Gostava que me dissesse, por palavras suas, quem é que é o Paulo Battista antes de ser alfaiate...

O Paulo Battista antes de ser alfaiate era um miúdo que, infelizmente, não conseguiu fazer um curso superior por questões financeiras e que, de alguma forma, também desconhecia o que é que era a alfaiataria. Mas houve quem lhe apresentasse a alfaiataria e desde o primeiro dia que me sinto alfaiate. Eu costumo dizer que nasci alfaiate e não sabia. Aliás, acho que foi a profissão que me escolheu e não o inverso. Desde que comecei a trabalhar por conta própria - graças a Deus que se fala de alfaiataria, de fatos e de roupa clássica - mas há 20 anos não. E foi engraçado porque até os meus amigos gozavam com esta nova vida profissional... Obviamente que houve muitos 'nãos', muita vontade de desistir, mas o apoio da Susana, a minha mulher, foi fundamental. 'Se é isso que tu queres e se é a tua paixão havemos de dar a volta'. Aliás, ela costumava dizer que se não comêssemos bifes comíamos sopa, mas o importante era eu fazer aquilo em que acreditava, porque eu achava que na alfaiataria, fazendo as coisas bem feitas, poderíamos voltar a ser bem-sucedidos.

Acho que a alfaiataria se perdeu um pouco em relação ao prêt-à-porter porque, de alguma forma, não se conseguiu provavelmente atualizar-se. Eu tinha noção que quando chegasse a minha altura era possível fazer algo com muita qualidade, até porque nós éramos e somos referência nesta área. E se nos anos 1970 os franceses ou os ingleses recorreriam aos nossos alfaiates então era porque tínhamos qualidade e foi um pouco por aí. Foi acreditar muito naquele sonho que tinha e felizmente também graças aos clientes amigos que me proporcionam tudo isso. Sem eles era impossível ter esta evolução.

Eu sei que foi a loja de roupa onde trabalhava, o El Corte Inglés, que lhe proporcionou a oportunidade de tirar o curso de alfaiataria em Espanha e já disse que, logo no primeiro dia, se sentiu alfaiate e que nem sabia bem explicar porquê...

Não sei. Nós éramos uma turma de 22 alunos, ou seja, todos eles eram espanhóis. Eu e outro rapaz fomos os únicos a ir de Lisboa para Madrid. Praticamente todos tinham trabalhado em alfaiataria e o único que nunca tinha estado em contacto tinha sido eu, mas percebia as coisas nitidamente de tal forma que, dos 22, sou o único que me mantenho como alfaiate.

Eu costumo dizer que nasci alfaiate e não sabia

Acredita que nada acontece por acaso? Eu sei que a escola onde tirou o curso de alfaiataria estava localizada na mesma rua onde o Paulo chegou a viver durante um período da sua infância...

Exatamente. Aliás eu acredito que nada mesmo é por acaso. Agora acredito no trabalho, no empenho e na dedicação. Eu lembro-me que quando a minha mãe foi para Espanha tentar melhores condições de vida e ter mais desafogo financeiro eu ainda tentei [viver lá com ela]. Ainda lá estive cerca de oito, nove meses e realmente fiquei [a viver] na Calle Valverde, que era a rua em que depois era a Academia de alfaiataria em Madrid, a Confiança. Sinto-me um privilegiado e um sortudo porque acredito mesmo que nada é por acaso. Mas é como eu digo ‘A sorte dá muito trabalho’. E quando trabalhamos, por vezes, não somos recompensados quando achamos que deveríamos ser, mas mantendo-nos fiel aquilo em que acreditamos e aos outros, acho que mais cedo ou mais tarde somos recompensados.

Foi nesse momento, quando tirou o curso em Espanha, que percebeu que a alfaiataria seria o seu futuro?

Percebi que era para a vida. Depois fui para Madrid e para Barcelona também com o mesmo grupo de curso e quando regresso a Lisboa para começar a trabalhar, regresso a uma realidade completamente diferente.

Que realidade era essa?

