“Pois a filosofia não é o estudo da morte?”, dizia Sócrates. Independentemente das crenças, e força das mesmas, a Páscoa remete para esta temática, para a morte de Jesus, mas também para a morte passada ou futura daqueles que nos são queridos.

Este movimento de pensar a morte é quase sempre desagradável, doloroso, chega a doer no corpo, no peito, e o nosso instinto pode ser afastar os pensamentos, ou deixar de ler um texto que aborda o assunto.

Ao longo da História, as religiões têm sido a via mais importante para lidar com a morte, procurando sentidos, tanto para morte como para a vida, quase sempre com “promessas de imortalidade”, de uma qualquer forma de vida para além da morte.

O Cristianismo traz relatos de vários milagres, mas talvez o mais significativo seja o da ressurreição. Será esse o maior sonho de quem está em luto? O de voltar a ver, voltar a falar, dar um último abraço, um último beijo, um aDeus. Talvez por ser difícil aceitar que o sempre é para sempre, a irreversibilidade. E de uma forma mais ou menos consciente, mantém-se a relação, o sonho com o reencontro (nesta ou noutra dimensão).

Talvez não seja por acaso que as sensações de presença são tão comuns, ver, ouvir, sentir, cheirar, um toque. Desejo, imaginação, realidade, ressurreição? A resposta talvez pouco importe, mas fenómenos que noutros contextos são olhados como psicopatológicos, no luto são encarados como normais, de tão frequentes.

Os lutos significativos podem ser momentos de crise, pela difícil tarefa de aceitar a realidade, aquilo que aconteceu, que a pessoa que morreu não volta. Mas também porque a morte, e a forma como esta terá ocorrido, pode resultar num choque para o mundo anteriormente assumido.

Muitas vezes a ideia de um mundo no qual as pessoas morrem velhinhas, depois de uma vida plena e realizada. Um mundo onde as doenças graves só acontecem aos outros, um mundo no qual “as coisas más só acontecem a pessoas más”, fruto de uma justiça divina. Um mundo onde os filhos não partem antes dos pais. Mas esse mundo pode ser abalado, as crenças postas em causa, surgindo sentimentos de injustiça e perda de sentido.

É nesses momentos que pode ser importante pedir ajuda. Contudo, nem sempre é fácil encontrar esse espaço junto daqueles que são mais próximos. Muitas vezes estão, também eles, em sofrimento e há um movimento natural de os “proteger da minha dor”. É aqui que pode surgir o psicólogo. Não porque tenha respostas e soluções mágicas, ou uma varinha com o condão da ressurreição.

Mas porque é na partilha da dor que se pode ir integrando a realidade da perda. Numa sociedade com tanta pressão para estar bem, a boa vontade de alguém que diz “não estejas assim”, “não penses nisso”, “não chores”, “vai ficar tudo bem”, pode levar a que o enlutado se sinta incompreendido.

Acima de tudo pode precisar de alguém que desça ao fundo do poço da tristeza e que se sente a ouvir, sem pressionar para que esteja bem. Alguém que oiça os gritos de revolta bradados aos céus, sem julgar. Alguém que possa transmitir segurança a um mundo que tenha ficado assustador. Tudo isto num espaço terapêutico no qual possa falar sobre quem perdeu, explanar tudo aquilo que passou, expressar tudo aquilo que ficou por viver. Em que possa normalizar e validar muito daquilo que sente, percebendo, por exemplo, que é comum ter dificuldade em sentir alegria sem culpa, “como posso estar eu feliz quando perdi alguém tão importante?”.

O luto pode ser uma caminhada dura, difícil, com momentos em que não se vê luz ao fundo do túnel, com momentos de desesperança, mas não precisa de ser uma caminhada solitária.

Na eventual impossibilidade de ressurreição de quem partiu e regressou ao sítio de onde veio, o reencontro com o ente querido pode surgir na partilha de memórias, de sonhos, daquilo que ficou por dizer, por ouvir, por cumprir. E tão bom que seria voltar à vida, ao corpo, e não deixar nada por viver.

Pedro Frade - Psicólogo Clínico