Depois de um longo e extenuante ano letivo para todos os alunos, pais e professores, chegaram, finalmente, as Férias de Verão, também conhecidas como as “Férias Grandes”. Elas são, de facto, grandes em tudo.

Não só em tempo, mas também em qualidade, por se tratar de um período do ano que é extremamente importante para o desenvolvimento e saúde mental das nossas crianças e jovens, pelas oportunidades e experiências que trazem consigo (intensificar das atividades em família, idas à praia, saídas com os amigos, maior tempo dedicado a atividades nas áreas de interesse, entre muitas outras).

Apesar disso, muitos são os pais que se têm deparado com um problema (que não é novo, mas que assume maior saliência durante a pandemia que vivemos) – “Estamos de férias e o meu filho passa o dia todo em frente ao computador”; “Não conseguimos tirá-lo de casa, não quer ir a lado nenhum”; “Quando saímos, está sempre irritado e ansioso para poder voltar para a tecnologia”.

Como em muitas outras coisas na vida, os videojogos e a internet, se consumidos com moderação, podem ser bastante positivos. Aliás, foi graças a estas tecnologias que conseguimos minimizar o impacto do isolamento social provocado pelos sucessivos períodos de confinamento.

De repente, os videojogos e as redes sociais tornaram-se os “recreios” das nossas escolas, permitindo que os mais jovens continuassem a interagir com os seus amigos e a darem continuidade ao desenvolvimento das suas competências socioemocionais num tempo tão atípico. A experiência de estar confinado não foi vivida da mesma forma por todos. Se para uns o confinamento trouxe um enorme isolamento e uma saudade extrema do contacto presencial com os pares, para outros (especialmente aqueles que jogam videojogos) o confinamento foi um período que “permitiu aproximar e até fortalecer a relação com os amigos”.

Se é verdade que já não estamos confinados, é também verdade que continuamos a ter muitas limitações e restrições que podem dificultar atividades ocupacionais dos nossos jovens em período de férias e estima-se que a tecnologia continuará a ter um papel importante nas suas vidas. Por isso, a primeira recomendação que podemos dar aos pais é a de compreenderem qual é o papel e a função que as atividades tecnológicas estão a desempenhar na vida do jovem.

Que necessidades estão a ser satisfeitas com a sua utilização? A resposta a esta questão é importante para os pais conseguirem empatizar com as necessidades dos seus filhos e para não as negligenciarem nas suas práticas e decisões. Além disso, poderá dar pistas interessantes para o planeamento de atividades alternativas, que possam ajudar cumprir essas mesmas necessidades (convidar amigos para casa, realizar um jogo de tabuleiro, aprender a surfar…).

Efetivamente, um uso excessivo e problemático da internet e dos videojogos poderá ter consequências negativas para o desenvolvimento dos nossos jovens e aumentar a probabilidade de uma dependência dessas mesmas tecnologias. Mas, felizmente, apesar de cerca de 90% dos jovens utilizarem videojogos ou redes sociais online em dias que não têm aulas, apenas uma pequena percentagem acaba por desenvolver uma verdadeira adição destas atividades.

No entanto, esta possibilidade deverá merecer a nossa atenção. Será muito importante, nas férias, que os jovens possam ter um vasto conjunto de atividades experiências e que não se cinjam apenas à realidade tecnológica. Dessa forma, caberá aos pais a difícil, mas necessária, missão de auxiliar os filhos na regulação do uso das tecnologias.

No fundo, este verão, negociação será a palavra-chave para todas as famílias. É essencial que os pais negoceiem com os filhos, de forma eficaz, os limites de tempo dedicados às atividades tecnológicas. Esta negociação deverá ter em consideração a idade da criança ou do jovem, bem como a sua realidade individual e contextual.

Sabemos que crianças com idades inferiores a 2 anos devem evitar, o mais possível, estar expostas a ecrãs. Já as crianças com idades entre os 2 e os 5 anos devem ter um limite máximo de 1 hora por dia. A partir dos 6 anos de idade esse número pode ser incrementado, desde que sejam definidos limites consistentes e que não coloquem em causa outras atividades. Nesse contexto, consideramos que um período de 3 horas para crianças em idade escolar será um bom teto máximo.

Já para os adolescentes e jovens mais velhos, este tempo poderá ser ligeiramente mais alargado, mas sem compromisso de outras atividades de lazer, responsabilidades (higiene, tarefas domésticas) e sobretudo dos horários de sono. Espera-se que os adolescentes possam ganhar progressivamente maior autonomia na regulação do tempo dedicado à tecnologia, mas os pais devem continuar a supervisionar e a negociar limites saudáveis, especialmente quando estes começam a fazer um uso problemático ou excessivo.

Consultar as ferramentas de bem-estar digital disponíveis na maior parte dos smartphones e incentivar as crianças e jovens a fazerem o mesmo, permitirá que todos tenham maior consciência do tempo que está a ser despendido no uso da tecnologia.

Além da quantidade de tempo, há outro aspeto tão ou mais importante e que deverá merecer a nossa atenção: a qualidade do uso da tecnologia. É essencial que os pais sejam conhecedores do que forma os seus filhos usam as tecnologias. Que tipo de conteúdos assistem? Quais os jogos que jogam mais tempo? São jogos apropriados para idade da criança? Os pais devem consultar a classificação PEGI dos videojogos que os seus filhos estão a jogar, que além da faixa etária a que se destina o jogo, também indica que tipo de conteúdos sensíveis poderão estar presentes.

Falar com as crianças sobre os videojogos e os conteúdos da internet que estão a ser consumidos é fundamental para uma promover uma boa educação digital nos nossos jovens.

Também deverão estar particularmente atentos a comportamentos que possam indicar a presença de sinais de alarme para uma dependência, tais como: preocupação persistente relacionada com os videojogos, alterações emocionais (tristeza, irritabilidade) quando privados de utilizar os videojogos e a internet; perda de interesse por outras atividades; dificuldade para terminar a sessão de jogo; incremento progressivo do tempo despendido nessas atividades, entre outros.

Nestes casos, aconselhamos que os pais procurem ajuda especializada (Psiquiatria da Infância e da Adolescência, Psicologia, Pediatria ou Neuropediatria) para que se possam obter uma avaliação e uma intervenção adequada às necessidades do jovem e da família.

E, por último, porque possivelmente o leitor(a) estará a usar alguma ferramenta tecnológica para ter acesso a este texto, verifique há quanto tempo está a usar o seu smartphone ou o contexto em que o está a fazer, e, se for caso disso, não se esqueça de dar descanso à tecnologia e de ser um modelo de uma boa utilização das tecnologias, que certamente gostará de ver seguido pelos seus filhos nestas férias de verão.

De resto, será apenas desfrutarmos todos de umas boas férias, onde possamos aproveitar os videojogos, a internet e todo o vasto conjunto de atividades e oportunidades que as férias grandes nos trazem, de um modo benéfico para o nosso desenvolvimento e saúde mental.

Ivo Pinto, Psicólogo Clínico – Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo e Núcleo de Intervenção do Comportamento On-line (PIN - Em todas as fases da vida)