com a necessidade de resposta urgente perante as situações de emergência.

Ora bem, apesar do descontentamento das vítimas que tem vindo a público sempre se dirá que este é mais uma forma de proteção das vítimas que não pode ser menosprezada e que, quando muito, pode é ser melhorado na sua implementação e no investimento dos recursos humanos que monitorizam este meio técnico.

Acresce que, não sendo uma barreira física, a teleassistência pode sempre ser falível quando não coadjuvada com medidas de coação capazes de conter os agressores na sua conduta criminosa. Ou seja, é necessário perceber que a teleassistência é de facto uma ajuda, mas que em situações de elevado risco, o sistema judicial também tem de tomar medidas capazes de impedir a continuidade da prática do crime.

Os números de homicídios praticados contra mulheres em contexto de relações de intimidade trazidos a público têm vindo a aumentar, sabendo-se que mais de metade dessas vítimas já haviam apresentado denúncia e que muitas delas beneficiavam de teleassistência sem que houvesse, no entanto, medidas de coação capazes de conter a conduta criminosa dos agressores. O que nos leva a concluir que nas situações de elevado risco é preciso apostar em medidas de coação adequadas ao caso concreto e só assim eficazes, mas, para tanto, é imprescindível que os profissionais envolvidos na denúncia do crime estejam atentos aos sinais, às características específicas das situações por forma a haver uma ação concertada entre os órgãos de polícia criminal e o Ministério Público na monitorização do risco, proteção das vítimas e contenção dos agressores.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.