HealthNews (HN)- Qual o universo de doentes a que a Positivo presta apoio?

Amílcar Soares (AS)- Entre 150 e 200 pessoas. Não temos um número específico, sendo que estas pessoas estão divididas por várias respostas. Umas vêm só para o psicólogo, outras também para o apoio social, outras para os grupos de pares. Também temos aquelas pessoas – que são bastantes – que vêm fazer testes para o VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis (testes de rastreio). Além disso, temos o projeto Red Light, com cerca de 160 pessoas, que vêm cá periodicamente para fazer exames clínicos com a nossa médica. Claro que há pessoas mais assíduas do que outras. Mais assíduas são à volta de 50.

No Red Light, um projeto de apoio a trabalhadoras sexuais, que exercem a sua atividade em apartamentos, temos à volta de 190 pessoas a quem conseguimos dar respostas, na entrega de produtos de proteção e com alguma informação sobre DST. Convidamo-las a virem à médica da associação para fazerem exames a nível ginecológico. Nem sempre vêm todas, mas vem uma boa porção delas. Nem todas vêm cá assiduamente, mas elas vêm e confiam, e percebem que isto não é um sítio identificado com nada que as possa fazer sentir-se estigmatizadas. Elas sabem que há médica mais ou menos de 15 em 15 dias.

HN- As maiores necessidades das pessoas com VIH têm-se alterado? Consegue sinalizar as prioridades?

AS- O drama do estigma continua exatamente como no início. As pessoas continuam a sentir-se estigmatizadas. Também há uma grande componente de auto-estigma, com base naquilo que ouvem sobre as pessoas com VIH, que absorvem para elas mesmas. Já não há um grande drama em relação à morte. O que as pessoas com VIH mais precisam, para além do combate ao estigma, é de saber como aceder rapidamente a uma consulta e ter medicamentos para tomar, que lhes permitam seguir com a vida. Já não é, realmente, o drama do início, quando as pessoas sentiam muito mais incapacidade e achavam que, provavelmente, iam morrer muito mais rapidamente.

HN- Também tem feito um trabalho junto dos alunos. Falou-me de um estigma que continua bastante presente, sendo que estamos a falar de uma doença que, com a medicação, é possível controlar. Nesta tentativa de combate ao estigma, as escolas têm feito o seu papel?

AS- É difícil responder por uma razão: eu não sei se outras associações vão a outras escolas.

É preciso que haja algum professor, na disciplina biologia por exemplo, que esteja interessado em falar na questão, que queira falar sobre DST. Muitas vezes, os professores dão informações bastante genéricas, e há professores que também não sabem muito bem como abordar a questão. No meu caso, quando sou convidado, é porque há um professor que está mais atento a isto.

Mas, atenção, o estigma não começa na escola. A educação começa em casa, onde se ouve falar de VIH, de racismo, de xenofobia, de questões de género. A escola dá formação, não educação. Se os pais tiverem os preconceitos todos, não é na escola que os filhos vão mudar, de forma nenhuma.

HN- Os números mostram uma evolução positiva em termos de incidência, mas Portugal continua acima da média europeia. No contexto atual, quais os desafios que se colocam?

AS- Os números em Portugal nunca saíram a tempo. Agora, com a pandemia, isto ainda ficou mais baralhado, pelo que não temos uma noção correta de quantos é que são ou deixam de ser. O número aumentou em Portugal, mas não sei se isso aconteceu por causa das pessoas portuguesas seropositivas ou se se deve ao fluxo de imigração de pessoas brasileiras que entram no Serviço Nacional de Saúde. Não detetamos muitos portugueses nos testes rápidos. Agora, a nível de pessoas que já sabem que são positivas e que vêm do Brasil para Portugal, tem havido um aumento exponencial.

HN- Têm sentido por parte das instituições competentes sensibilidade para incrementar os apoios necessários às associações que apoiam este grupo de doentes?

AS- Não tem havido, desde há muito anos, qualquer alteração sobre as verbas. As verbas são as mesmas desde o início desta questão da distribuição de valores. O projeto começou com a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, na altura com a Professora Odete Ferreira, em 1997. O dinheiro vem essencialmente do que sobra dos jogos (totoloto) da Santa Casa da Misericórdia e continua a ser o mesmo valor. Eu não consigo perceber como é que ainda não houve uma proposta para se fazer uma alteração.

Conseguimos muitas vezes suplantar as dificuldades com alguns projetos suplementares que vamos fazendo, com as propostas que vamos apresentando de projetos de reforço junto da indústria farmacêutica. Senão, penso que muitos de nós já teríamos desistido.

HN- Quer falar-nos dos projetos que têm em mãos?

