“A verdadeira interrogação é a manutenção de uma mortalidade elevada com indicadores de hospitalização decrescentes. Parece haver um desacoplamento da mortalidade em relação aos indicadores generalistas globais, o que pode indicar que a mortalidade está associada a características de uma população específica”, adiantou Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.

Já para o virologista Pedro Simas, a elevada mortalidade que se regista no país deve-se, em parte, à “fase sazonal dos vírus respiratórios em que existe sempre um número mais elevado de infeções e, infelizmente, de mais mortes em comparação com o resto do ano”.

Segundo o último relatório sobre a situação da pandemia em Portugal, a taxa de mortalidade estava nos 25,1 óbitos por milhão de habitantes a 14 dias, com tendência decrescente, mas continua nos últimos meses a ser superior ao limiar de 20 mortes definido pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) para este indicador.

Dados da DGS indicam ainda que em cerca de um mês – entre 29 de março e 25 de abril - morreram 410 idosos com 80 ou mais anos e outros 95 entre os 70 e 79 anos, faixas etárias que já atingiram cerca de 95% de vacinação com a dose de reforço.

Segundo Miguel Castanho, é sabido que a grande maioria das pessoas que morrem por covid-19 são idosos, mas “deverão ter outras condições de fragilidade adicionais que não estão presentes” na grande generalidade da população.

Entre estas condições de fragilidade o investigador aponta a possibilidade de não estarem vacinados, de sofrerem de outras doenças que, em combinação com a covid-19, sejam mais mortais, de terem condições de vida que predisponham à covid-19 ou de estarem particularmente expostos a contágio facilitado por alguma razão.

“Seria muito importante agora investigar para conhecer estas características particulares das pessoas que são vítimas mortais de covid-19 na atualidade”, salientou Miguel Castanho, para quem “continua a ser importante ter medidas para fazer baixar os ritmos de contágio e criar um ambiente seguro para os mais vulneráveis”.

Para o investigador, é preciso ter em conta que 40% da população tem imunidade natural, o que faz com que os 60% restantes sejam “suficientes para alimentar as cadeias de transmissão durante muito tempo”.

“Ao ritmo de 10 mil casos diários, a pandemia poderia manter-se com o figurino atual por cerca de 600 dias. É uma conta crua e muito simplista, mas que ilustra o que quero dizer”, afirmou o especialista à Lusa.

Para Miguel Castanho, neste momento da pandemia, o importante é saber o que leva a generalidade das pessoas a não necessitar tanto de cuidados médicos, ao mesmo tempo que outros se mantêm particularmente frágeis perante a doença.

“Na posse desta informação, poderíamos passar a uma fase de combate à pandemia baseada em medidas específicas, focadas nas pessoas de maior risco, e não em medidas generalistas para tudo e para todos”, preconizou o investigador, ao salientar que que a única coisa que mudou em termos de pandemia à escala global foi a sua perceção pública, uma vez que a instabilidade se mantém.

Para Pedro Simas, além de Portugal estar ainda na fase sazonal dos vírus respiratórios, “também é muito provável que os números reportados de mortes causadas por covid-19 estejam artificialmente inflacionados”.

“Nesta fase sazonal existe uma taxa de infeção comunitária alta e é possível que numa fração significativa de mortes reportadas por covid-19, a causa primária não seja a infeção por SARS-CoV-2, mas outra”, adiantou o virologista, ao salientar que as vacinas são muito eficientes na proteção contra a doença grave e morte.

“Basta comparar a taxa de letalidade da vaga (da variante) Ómicron este ano com a terceira vaga de janeiro e fevereiro de 2021 pela variante Alfa, que foi cerca de 20 vezes menor”, recordou.

Segundo Pedro Simas, também investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, não é expectável que, no futuro, a infeção por SARS-CoV-2 e doença covid-19 tenha uma taxa de letalidade superior à dos outros coronavirus respiratórios endémicos.

“É possível que nos próximos anos possa ser um pouco mais elevada até haver uma exposição à infeção natural repetida que nos dá uma imunidade mais completa em termos de antígenos e no local certo, a nasofaringe”, disse.

Tendo em conta as incertezas da evolução da pandemia, como é a possibilidade do surgimento de novas variantes, o "grande teste que temos pela frente, como sempre, será o inverno. Só o inverno nos dirá se fizemos progressos reais e efetivos no combate à pandemia”, concluiu Miguel Castanho.