O tédio do adolescente tem um lado útil e outro perigoso

Para o bem ou para o mal, o tédio tem um papel importante a desempenhar na adolescência. Para o bem, pode tornar-se um forte incentivo para o desenvolvimento do adolescente - a criança, à medida que vai perdendo o fascínio pelas atividades, vai descobrindo novos interesses que a inspiram e a motivam a crescer. Para o mal, pode contribuir para muitos problemas pessoais e sociais - quando o tédio progride de passageiro para um estado mais prolongado e permanente. Assim, o adolescente pode desenvolver um sentimento de falta de esperança, desânimo ou impotência, o que pode levá-lo a estados emocionais muito negativos, como a ansiedade na adolescência ou depressão.

Podemos distinguir dois tipos de tédio: sentimento de vazio (por não ter nada que saiba ou queira fazer ou nenhuma ideia como mudar esta situação) e sentimento de aprisionamento (por ter que fazer coisas que são impostas, inevitáveis e sem interesse, sem importância ou prazer).

Agora, sabendo que o adolescente está muitas vezes entediado, qual é então a novidade? Quando os pais devem levar a sério o estado de tédio do seu filho ou filha adolescente? A resposta é simples. Devem levá-lo a sério quando as manifestações e reações dele ou dela constituírem um estado prolongado e mais permanente. Esta situação pode ser bastante prejudicial, quer para ele próprio, quer para os outros. Ao lidar com o tédio, o adolescente pode ser extremamente míope. Ele pode concentrar-se num impulso imediato e ignorar os perigos que o acompanham.

Um incidente que aconteceu nos Estados Unidos, em agosto de 2013, é um exemplo extremo disso. Enquanto corria, um jogador universitário de beisebol foi baleado por três adolescentes em Duncan, Oklahoma. A polícia disse que os adolescentes terão relatado que estavam “entediados” e decidiram matar alguém “por diversão”.

Claro que nem todo o tédio do adolescente resulta em violência social, e muito menos em atos extremos de violência. O risco é criar uma desconexão perigosa entre o ato associado ao alívio do tédio, que pode ser desesperadamente escolhido, e a consciência das consequências prejudiciais que tal ato pode ter sobre si mesmo e os outros.

O tédio é sério porque é um estado doloroso do adolescente

O tédio está embutido nos adolescentes de uma maneira contraditória, que é bem evidente na sua relação de amor / ódio com a liberdade. Eles adoram não ter nada para fazer, mas odeiam não ter nada para fazer. Assim, a escola pode ser chata (sem tempo livre), mas as férias também podem ser chatas (muito tempo livre.) No primeiro caso, não têm liberdade suficiente para fazer o que querem, no segundo têm tanta liberdade que não sabem o que fazer com ela.

O tédio é sério porque é um estado doloroso do adolescente. Pode parecer intolerável perder o interesse, sentir-se desmotivado, sem direção ou objetivo, sem sentido, sentir-se sem propósito, sentir-se desconectado e perdido, sentir-se preso ao tédio e à monotonia. É doloroso sentir-se vazio, sem se preocupar com nada que valha a pena fazer, sentir-se entediado, entediadíssimo, sem fim à vista!

Assim, é natural que os adolescentes fiquem inquietos e irritáveis ​​e recebam de bom agrado as oportunidades de alívio do tédio. Por exemplo, para consternação dos seus pais, observam o seu filho ou filha “entorpecido”, horas intermináveis, agarrado aos dispositivos eletrónicos: telemóvel, computador, videojogos ou televisão. Ou quando um membro do grupo sugere descontroladamente: "Eu sei o que podemos fazer!" E então, em alívio coletivo, todos os outros seguem-no imprudentemente.