Eu não tirei um curso superior, mas acho que quando alguém acaba um curso superior acha que vai ser automaticamente e imediatamente bem-sucedido na sua área. Mas estamos a falar de profissões muito duras, que exigem muito empenho, muito esforço físico e de alguma forma também os outros alfaiates nunca me abriram a porta da forma que eu achava que o deveriam ter feito. Obviamente que com aquela idade não aceitava, porque era muito novo e achava que me estavam a fechar portas…

O Paulo tinha 22 anos, correto?

Exatamente. Tinha 22 para 23. E, por vezes, a frustração sobrepõe-se à nossa força. Quando decidi sair do El Corte Inglés, onde estive quatro anos, com outros sonhos, acabo por ingressar numa casa de referência, o Rosa & Teixeira, para a qual eu ia cheio de sonhos e promessas de que iria fazer o que atualmente faço. Mas depois também me deparo que não o irei fazer e que iria trabalhar no apoio à loja. Mas como já tinha outra idade, encarei aquilo como 'Ok Paulo, calma. Provavelmente vais precisar de muita experiência de gabinete, porque é muito importante o contacto com o cliente.' E acabei por estar cerca de sete/oito anos nesse tipo de experiência. Como também sempre tive muitos objetivos na minha vida, sempre disse que se aos 34/35 anos não estivesse a fazer aquilo que realmente era a minha paixão, mesmo por conta de outrem, que arriscaria trabalhar para mim. Confesso que esse era sempre o último plano, porque quando eu saio do Rosa & Teixeira para trabalhar para mim já tinha três filhos [o Rafael, o Miguel e a Renata], e abandonar o certo pelo incerto foi uma decisão um pouco arriscada, um pouco a medo… Mas bendita a hora que decidi fazê-lo. A partir daí foi sempre a colocar o nome Paulo Battista enquanto marca no mercado e principalmente poder ver os portugueses a falar muito sobre alfaiataria, sobre os fatos e que havia um alfaiate novo que tinha aparecido. Para mim foi ótimo.

Esse era muito o meu propósito: dizer que a alfaiataria, na realidade, não está morta

Disse que trabalhar por conta própria foi uma decisão arriscada. Como é nasceu a marca e o atelier Paulo Battista, que hoje se situa numa das zonas mais nobres da cidade?

Nos últimos dois anos em que ainda trabalhava no Rosa & Teixeira, a Susana trabalhava na Malo Clinic, onde o Manuel Luís [Goucha] era paciente há já uma série de anos. E a Susana, apesar de até privar com o Manuel, nunca tinha falado em mim. Sabíamos que ele era alguém que ligava muito à imagem, até porque usava fato diariamente, e que poderia ser um ótimo cliente, mas nós nunca quisemos isso... Eu não uso cartões de visita, não faz parte [do meu negócio]. Eu acho que quem quer um Paulo Battista tem de ser mesmo um desejo, e não algo que seja publicitário ou imposto. Eu não gosto disso. Nem nos meus maiores sonhos imaginei ter o Manuel Luís [como cliente].

E como é que se conheceram?

Um dia o Manuel Luís comenta com a Susana que tem um fato de uma marca internacional para arranjar e ela, por acaso, diz-lhe 'Olhe curiosamente o meu marido é alfaiate. Se quiser eu posso tentar.' E o Manuel achava que ninguém sabia mexer naquilo e ali foi a minha oportunidade. Obviamente que arranjei como ele queria. Mais uma vez o Manuel Luís queria pagar, porque faz questão de pagar tudo. Como naquela altura não lhe quis cobrar, sempre com a sua bondade, ele de alguma forma quis-me compensar e disse 'Então faz-me um casaco.' E eu vou ser muito honesto: ouvi aquela frase e o sentimento que tive foi do tipo 'Faz-me um casaco que eu provavelmente não vou usar e fica a dívida paga'. Eu sou muito competitivo e disse 'Olha estás-me a dar esta oportunidade e nunca mais vais sair daqui' e assim foi. Durante dois anos o Manuel foi repetindo e, às duas por três, eu lembro-me que quando decido trabalhar para mim foi quando o Diogo Morgado foi nomeado para os Emmys nos Estados Unidos e eu faço-lhe o smoking. A partir daí eu já começava a ter alguma procura e foi quando decidi ‘Se realmente queres seguir a tua paixão, é agora ou nunca'. E felizmente foi a opção correta.