AS- Neste momento, temos o Espaço Positivo e o Red Light, além de um outro espaço chamado São Martinho de Lima, que veio de uma outra associação que deixou de poder dar resposta, mas foi-nos pedido pela Segurança Social que continuássemos. Ainda não conseguimos obter as verbas diretas que eram dadas à outra instituição. Já estamos nisto desde 2013. Já mandámos várias informações e pedidos para a assinatura do acordo para o Instituto da Segurança Social, dirigido à senhora vice-presidente do Conselho Diretivo do ISS, Dra. Catarina Marcelino, mas não obtivemos nenhuma resposta.

As discussões mantêm-se: se o apoio para este projeto deveria vir do Ministério da Saúde ou do ISS. Mas, se é do Ministério da Saúde ou do Ministério da Segurança Social, é-nos completamente indiferente, porque, no fundo, o dinheiro sai exatamente do mesmo sítio. Não consigo perceber porque é que estamos com tantos problemas em relação a esta questão – se o apoio sai do lado A ou do lado B. Não tem sentido este tipo de situação, a não preocupação com as pessoas a quem prestamos apoio, que são cerca de 60. Estamos no limite. Possivelmente, no próximo mês de dezembro, vamos ter que cancelar todos os apoios e serviços que temos estado a fazer, porque não estão a ser transferidas as verbas para a continuidade do projeto.

São Martinho de Lima é um projeto de apoio a pessoas com VIH com graves carências económicas. Estamos à espera que alguém no ISS, e nomeadamente a senhora vice-presidente do Conselho Diretivo do ISS, tome uma posição sobre a assinatura do acordo de continuidade que ainda se encontra ativo com a Associação São Martinho de Lima. Não entendemos porque é que estão com tantos problemas e põem tantos entraves numa verba que já está consagrada para este projeto há imensos anos.

HN- Para terminar, duas mensagens, uma para os decisores políticos, outra para os doentes, dizendo-lhes o que é que a Positivo pode ser para eles.

AS- Precisamos que os decisores políticos tenham a maior rapidez na resposta que temos que dar socialmente. Temos de pensar na economia de bem-estar da população, em vez de numa economia de bem-estar da economia. Na pré-pandemia, quando nos concentrámos no bem-estar da economia, nós vimos o que é que aconteceu, com todos os desvios, com os bancos e com outras entidades. Era essencial a economia estar bem, então privatizou-se tudo, sabendo-se à partida que a privatização nem sempre é uma mais-valia, porque a privatização é para criar lucro e não para distribuir riqueza. Agora temos o Governo a falar nos lucros exacerbados que tiveram uma quantidade de instituições, como bancos, petrolíferas e o pessoal ligado à alimentação, que estão todos muito alarmados porque, realmente, pela primeira vez, dizem-lhes que têm de distribuir uma parte dos seus lucros de bem-estar económico, para que haja um bem-estar social.

Isto não é uma questão de ser socialista ou comunista, nem de querer ficar com aquilo que é dos outros. É uma questão de redistribuição da riqueza que existe no país. A quantidade de pessoas que são pobres está a aumentar. Mesmo as pessoas que se consideram de classe média, ou que se consideravam de classe média, neste momento, estão a perder, porque não houve grandes alterações. O ordenado médio, que é o que a maior parte das pessoas recebe, não é mexido em nada há imensos anos. O ordenado mínimo está a chegar ao valor do ordenado médio.

Há pessoas que entram em lugares de chefia que ganham ordenados um pouco absurdos, no sentido em que estão a receber muito comparativamente à maioria das pessoas. Não é que estejam a receber muito pelo que fazem, mas é difícil explicar a quem recebe 700 euros porque é que fulano recebe 4.000 euros porque está à frente de não sei quê e é amigo de não sei quem. É essa a questão.

Em relação às pessoas com VIH, o mais importante não é o que é que a Associação Positivo tem para eles, mas a mais-valia que podem obter quando procuram apoio, seja psicológico ou de outras pessoas com VIH.

O importante para as pessoas que ainda não conhecem o seu estatuto serológico é que não hesitem em recorrer aos testes rápidos das infeções sexualmente transmissíveis, que podem fazer na associação Positivo ou noutras organizações. Podem saber consultando a lista da Rede de Rastreio. Quanto mais rápido souberem o resultado, mais rapidamente têm um acompanhamento clínico como deve ser, em vez de chegarem ao hospital em situações em que a doença já fez algum prejuízo a nível do sistema imunitário.

O importante é virem à nossa associação ou a outra e fazerem os testes de VIH. Assim, terão acompanhamento apropriado, para poderem ter qualidade de vida e aprender connosco sobre a questão da discriminação e alguns apoios que temos internamente, e até para partilhar o que é viver com VIH.

Entrevista de Rita Antunes, novembro de 2022