#Fiqueemcasa… o comando mais escutado e mais visto hoje em dia. Há já muitos anos que não era tão importante ficar em casa para se estar seguro.

As rotinas têm que mudar obrigatoriamente: não podemos estar perto de muitos daqueles com quem estávamos tão frequentemente; os nossos colegas de trabalho, olhamos para eles através do monitor de computadores e tablets, em teletrabalho, porque estar próximo é perigoso.

A humanidade já passou por outras pandemias, passou por várias guerras, mas não enfrentou um recolher obrigatório com as condições com as quais muitas famílias se deparam no presente. Nunca a humanidade teve tantas oportunidades para se sentir perto estando longe.

São sobejamente conhecidas as histórias das cartas que os soldados deslocados para campos de batalha escreviam às suas esposas de guerra, enviadas em telex para chegarem ao remetente vários dias depois de serem entregues. Hoje, devido à velocidade alucinante da Internet, conseguimos estar perto de quem mais precisamos e queremos em poucos segundos.

Tendo o privilégio de trabalhar diariamente com jovens e respetivas famílias, consigo ter um vislumbre de inúmeras dinâmicas familiares e com frequência escuto queixas válidas de pais dizendo que os filhos passam demasiado tempo agarrados aos seus “smartphones”, nas redes sociais, nos videojogos, com os amigos, no Instagram, no TikTok… assumi que, numa situação de confinamento obrigatório, a ligação aos ecrãs fosse tornar-se ainda mais intensa e frequente.

A necessidade de estar em contacto com outros através de métodos digitais fosse ainda mais permanente e que a utilização das redes sociais se tornasse a maior fatia de tempo no dia a dia de uma quarentena que não tem ainda um fim à vista.

Tendo conseguido manter o acompanhamento à distância de vários jovens com quem contactava num regime semanal presencial, tenho acompanhado de perto as suas interações com os ecrãs e a capacidade para se adaptarem às novas rotinas.

Não há dúvida que se assistiu a um crescendo na utilização dos ecrãs enquanto fonte de entretenimento e de contacto com os outros, amigos e familiares

No entanto, não se tem verificado um aumento significativo na necessidade de estar em contacto, ou seja, os jovens e os adultos não estão a fazer mais videochamadas, a enviar mais mensagens, num número que se destaque relativamente ao que já acontecia.

Isto revela um aspeto muito interessante da vivência dos jovens. O seu contacto com as redes sociais não mudou radicalmente: continuam a publicar InstaStories e a usar o TikTok para fazer publicações do que criativamente vão inventado nas suas casas, mas não se verificam números significativamente crescentes no que respeita ao contacto através de mensagens e videochamadas.

Talvez isto signifique que as pessoas precisam realmente de estar umas com as outras e que a distância não é sinónimo de aumento da frequência de contacto ou necessidade de ver e se ser visto. Nenhum dispositivo eletrónico tem a possibilidade de permitir a sensação de um aperto de mão ou um abraço (ainda!) e isso parece fazer falta.

“Quem me dera regressar à escola”

É a frase que mais frequentemente tenho escutado por parte dos jovens que acompanho, representando a inconfundível necessidade de retomar as rotinas a que se acostumaram, sendo uma delas o contacto presencial com aqueles que os rodeiam diariamente.

Porém, algo mudou definitivamente. O uso do computador como ferramenta de trabalho, tão frequente no presente, ainda não o tinha sido feito, na maioria das profissões, para uma das suas maiores potencialidades. Permitir que o trabalho seja feito, que se receba o que se precisa, que se contacte com quem se necessita, através da internet.

O teletrabalho tornou-se uma palavra comum numa questão de semanas e quem não acreditava que tal fosse possível, está a utilizar os dispositivos eletrónicos de forma que antes desconhecia. No mesmo sentido, foram-se desenvolvendo novas ferramentas, disponibilizadas estrategicamente para demonstrar que o trabalho à distância é uma possibilidade, e que vai continuar a ser mesmo quando já não for necessário ficar em casa.

As estatísticas e previsões apontam para um decréscimo progressivo, a longo prazo, do risco de contágio. Tal irá significar que daqui a algum tempo (seja ele qual for) iremos retomar a grande maioria das nossas rotinas, sedentos que estamos de podermos voltar a beber um café na pastelaria, abraçar um familiar distante ou sentarmo-nos numa reunião com colegas.

Iremos versatilizar a nossa forma de trabalhar, recorrendo à utilização dos dispositivos eletrónicos de mais e melhores maneiras, voltando a postar fotografias das férias que tivemos ou publicando uma InstaStory sobre algo que aconteceu na rua em que nos deslocávamos.

O uso necessariamente intensivo da tecnologia neste período pandémico não nos fará esquecer que o contacto e a proximidade não são substituídos totalmente por um ecrã.

Nas palavras de Júlio Verne “na felicidade tal como na saúde, por vezes temos que ser privados delas para as saber reconhecer”.

Autor: João Faria, Psicólogo Clínico