Mas antes de abrir o seu atelier na Rua Rodrigues Sampaio começou por ter um atelier num outro sítio...

Quando trabalhava por conta de outrem vivia na A-da-beja, na Amadora, e tinha a lojinha do prédio que o dono me alugava por um valor simbólico. Depois quando decidi trabalhar para mim ainda me mantive ali um ano porque aluguei um espaço - onde eu estou hoje e que acaba por ser atrás do Rosa & Teixeira – e, por uma questão de respeito, não quis sair do Rosa & Teixeira e vir para trás para não haver conflitos do género 'Saiu daqui e veio para o lado'. Eu não gosto dessas coisas e então mantive-me no meu espaço. E curiosamente passados uma série de meses fui para a Rodrigues Sampaio, não no prédio onde eu estou hoje, mas para o prédio do lado. Estava num quinto andar, onde tinha duas salas, mas que rapidamente ficou pequeno, e voltei para um terceiro andar, onde tinha cinco salas. Surgiu a oportunidade de ficar com a loja de rua e mostrar à rua a alfaiataria. Esse era muito o meu propósito: dizer que a alfaiataria, na realidade, não está morta e que, quem tiver força de vontade, é possível fazer aquilo que gosta.

O Paulo disse que era uma pessoa competitiva. Eu sei que a qualidade e o rigor também são duas características indissociáveis do seu trabalho. Considera-se um perfecionista naquilo que faz?

Sem dúvida. Eu vou na rua a olhar e a fazer fatos a toda a gente. 'Aquele tem as mangas compridas, a bainha está comprida, a calça está torcida'. Confesso que acaba por ser um pouco sofredor. [risos] Desde miúdo que praticava desporto e sempre fui muito competitivo. Na realidade é aquilo que eu tento dizer aos meus filhos: não os incuto a serem doutores. Quero que sigam aquilo que achem que seja a aptidão deles. Confesso que acho excessivo uma criança com 15 ou 16 anos ter que decidir o curso que quer, pois cada vez mais as gerações são mais babies. Aquilo que eu digo aos meus filhos é que se eles quiserem ser padeiros o mínimo que têm que ser é o melhor padeiro da área deles porque a vida é assim. A vida é competitiva, obviamente de uma forma saudável, e essa competitividade é para mim, não é para com os outros. Eu gosto de ser cada dia melhor e se algo me corre mal, enquanto não deixar bem feito não descanso. Eu acho que é assim que temos de levar a vida.

Nem nos meus maiores sonhos imaginei ter o Manuel Luís [como cliente]

Ainda agora estava a dizer que vai na rua a olhar para os fatos e para a forma como as pessoas estão vestidas. Guie-me pelo processo de confeção de um fato e todo o processo desde o momento em que o cliente entra pela porta do seu atelier…

A alfaiataria, e isto é mesmo verdade, é para as pessoas experimentarem. E não tem de ser comigo. Se as pessoas tiverem um alfaiate que experimentem porque a alfaiataria é mesmo magia. Nós sentirmos que aquilo que estamos a usar, seja no nosso dia especial seja no dia a dia, foi feito para nós e não foi um fato feito para quem passar e queira comprar… E todo o processo é incrível. Por exemplo, com o meu cliente de primeira vez eu faço questão de falar o máximo de tempo possível. Sou muito observador, é uma das minhas maiores características, e naquele tempo que estou com ele tento tirar o máximo de informação e perceber a personalidade dessa pessoa. Os meus clientes dizem-me: 'Quando coloco um fato teu todos elogiam'. Não, o fato é que transmite todo o amor, empenho e dedicação que toda a equipa teve para com ele, nada mais.