Os riscos do tédio vêm sobretudo das escolhas para buscar alívio

Os riscos do tédio do adolescente vêm de desânimo emocional provocado pelo estado de tédio e alívio do tédio, isto é, escolha da forma de obter esse alívio. Irei focar-me sobretudo neste segundo aspeto. O alívio do tédio pode ser obtido por meio de quatro maneiras comuns e, muitas vezes, problemáticas:

1. Exclusão. Pode ser escolhido um ato de exclusão, como deixar de prestar atenção, sonhar acordado, desligar-se ou ignorar o que é enfadonho. Aqui, o alívio é desconsiderar o que não interessa ouvir. Esta escolha de alívio pode causar problemas sérios se determinados avisos significativos ou sinais de perigo não forem atendidos. Por exemplo, ignorar que não se deve enviar mensagens de texto ou beber enquanto se conduz.

2. Fuga. Pode ser escolhido um ato de fuga, como por exemplo, jogar videojogos compulsivamente, ficar viciado no telemóvel, navegar ou estar online constantemente nas redes sociais. Esta escolha de alívio pode causar problemas por se tornar habitual. Aqui, o alívio é um ato de evitação.

3. Experimentação. Pode ser escolhido um ato de experimentação, como alguma forma de uso de substância recreativa, em que se inclui o consumo de drogas ou álcool. Esta escolha causa problemas e constitui uma tomada de decisão arriscada que resulta em danos para si mesmo ou para outros, ou algum grau de dependência química que se pode desenvolver. Aqui, o alívio é um ato de curiosidade.

4. Excitação. Pode ser escolhido um ato de excitação, com um potencial de risco extremo. Essa escolha causa problemas porque busca a aventura, novas sensações e emoções, para quebrar a monotonia opressora, busca a ousadia impulsiva, e que pode mesmo resultar na transgressão da lei ou violência social. Aqui, o alívio é um ato de estimulação.

Estas quatro maneiras de alívio do tédio resultam da necessidade permanente do adolescente fazer algo, qualquer coisa. É preferível do que suportar a experiência de vazio ou aprisionamento e o estado psicológico emocional que o tédio está a causar.

O tédio do adolescente é fortemente agravado pelo estado de confinamento

Segundo um estudo recente da Universidade de Coimbra, a pandemia e o estado de confinamento teve um significativo impacto negativo na saúde mental dos adolescentes, com um aumento das emoções negativas, como a tristeza, medo e raiva, sintomas de ansiedade e uma descida da felicidade. Observou-se ainda que 14% dos adolescentes apresentavam “sintomatologia depressiva elevada”.

Apesar de geralmente os adolescentes conviverem bem com as novas tecnologias, procuram um convívio que não seja apenas através da internet, que inclui estarem fisicamente juntos ou ir passear com os amigos. Só que neste momento, nada disso é possível. Nesta fase da vida, na expectativa de poderem gozar de maior convívio com os atuais e novos amigos, de terem novas experiências, vêem-se reduzidos às paredes do lar e a um ecrã de computador. Um jovem universitário relata que “pensava que a entrada na faculdade iria ser altura de novas experiências e diversão, só que nada disso aconteceu”. Há muita tristeza e frustração.

Assim, com os adolescentes fechados em casa com os pais, para além do tradicional choque de gerações, assiste-se a um agravamento do comportamento dos “adolescentes difíceis”, com uma interação comportamental negativa entre as duas gerações. Só que desta vez os adolescentes não têm um espaço para onde possam ir sem se sentirem que estão a ser controlados, daí uma intensificação desta relação negativa. Além disso, os adolescentes ficam sem acesso a novas experiências de vida e sentem-se ainda mais entediados do que o habitual. De facto, o estado atual de confinamento, motivado pela pandemia, veio agravar significativamente o seu sentimento de tédio.

O tédio também pode ser um forte motivador

Isso significa que no tédio do adolescente é tudo mau? Não. Pode funcionar como forte motivador. O seu poder está na oportunidade de criar uma constante insatisfação no adolescente. Ficar inconformado com a forma como as coisas são e como cada um é. O adolescente positivamente entediado sente que nada o pode demover, “Estou pronto para seguir em frente”, “Vou tentar algo diferente”. Deste modo, o adolescente quer romper com o “status-quo”, no desejo de fazer mudanças e “transformar o mundo”.

Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta