Chenta Tsai aproveitou os holofotes da Mercedes-Benz Fashion Week, em Madrid, para despir a camisola e denunciar a proliferação de casos de racismo antiasiático.

No peito descoberto, este taiwanês que se apresenta como @Putochinomaricón no Instagram, escreveu "I am not a virus"  - "Eu não sou um vírus" na tradução do inglês - e desfilou perante dezenas de jornalistas.

A frase é um dos hashtags mais populares do momento - está a ser usada em várias línguas - e visa denunciar o preconceito a que comunidade asiática está a ser alvo.

Os protestos online fizeram-se ouvir numa altura em que vários países - como a Rússia e os Estados Unidos - decidiram proibir a entrada de cidadãos chineses ou oriundos da região de Hubei, epicentro do surto da epidemia do novo coronavírus, mesmo depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) se mostrar contra essas restrições, por as considerar "exageradas", "desnecessárias" e "não fundamentadas" do ponto de vista científico.

À procura de um bode expiatório?

O judeu, o bruxo, a prostituta, o corcunda, o gay, entre outros, fazem parte da longa lista de "culpados" da história de cada epidemia e os asiáticos temem ser o bode expiatório desta vez. "Basta que se tenha os olhos um pouco rasgados... Vejo como as pessoas olham para mim, quando saio às ruas com o meu namorado tibetano", reclama Mei Ka, uma japonesa que vive na Bélgica, na página do site antirracista Ásia 2.0 no Facebook.

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A hashtag não é nova #IAmNotAVirus. Foi usada por afro-americanos nos Estados Unidos em 2014, depois da morte de um liberiano infetado com o ébola nesse país. "É revelador de uma experiência comum vivida pelas populações estigmatizadas neste tipo de situação", disse à AFP a criadora da hashtag em França, pedindo para não ser identificada.

O fenómeno não se limita ao mundo ocidental. Há poucos dias, no Cazaquistão, dois chineses que se dirigiam para Nur-Sultan foram retirados de um comboio para serem examinados por médicos vestidos com trajes especiais. Mas não tinham qualquer sintomas ou sinal de infeção pelo novo coronavírus (2019 n-CoV). Pouco depois, o hospital local de Chu (sul) declarou que ambos estavam "completamente saudáveis".

No Quirguistão, o deputado Kamchybek Joldoshbayev pediu aos seus compatriotas, na quarta-feira passada, que "evitem o contacto" com qualquer cidadão chinês e pediu às autoridades que "tomem medidas" nos grandes bazares de Bishkek. Muitos comerciantes são chineses.

- Medos ancestrais -

"Em cada epidemia, busca-se encontrar um ou vários bodes expiatórios", disse o médico imunologista Norbert Gualde, autor de vários livros sobre os vírus. Trata-se de "comportamentos ancestrais que persistem", afirmou. "Designa-se um grupo humano 'culpado', como os judeus, os leprosos, os corcundas, as prostitutas, as pessoas que não vão à missa, os homossexuais...", completou. "É algo recorrente durante as epidemias. Alguns povos, como o judeu, já sofreram muito na história das epidemias", lembrou.

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No século XIV, por exemplo, os judeus foram massacrados na Europa por serem considerados culpados pela peste. Para Alain Epelboin, antropólogo e especialista do ébola, "quando aparece uma epidemia, procura-se sempre a causa da desgraça".

Com frequência, "os primeiros bodes expiatórios são os sobreviventes. Primeiro, são acusados de serem perigosos e são postos em quarentena e, se forem os únicos membros de sua família a sobreviver, às vezes, em alguns países, podem ser acusados de bruxaria", explicou. E da busca de culpados às teorias da conspiração é apenas um passo.

"As teorias conspiratórias funcionaram muito bem para o ébola ou para a Sida. Muitas vezes, diz-se que são vírus criados em laboratórios e que foram disseminados de propósito para 'limpar' territórios", comentou Epelboin. Para Gualde, "é impossível evitar estas fantasias".

"Aconteceu o mesmo com a gripe, ou com a varíola. É impossível impedir que as pessoas imaginem coisas desse tipo", comentou.

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