Agora é incrível o processo: desde a escolha das fazendas, o tirar as medidas, o ver a cortar o fato, o vir provar, o chegar, às vezes, um dia ou dois mais cedo e estar a ver o fato a levar os últimos pontos… Ou seja, para mim isto é magia. Obviamente que estou a falar da minha paixão e acabo por olhar para isto de uma forma diferente dos outros, mas eu acho isto mágico porque é uma coisa única. Como costumo dizer, mesmo sendo um fato azul, em 400 fatos azuis eu sei qual é o meu e tenho a certeza de que o dono também vai saber que aquele é o fato dele. E isso é algo que não se consegue explicar. Tudo aquilo que eu possa dizer não é a magia que eu sinto e que eu tento transmitir aos meus clientes.

Aquilo que está a dizer é que a alfaiataria é algo que se sente na pele, no corpo e que dificilmente se explica por palavras...

Sem dúvida. Eu acho que quando colocamos um fato de alfaiataria, de alguém que esteve a dedicar toda a sua paixão, toda a sua entrega àquilo - porque há dias bons, há dias menos bons e o fato não tem culpa disso e temos sempre de o tratar com mãos de fada - a pessoa que o usa sente-me mesmo especial. Não tenho gratidão maior do que essa e o feedback de toda a gente para mim enche-me de orgulho.

Falando na confeção, em média quantas provas são necessárias até chegar ao produto final?

Aquilo que eu aprendi é que normalmente são precisas umas três, quatro provas. Atualmente - e foi isso que eu fui tentando tirar de todos os alfaiates e de todos os sítios onde eu estive a trabalhar - é que a nossa sociedade é uma sociedade em que é tudo para ontem. O cliente de antigamente tinha três ou quatro meses para fazer um fato, mas o meu cliente de hoje em dia quer o fato para o dia praticamente. Então aquilo que eu cada vez mais tento fazer - e volto a falar do tal rigor e da minha competitividade - é que sempre que corto o fato tento afiná-lo, o máximo possível, ao corpo do cliente.... Obviamente que todos os fatos têm que sempre fazer prova, mas se eu puder fazer só uma prova e entregá-lo tenho a certeza de que o meu cliente de hoje em dia vai ficar muito mais satisfeito porque não está para estar à espera. Por norma são duas, três semanas desde o início até ao fim.

Os seus clientes sabem logo aquilo que querem? Ou o Paulo também contribui neste processo e dá conselhos sobre aquilo que melhor favorece o cliente, seja em termos de corte ou cor?

O corte é algo que sempre que falar com algum alfaiate todos vão dizer 'Ó menina desculpe lá, mas o corte é o meu'. Essa acaba por ser a nossa bandeira de estandarte porque é, na realidade, o que define os alfaiates: cada um se define pelo seu traço, pelo seu corte. E o cliente que procura sabe que aquele tipo de alfaiate tem aquele tipo de corte. Em relação à cor, aí sim, tem a ver um pouco com a personalidade da pessoa e cada vez mais tem que ser dessa forma. Agora confesso que 80% dos meus clientes já sabem quando vêm ao Paulo Battista, que dentro da alfaiataria o Paulo Battista é um bocadinho mais arrojado e aí vem aquela tal parte competitiva. Eu prefiro fazer um xadrez a um fato liso porque o xadrez vai-me dar o triplo do trabalho para ter tudo a casar, a bater certo com as linhas.... É o que me dá mais adrenalina e mais prazer em fazer.

Quanto colocamos um fato de alfaiataria, a pessoa que o usa sente-me mesmo especial

Mandar fazer um fato por medida é bastante dispendioso. Qual o preço base de um fato e que valores é que pode atingir? Acredito que o tecido também irá mexer muito com o valor final...

Sem dúvida. Desde sempre que nunca falei em valores porque acho que é algo que não vale a pena... Não existe nada mais ecológico do que a alfaiataria. Se cuidarmos bem do nosso fato ele dura 10, 20 anos, passa de duas a três gerações. Não é algo que é para fazer e destruir. Depois só trabalhamos com matérias-primas naturais: não se altera nada, não se faz químicos, zero. Nesse aspeto estamos completamente conversados. Um fato leva cerca de 50 a 60 horas de trabalho e aquilo que eu digo sempre aos meus clientes que me questionam é ‘Não sei quanto é que paga ao seu mecânico à hora quando vai mudar o óleo, mas pode pôr mais ou menos o mesmo valor e depois tem de acrescentar que os tecidos são importados. A matéria-prima toda - entretelas, algodões, botões - é tudo importado e isso vai ditar o seu valor final’. Eu contraponho e digo ‘Vai comprar um fato azul onde quer que seja, o mais barato possível, e em 10 anos quantos vai comprar?' Na alfaiataria são fatos que passam de geração em geração e provavelmente é o que vai ficar mais em conta. Agora não podemos fazer esta conta na compra imediata. Obviamente que cada vez mais, pelas dificuldades que temos, eu próprio sempre que vou comprar o que quer que seja, o que custa é no imediato, mas a fazer essa conta a longo prazo, a alfaiataria sem dúvida é o mais em conta. Não tenho a menor dúvida.

Um fato é dispendioso, mas estamos a falar de algo que é feito de modo artesanal, à mão, sem qualquer processo industrial e isso também tem um preço...

Óbvio e cada vez mais nos dias de hoje, onde tudo é mecanizado e computorizado.... Eu não me lembro da minha mãe ter mudado os móveis de casa em toda a minha vida e quantas vezes é que nós já mudamos de móveis porque sim? Hoje em dia a nossa sociedade é totalmente descartável e aí é que me deixa muito feliz que toda esta sociedade, um pouco descartável, recorra ao alfaiate. É algo que também me deixa muito feliz enquanto artesão.

E ainda falando da parte da confeção, já teve alguns pedidos invulgares? Há algo que recusa fazer?

O típico fato de noivo, com todo o respeito, que os noivos estão muito habituados a ver nas feiras de noivos. Eu gosto de alfaiataria e tudo que sai fora desse âmbito não consigo, nem faço. Mas respeito imenso quem o faz e se o fazem é porque existe mercado. Eu considero-me alguém que, na realidade, produz o que se fazia bem há 20, 30, 40, 50 anos. Confesso que gosto de brincar com cor, mas considero-me um clássico e não abdico disso por nada.

E que tipo de fato é que lhe dá mais gozo fazer?

Tudo o que tenha a ver com a minha imagem enquanto profissional, os fatos de três peças - casaco, colete e calça - é o mais clássico que alguém possa ter e em qualquer ocasião que vá está sempre impecável. É um estilo muito british mas eu continuo a dizer que quem tem a malta com mais pinta somos nós [portugueses]. O meu cartão de visita são os meus clientes.

Não existe nada mais ecológico do que a alfaiataria. Se cuidarmos bem do nosso fato ele dura 10, 20 anos

Acha que arte de bem-vestir é uma forma de estar na vida?

Eu acho que nós temos de nos arranjar. Por exemplo, eu até posso ter a minha profissão, mas eu não sei se daqui a cinco minutos vou ter uma promoção, não sei se daqui a cinco minutos vou ter uma oportunidade no que quer que seja, não sei se daqui a cinco minutos vou conhecer a mulher da minha vida... E se eu estiver impecável provavelmente isso é capaz de facilitar um pouco. Aliás há uns anos eu ia na rua e toda a gente olhava para mim pelo visual. Mas a realidade é mesmo essa e eu acho que acima de tudo temos que agradar a nós próprios e não aos outros. Eu digo sempre: uma pessoa que tem coragem de colocar um fato que não seja azul tem de estar completamente bem consigo próprio. O mais fácil é o inverso. [...] Eu entro muito cedo ao trabalho, acordo às 5h da manhã, e dizem-me 'Estás sempre impecável.'  Eu visto a primeira coisa em que pego, mas sinto-me confiante em usar o que quer que seja.

Eu também acho importante a forma como nós nos apresentamos e aquilo que isso é capaz de fazer por nós e pela nossa autoestima…

E tudo aquilo que nós acabamos por vestir, de alguma forma, diz um pouco sobre a nossa personalidade. E isso passa numa primeira impressão. Acho que alguém que tem cuidado com a sua imagem, de certeza que também é uma pessoa cuidada com o seu trabalho e com tudo na sua vida.

Para além de conselheiro, o alfaiate também é um confidente do cliente?

Sem dúvida. Eu continuo a dizer que a minha sala de prova é completamente um confessionário. E quando me pedem a opinião isso quer dizer que, de alguma forma, eu faço a diferença na vida dos outros e isso é muito bom. Sinto-me um privilegiado que confiem em mim e desabafem o que quer que seja. Aliás quando o cliente se mete de cuecas comigo acho que já não há mais nada a esconder [risos].

Acredito que para si todos sejam especiais, mas existe algum fato que tenha um lugar especial na sua vida?

Todos os fatos que eu fiz, por exemplo, para casamentos de amigos meus, do Adrien Silva, do Éder, do Cédric Soares ou para o batizado do Quaresma, como foram coisas que eu sei que eram para um dia muito especial para eles, eu podendo ter contribuído acabei por sentir-me também muito especial. Confiarem-me essa tarefa faz de mim e do trabalho que fiz especial.

Tem uma clientela composta por jogadores de futebol e estrelas televisivas. E o seu primeiro cliente foi, nada mais, nada menos, do que Manuel Luis Goucha…

Foi o primeiro. Comecei logo pelo telhado. Quando me dizem que não é possível fazer uma casa pelo telhado eu digo que é mentira. [risos]

Confesso que gosto de brincar com cor, mas considero-me um clássico

E acredito que muitos deles acabam por se tornar seus amigos… Que figura é que gostava de ver com um fato da sua autoria?

De há 20 anos para cá tinha muito o desejo, até porque percebia que era uma excelente pessoa, de [vestir] o Tony Carreira e tive o privilégio de o fazer esta semana [em que se realizou a Gala dos Sonhos, em homenagem a Sara Carreira]. Como dizia numa música, e no outro dia estava a brincar com ele, é um sonho de menino, e é mesmo. Comecei pelo senhor da televisão, que é só o homem com mais pinta, e eu até costumo brincar que a seguir a mim é ele. O Manuel Luís é incrível, mas confesso que com o Tony voltei a ter aquele burburinho no estômago. Aquele mesmo que tive com o Manuel Luís naquela primeira vez, voltei a ter estas semanas com o Tony. E isso deixa-me muito feliz.

Os seus clientes são homens, mas também veste mulheres. Por duas vezes já vestiu a Filomena Cautela para os Globos de Ouro…

Estava com uma grande pinta, diga lá que não? Aquilo foi mesmo impecável, ficou mesmo brutal.

Qual a principal diferença entre criar um fato para um homem e para uma mulher?

Eu faço alfaiataria, ponto. Seja para homem seja para mulher. Agora confesso que as senhoras têm uma silhueta muito mais difícil para alfaiataria, até porque esta foi feita para o homem. Mas para as senhoras o céu é o limite então tem que haver ali um travão enquanto artesão. Fico muito contente porque no panorama televisivo já fiz para a Júlia Pinheiro, já fiz para a Cristina [Ferreira], fiz para a Rita Ferro Rodrigues… E quando eu faço para estas pessoas todas, tenho de fazer o triplo para a minha mulher, porque senão o ciúme mata-a... [risos]

A Susana tem ciúmes?

Não, estou a brincar, mas ela está-se sempre queixar que nunca lhe faço nada e também já sei que quando aceito alguma coisa para alguém tenho que fazer para ela obviamente. E ela tem toda a razão: em casa de ferreiro espeto de pau.

Quantas pessoas fazem parte da sua equipa e que trabalham consigo diariamente no atelier?

Somos oito, contando comigo e com a Susana.

Eu continuo a dizer que a minha sala de prova é completamente um confessionário

Na sua loja só atende por marcação e à porta fechada, mas também se desloca ao domicílio e ao estrangeiro, correto?

Por vezes tem de ser. Eu tento evitar ao máximo porque todo o trabalho passa pelas minhas mãos. Embora possa ir para a costureira, passa por mim em todas as fases e quando chego tenho uma pilha de trabalho para rever e retificar. Confesso que, por exemplo, já fui e vim a Frankfurt. De Frankfurt conheço o aeroporto, o táxi, a casa do cliente e a viagem de volta. Já cheguei a ir a Sevilha, tanto de avião como de carro, Londres, Istambul.... Tento ir e voltar o mais rápido possível.

Como foi durante o período da pandemia em que perdeu este contacto mais pessoal com os seus clientes?

Em termos familiares foi ótimo. Já nem eu próprio sabia andar por casa tanto tempo porque como disse eu saio muito cedo e por vezes não tenho hora para chegar. Foi ótimo para estar com os miúdos e com a Susana, mas confesso que sou um homem de trabalho, um workaholic. Comecei rapidamente a sentir falta do trabalho porque na realidade é isto que me preenche. Eu nem tenho despertador. Às 5h da manhã estou a pé. Sou um homem muito de família, pois quando saio daqui não vou para lado nenhum, mas confesso que me preenche muito o meu dia a dia e o meu trabalho.

Já lançou um livro ‘Manual de Estilo para Eles’, uma linha coleção de joias masculinas com a Simão Jewelry e, mais recentemente, uma linha de camisas e de óculos de sol. O que é que lhe falta fazer?

Eu sou muito de desafios, sabe? Como sou alguém que gosta daquilo que faz na alfaiataria, confesso que também para manter o cérebro um pouco mais além preciso de desafios novos. Ando sempre a queixar-me com falta de tempo, mas também sempre a meter-me em tudo. É um pouco contraditório, mas dá-me imenso gosto e gozo sair da minha área de conforto e tentar fazer as coisas o melhor que sei e o melhor que posso.

Em novembro completou 20 anos de carreira e para assinalar esta data lançou um gin com a idade do seu filho mais velho, o Rafael. O que é que o fez apostar neste produto?

Tem a idade, tem a personalidade, tem tudo aquilo que o meu filho tem até porque de todos, o Rafael, provavelmente, foi o que sentiu mais a minha ausência quando eu comecei a crescer profissionalmente e enquanto marca porque era mais crescido. E esta foi uma forma de lhe agradecer. Obviamente que tudo aquilo que eu faço fora do que é a alfaiataria e, aliás enquanto alfaiate, é sempre com o intuito de querer dar o melhor à minha família.

A alfaiataria é algo que eu aprendo todos os dias

Nestes anos de carreira ainda sente que tem muito para aprender nesta profissão?

Sem dúvida. A alfaiataria é algo que eu aprendo todos os dias. E não é frase feita. Quem achar que não, que é a última bolacha do pacote, aceito. Mas eu nem pensar. Nem sequer estou na frente do pacote.... Acho que nem de bolacha sou feito. Acho que só assim é que nos mantemos ativos e a querer superar desafios. Eu faço questão de achar tudo uma novidade e dar o melhor todos os dias. Nem de outra forma faria sentido.

Qual o maior elogio que lhe podem fazer?

O melhor elogio é as pessoas sentirem-se felizes dentro do meu fato e sentir que aquilo que eu lhes tentei transmitir eles entenderam na perfeição e sentiram-se especiais.

O seu sonho de criança era ser feliz. O Paulo Battista considera-se um homem feliz e realizado?

Considero-me porque na realidade tenho uma família que nunca imaginei ter, com uns filhos incríveis e uma mulher brutal. E depois tenho aquela parte, que por vezes acabamos por não ter tempo para isso nestas sociedades muito à pressa, que são os amigos. Eu faço questão de ligar muito aos meus amigos. Sou chato, mas é assim que sei viver. E se tiver que dizer que gosto da pessoa, digo sem qualquer tipo de problema. Na realidade é isto: hoje estamos aqui e daqui a cinco minutos, da mesma forma que pode aparecer a oportunidade do que quer que seja, não se sabe o que é que poderá acontecer. A vida é mesmo uma aprendizagem. E eu considero-me mesmo uma pessoa feliz. Tenho a família que quis. Faço o que amo. Tenho uns amigos que são do caraças. Não ambiciono nada a mais do que a vida me deu. Sou feliz. Acho que concretizei o meu sonho.